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    Raymond Depardon, o fotógrafo que foi para o cinema em busca da palavra, das pessoas e da poesia (Entrevista exclusiva)

    Artista francês comenta som e imagem da obra 12 Dias, destrincha seus métodos, suas colaborações com Alexandre Desplat e Claudine Nougaret, debate a ética do cinema documental — enfim, sua arte por completo.

    Raymond Depardon visitou o Rio de Janeiro nessa semana para dois dias de debates no Centro Cultural Banco do Brasil — espaço que acolheu até essa segunda-feira (22) a mostra com toda a sua filmografia, e exibirá até o dia 5 de feveiro a sua exposição de fotografias, "Un moment si doux". Além deste programa imperdível, segue um convite para conhecer a obra do fotojornalista que se tornaria cineasta para entender o ser humano além da sua imagem.

    "Uma das minhas grandes fontes de prazer como artista, paradoxalmente para um fotógrafo, é a palavra das pessoas. Eu gosto de ouvir esse leve delírio que emana das pessoas. Isso me toca muito", declara Raymond Depardon, em visita à cidade para apresentar e discutir um filme que se propõe, justamente, a dar voz a quem nunca foi ouvido: 12 Dias, baseado em uma nova lei francesa que obriga os institutos psiquiátricos a ouvir os doentes que estão sendo internados sem seu consentimento. No documentário, fica claro que o processo burocrático atua, na prática, como mero protocolo frente aos parâmetros internacionais de proteção aos direitos humanos. Na maioria esmagadora das vezes, os pacientes querem a liberdade e seu pedido é negado sem a pretensa consideração.

    Arte e clausura

    "Eu acho que esse filme só existe porque conseguimos ser sensíveis à inteligência dessas pessoas", diz Depardon sobre os internos, todos com algum grau de distúrbio — mental, emocional, motor —, alguns expressamente perigosos e, bem... loucos mesmo. "Perceba como eles, muitas vezes, são naturalmente brilhantes em suas palavras. Muitas atravessaram momentos difíceis e, ainda assim, é possível enxergar a poesia em sua forma de expressão. Sempre que eles dizem que querem sair, isso me toca muito, e eu entendo profundamente. A questão da liberdade pessoal me impacta demais. E essa é uma emoção que eu acredito ser universal, diz respeito a cada um de nós", diz Depardon na entrevista exclusiva ao AdoroCinema.

    Essa não é a primeira vez que o autor francês trata o tema no cinema. O outro filme discutido por Depardon em sua passagem pelo Rio foi o longa-metragem Presos em Flagrante — formal e tematicamente muito semelhante a 12 Dias. "Eu tenho esse medo do enclausuramento. Apesar de ter passado a infância no campo, com total liberdade, eu sofri um pouco disso em meu tempo como fotógrafo de guerra. Eu fiquei preso só alguns dias, nada sério, mas o suficiente pra carregar esse medo", explica o artista. Por isso, ele diz concordar com a subdivisão de sua obra, pelo curador do museu Henri Cartier-Bresson, em quatro temas recorrentes: a terra natal, a viagem, o sofrimento e o enclausuramento.

    Depardon realça a claustrofobia do hospital psiquiátrico com travellings solenes pelos corredores sem vida do Le Vinatier. Como contraponto, lindos planos retratam o exterior do edifício, reforçando a beleza da liberdade mesmo em dias frios do inverno em Lyon, na França. Da mesma forma, longos silêncios são ora interrompidos por gritos de internos, ora por uma trilha sonora incrível, sutil, composta por Alexandre Desplat — vencedor do Oscar recentemente por O Grande Hotel Budapeste.

    Colaboração criativa

    "É a terceira vez que eu trabalho com o Alexandre, mas tudo começou por acaso. Nós o contratamos depois que minha mulher viu um filme do Roman Polanski. Ele foi muito gentil e, aparentemente, também gosta muito do meu cinema, pois nem cobrou por seu trabalho nas primeiras vezes. Nós tivemos que insistir para pagar dessa vez", sorri Depardon. "Ele trabalha quando o filme já está acabado, aí eu deixo, voluntariamente, muitos momentos de silêncio, para que ele possa inserir sua trilha. E ele se inspira, porque fez coisas ótimas nas vezes que trabalhou comigo. Quando faz produções hollywoodianas, ele nem sempre me parece tão inspirado", diz o artista, muito sincero.

