Os três grandes festivais europeus de cinema - Cannes, Berlim e Veneza - são conhecidos pela vontade de afrontar temas sérios, pesados, que costumam ficar de fora dos filmes populares e dos circuitos comerciais. Por isso, é comum as mostras competitivas se focarem em dramas clássicos.
Mesmo assim, nos últimos anos, os festivais começaram a apostar em linguagens e tons diferentes, com resultado imediato: o vencedor de Cannes 2017 foi uma comédia (The Square), em Berlim venceu uma comédia dramática (Corpo e Alma) e Veneza premiou uma fábula fantástica (A Forma da Água).
A seleção de Berlim em 2018 dá um passo adiante, selecionando grande número de comédias, incluindo Isle of Dogs, Damsel, The Real Estate, Don't Worry, He Won't Get Far on Foot, Khook, In the Aisles etc., além de fábulas como Cross My Heart, Isle of Dogs e Daughter of Mine. Essa escolha gera uma seleção mais leve, diversificada - e também mais controversa. Pelo menos metade dos filmes apresentados até agora foi adorada por parte da imprensa, e detestada pela outra parte.
Este domingo, 18 de fevereiro, não foi diferente:
Nos passos de Deus
The Prayer, de Cédric Kahn, mostra a trajetória de um jovem viciado em drogas (Anthony Bajon) que encontra refúgio numa instituição católica rígida. Primeiro, ele rejeita as regras do internato, mas depois se acostuma e começa a encontrar a vocação religiosa.
O filme segue por caminhos muito distintos: inicialmente, parece crítico à religião, depois abandona todo cinismo para mostrar as palavras divinas como única salvação para pessoas perdidas. No momento final, lança dúvidas sobre tudo o que tinha dito até então. Apesar das evidentes qualidades técnicas, a imprensa ficou muda e calada ao final da projeção: afinal, o que o projeto tem a dizer sobre seus temas?
Duas mães
Daughter of Mine, de Laura Bispuri, retrata o dilema de uma garotinha italiana ao descobrir que sua mãe biológica é uma mulher diferente daquela que a criou. Ao contrário da mãe de criação, respeitosa e tímida, a mulher que a pôs no mundo é uma prostituta vulgar e interesseira.
Novamente, um caso de filme muitíssimo bem feito, com uma atriz excelente (Alba Rohrwacher), mas perdido em seus rumos: primeiro, por colocar as duas mulheres como opostas, e segundo, pelo exagero nas caracterizações. Faria mais sentido enxergar a história pelo ponto de vista da garotinha, ao invés das mães. No final, alguns aplausos discretos e pouca empolgação.
Que tudo se exploda
The Real Estate, dirigido por Mans Mansson e Axel Pétersen, é a espécie de filme punk e extremo que todo festival gosta de incluir de vez em quando para gerar polêmica. A história retrata uma mulher de 60 anos de idade, egocêntrica e grosseira, que descobre ter herdado um edifício inteiro, com moradores dentro.
Dali em diante, ela pensa na melhor maneira de ter todo o lucro possível sem se preocupar com os habitantes. Os diretores adotam uma estética de videoclipe, com câmeras muitíssimo próximas em todo o filme, permitindo ver apenas trechos de personagens e objetos. É como um longuíssimo videoclipe misantropo de 90 minutos, que talvez servisse melhor como curiosidade em alguma seleção paralela da Berlinale.
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