Estreou nos cinemas nesta quinta-feira, 8 de fevereiro, um dos indicados ao Oscar 2018 de melhor filme estrangeiro: O Insulto, obra controversa que gerou protestos e boicotes em seu país, o Líbano.
A história coloca frente a frente um cristão radical, Toni (Adel Karam) e um refugiado palestino, Yasser (Kamel El Basha, vencedor do prêmio de melhor ator no festival de Veneza). Após uma briga simples, eles se provocam, proferem novos insultos, e o caso se torna uma questão nacional quando ambos levam a disputa à justiça. No tribunal, as feridas históricas de ambos os povos são expostas.
O AdoroCinema conversou com o diretor libanês Ziad Doueiri, criado durante a guerra civil em seu país. Para ele, a noção de filme "equilibrado" e "imparcial" é não apenas impossível, mas também indesejável:
Que precauções são necessárias para abordar um conflito religioso e social tão delicado quanto esse?
Ziad Doueiri: Eu não hesito em falar sobre o que quer que seja. Digo o que me passa pela cabeça, não me censuro jamais. Na verdade, nunca tentei ser imparcial, neutro. Tomei uma posição bastante radical. A única diferença é que, na história, mudo de opinião a cada quinze minutos, mostrando o ponto de vista de um, depois de outro. Não podemos ser neutros em um conflito. Se eu fosse neutro, teria suavizado o tema, teria arredondado as pontas, mas não era esse o objetivo. Queria ir ao fundo. O que tentei mostrar é que cada um tem seu ponto de vista, mas ambos os personagens são radicais, extremos.
Você descreveria O Insulto como um filme político?
Ziad Doueiri: Não, de modo algum. Sabe, hoje em dia a palavra “político” foi banalizada, virou moda usar essa palavra, “político”. O Insulto não é um filme político: é um filme. Ele aborda dois personagens que se enfrentam. Mas você pode dizer isso. Pode dizer que é político, mas eu não penso assim.
Em uma entrevista na França, você disse que o filme foi boicotado por grupos muito específicos no Líbano, especialmente de esquerda.
Ziad Doueiri: Veja, não quero julgar ninguém. Quero escolher bem as palavras que direi porque o mundo está em um clima tenso, complicado. Não quero ser agressivo, causar má impressão nem tomar partido de quem quer que seja. Não sou contra a direita, nem contra a esquerda. Para mim, são todos iguais.
Mas o que se passa hoje em dia no Líbano é que há uma esquerda fascista, defendendo que os cristãos de direita são os culpados pela guerra e que agora querem repetir as mesmas coisas. Eles dizem que a causa palestina é uma causa sagrada. Mas isso não é verdade. Não existem causas mais sagradas que outras. Então, eu decidi mostrar o ponto de vista de uma direita cristã em relação à qual eu mesmo era hostil quando era adolescente. Hoje, observo essa direita e não os vejo mais como os via antes. A maior parte das pessoas que se opuseram ao filme são da esquerda pró-Palestina e isso é triste porque o filme não é contra os palestinos, de maneira alguma. Infelizmente, foi isso que aconteceu, foram essas pessoas que ficaram irritadas.
Você trabalha com atores de trajetórias distintas [Karam é conhecido como humorista, El Basha nunca havia atuado no cinema] e estilos bem diferentes. Como foi o processo?
Ziad Doueiri: O processo de escolha foi demorado. Levei cinco meses para encontrar as melhores pessoas para interpretarem estes papéis, como nós os tínhamos em mente. Fiz testes à moda antiga. Escolhi os atores que senti, instintivamente, que gostaria de acompanhar. Cada um deles tem sua forma de trabalhar. Adel Karam, um dos atores principais, é muito instintivo em sua maneira de interpretar, ele não faz uma grande análise do personagem. Outros preferem construir o personagem, saber como são, o que fazem, com o que trabalham, o que querem, quem é a mãe, quem é o pai. Cada ator tem sua forma de trabalhar e eu tenho que guiá-los. É simples. Mas não fiz muitos ensaios porque, simplesmente, me convenci de que eram as pessoas corretas para viver os protagonistas.
Desde o festival de Veneza, o filme tem sido comparado ao cinema americano pela exploração do subgênero do "drama de tribunal".
Ziad Doueiri: Eu estudei cinema e trabalhei durante dezoito anos nos Estados Unidos. Como trabalhei lá, compreendo essa visão. Se eu tivesse estudado na União Soviética, faria um filme à maneira soviética. Mas nos Estados Unidos, trabalhei em grandes filmes americanos. Então, não é uma questão de ser influenciado pelo cinema deles, mas de ter esta experiência específica. Não se esqueça que é um filme de tribunal, e os americanos são muito fortes nesse tipo de filme. Então, obviamente, há uma relação direta, simbiótica. Não é uma questão de imitar, é a minha escola.
Você fez questão de posicionar a câmera no meio da ação, como se o espectador fizesse parte da briga.
Ziad Doueiri: Queria contar uma história do ponto de vista de cada personagem. Então, filmei com um foco limitado, bem próximo dos atores. Queria estar com eles constantemente. É assim que filmo os atores: vou seguindo para onde vão. Isso quer dizer que, quando preparei as cenas durante as filmagens, não fiz um desenho específico e não pedi aos atores para se adaptarem à câmera. Pelo contrário, fiz a câmera se adaptar a eles. Durante os ensaios, pedi para que eles se movessem naturalmente, instintivamente pelo cenário e construí o trabalho de câmera ao redor dos movimentos deles.
Por outro lado, Beirute é uma cidade muito visual. Existem muitos prédios, colados uns aos outros. Há essa luz do Mediterrâneo que tentei criar. Apesar do lado caótico de Beirute, do lado paradoxal, há um lado muito visual. Tentei ser fiel ao que vejo no Líbano.
Os dilemas abordados são tipicamente libaneses, mas acredita que a história se comunique da mesma maneira com o resto do mundo?
Ziad Doueiri: Acho que a reação do público ocidental foi extremamente positiva porque não falamos apenas do Líbano. O Líbano é apenas um detalhe. Os palestinos são apenas um detalhe. E o filme não é sobre detalhes. Nós escrevemos o filme para ser uma busca pela justiça, pela dignidade. Que problema ocorre quando duas pessoas, de origens e de classes diferentes, se enfrentam? Isso é algo universal.
Poderíamos ter feito o filme na Colômbia, na Espanha, na Bósnia, na Irlanda do Norte. Todos compreendem essa história. Fiquei muito surpreso, mas também muito feliz ao ver que quase todas as pessoas que viram o filme, seja nos Estados Unidos, na Itália, na França, na Espanha, no Egito ou no Líbano, tiveram uma reação positiva porque se identificam com esses personagens. Isso não é acidental, escrevemos com esse intuito, para que todos pudessem compreender o máximo possível da trama. É claro que existem detalhes que os espectadores brasileiros ou estadunidenses ou franceses ou italianos não vão compreender. Mas são detalhes.
Acredita que a indicação ao Oscar venha a produzir um impacto direto na produção libanesa?
Ziad Doueiri: Não sei. O filme vai abrir uma pequena janela, com certeza, mas é preciso que o cinema libanês se aplique a lançar mais filmes, porque O Insulto não vai resolver problemas específicos da nossa cinematografia. Acredito que exista uma importância, mas é preciso incentivar a produção. É um problema que o cinema libanês enfrenta há muito tempo.