    Raymond Depardon fala sobre sua esposa com admiração e orgulho. Ela é ninguém menos que Claudine Nougaret, engenheira de som de seus filmes, com quem divide os créditos de direção e roteiro no curta Au bonheur des maths e no longa Journal de France, ambos documentários e recentes. Mas a parceria é de longa data. "Nossa primeira colaboração foi há 30 anos, em um filme chamado Emergências que também tem a psiquiatria como tema. Nós tínhamos acabado de casar, aí brincamos que essa foi a nossa viagem de núpcias. Mas em 12 Dias foi diferente. A equipe tinha que ser bem maior, porque não era um filme fácil", conta Depardon.

    Técnica e processos

    Essa dificuldade é relatada com uma paixão contagiante. Fotógrafo tradicional que é, 12 Dias marcou a primeira vez em que Raymond Depardon trabalhou com câmeras digitais, e de alta qualidade (Sony F65, ele especifica). "Eu usei três câmeras bem discretas. Para não interferir muito, não usei nem tripés, coloquei as câmeras sobre móveis, colunas", explica, revelando a intenção de retratar os confrontos entre paciente e juiz com o máximo de naturalidade.

    A quantidade de filmadoras auxiliou na fluidez da montagem, a cargo de Simon Jacquet — que comprou sua ideia por um trabalho não convencional e mais imersivo. "Nós escolhemos montar fazendo projeções no cinema mesmo. Ao montar no computador, você acaba tomado pela pressa e pelo estresse de produção. Quando você assiste ao filme numa sala escura, é possível ver a sua obra de outra forma e com mais tranquilidade para definir a montagem. E como havia três câmeras, deu para montar sem que tivesse uma sensação de cortes entre as cenas. Ficou mais fluido", explica 

    Claudine Nougaret também teve trabalho redobrado e teve de caprichar no posicionamento de boom (microfones nas pontas de "varas") junto aos internos, pois os cineastas não tinham permissão para colocar lapela neles. Aliás, esse foi um problema em muitos aspectos. Na verdade, Raymond Depardon só pôde fazer esse filme porque construiu um bom relacionamento junto à Justiça e à Psiquiatria ao retratar esses meios em seus filmes anteriores. Ainda assim, para lançar 12 Dias, precisou da autorização dos tutores de seus "atores", e teve a recusa de alguns deles. Depois, Depardon também precisou enfrentar questionamentos à ética de seu trabalho como cineasta.

    A ética documental

    12 Dias tem muita empatia pelos pacientes do Le Vinatier. É nítido o esforço de Raymond Depardon em humanizá-los com relatos muito próximos a dramas comuns, como o caso da mulher que sofre de depressão por causa do trabalho e, com profunda autoconsciência, diz que precisa curar sua "ferida aberta". O artista diz que gostaria de encontrar mais exemplos assim, e revela um artifício para driblar um julgamento negativo do público: "Minha intenção foi remover o máximo de violência dos momentos violentos, justamente para que o público se identificasse e não tivesse medo. Meu filme é um filme frágil."

    Apesar disso, Depardon foi questionado por retratar pessoas mentalmente incapazes — o que, verdade seja dita, é uma discussão recorrente sobre a ética tênue desse tipo de filme documental. "Tudo depende de como a obra é filmada. Eu participei de mais de 30 debates em toda a França e, sim, essa questão sempre foi levantada. E claro que não é simples. Mas eu acredito que gravá-los era muito importante para a história, pois foi a primeira vez que se deu a palavra para os loucos", ele defende.

    Então, Raymond Depardon fornece um guia para se entender 12 Dias. Primeiro, deixa claro que não se trata de um filme contra os psiquiatras, e nem mesmo contra as pessoas que julgam os casos. "A França foi punida por não respeitar os direitos humanos. Assim, eles tiveram que formar juízes rapidamente, pois o Estado estava perdido com essa nova lei. Depois, é importante dizer que os loucos na França não perdem seus direitos cívicos. Eles tanto podem votar, como dar autorização de ser filmados, como deram.

    As pessoas pensam que os loucos não podem ser mostrados, que é um abuso mostrá-los, mas eles têm o direito de aceitar ou não. E, durante a produção, tiveram todo o cuidado, perguntavam antes, e depois também", conta o cineasta, em longo relato, para enfim resumir o problema do filme: seu efeito nas pessoas normais.

    "Geralmente se ouve os psiquiatras, os advogados, os policiais, os juízes. Dessa vez, os loucos têm a palavra. É importante saber o que eles têm a dizer, e a gente nem sempre quer ouvir, porque pode incomodar muito. Tem histórias de abuso, questões de herança, divisão de bens… E, de cinco a dez minutos, essas pessoas estiveram totalmente livres para falar o que quiseram. É importante que a gente leia entre as linhas do filme. Porque ele incomoda as pessoas, claro", finaliza Raymond Depardon.

     

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