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    Planeta dos Macacos: Dan Lemmon, ganhador do Oscar de Efeitos Especiais, fala sobre as fronteiras entre o real e o digital (Entrevista Exclusiva)

    O AdoroCinema conversou com o artista, vencedor do prêmio da Academia por Mogli - O Menino Lobo, durante o VFX Rio.

    A carreira do supervisor de efeitos especiais Dan Lemmon é inteiramente centrada em enganar o olhar do público. Responsável pelas criações digitais de filmes como Avatar e Encantada, o "ilusionista" chegou ao auge de sua trajetória na indústria trabalhando na nova trilogia Planeta dos Macacos e em Mogli - O Menino Lobo, cujos animais digitais lhe renderam um Oscar de Melhores Efeitos Especiais.

    Através de sua incansável exploração das tecnologias à disposição de Hollywood, Lemmon conseguiu o impossível: fazer o espectador acreditar que está vendo macacos que realmente aprenderam a falar e que podem, a qualquer momento, tomar o controle do mundo para defender sua espécie. Em entrevista exclusiva concedida ao AdoroCinema durante o VFX Rio - eventou que apresentou palestras sobre efeitos especiais e a Realidade Virtual -, Lemmon falou sobre a experiência na franquia, a parceria com Andy Serkis e o futuro digital da sétima arte:

    FICÇÃO E REALIDADE

    Quando Lemmon - pré-indicado ao Oscar 2018 pelos efeitos criados para a conclusão da trilogia dirigida por Rupert WyattMatt Reeves - fala sobre o laborioso e meticuloso trabalho digital empreendido para levar Planeta dos Macacos: A Guerra às telonas, é possível ter a sensação de que o processo se aproxima do artesanal. Para a franquia, o supervisor e sua equipe chegaram a desenvolver ferramentas de "barba e cabelo": através dos softwares de edição, os artistas de efeitos especiais podem aparar, cortar e alongar pelo por pelo dos rostos dos símios. Na visão de Lemmon, se o objetivo é ultrapassar as fronteiras que separam o digital do real, nenhum detalhe ou minúcia é pequeno demais para não ser aperfeiçoado:

    "Os filmes da trilogia Planeta dos Macacos foram uma ótima oportunidade para explorar os limites da tecnologia e inovar. Criativamente, é uma franquia muito rica na qual trabalhar para tentar fazer as coisas parecerem mais reais [...] Sempre que começamos a fazer um novo filme, não nos limitamos a jogar um César já pronto dentro do filme. O personagem sempre tem habilidades novas, sente coisas novas, se expressa de formas diferentes. E sempre tentamos aprimorar nossas ferramentes. É um processo de refinamento constante. Então, é ótimo poder retomar personagens que você ama para aprimorá-los".

    TRABALHO EM EQUIPE

    Balancear ambos os lados da equação da realidade não é a única tarefa de equilíbrio que um supervisor de efeitos especiais precisa empreender. Na verdade, em um set de filmagens, praticamente todos os chefes de departamentos têm a necessidade de igualar duas fórmulas que, a princípio, parecem ser opostas: a liberdade da criatividade e a obrigação de seguir o roteiro. É claro que Lemmon pôde se debruçar sobre a criação da cascata perfeita - a cachoeira vista na impressionante sequência de abertura não é uma locação real, por incrível que pareça, e sim uma paisagem digital -, mas também teve que respeitar a continuidade.

    Afinal de contas, A Guerra é ambientado em inúmeros tipos de cenários diferentes - inclusive na tundra, um verdadeiro deserto de neve, uma ideia da qual Lemmon não era um fã antes do início da produção -, os artistas VFX (sigla para efeitos especiais em inglês) do longa foram obrigados a adicionar camadas de poeira, sangue seco e flocos de neve às pelagens dos símios. Mas as restrições impostas pelo script são guias importantes para Lemmon:

    "O cinema é uma arte colaborativa. Você tem um plano, que é o roteiro, sobre o qual todos estão trabalhando para tentar narrar. O trabalho de fazer um filme é tão imenso que todos precisam fazer sua parte. Então, nós temos sorte de que nossa parte do processo seja tão criativa. Mas, no fim das contas, a trama é a coisa mais importante. Nós temos que nos assegurar de que nosso trabalho atenda aos objetivos do roteiro. Temos que nos assegurar de que o espectador, quando vir o filme, entenda o universo, se identifique com os personagens e receba as informações e faça as perguntas certas nos momentos certos [...] Nosso trabalho é garantir que os efeitos visuais complementem o resto da história. Ao mesmo tempo em que existem várias oportunidades para tornar nosso trabalho especial e único, nós sempre nos preocupamos em servir a história".

    ANDY SERKIS

    Existem mais elementos digitais do que reais em A Guerra. As montanhas que rodeiam o acampamento militar comandado pelo Coronel totalitarista de Woody Harrelson, por exemplo, foram baseadas em formações rochosas da paisagem do sul da Califórnia, mas não existem no mundo real. De fato, o elemento mais "verdadeiro" do longa de Matt Reeves é o seu elenco, capitaneado uma vez mais pelo celebrado - e quase folclórico - Andy Serkis.

    Especialista em atuar com o traje de captura de movimentos, o britânico criou sua própria linha de interpretação, combinando - assim como Lemmon - o real e o digital. Seu César evoluiu desde Planeta dos Macacos - A Origem e, neste terceiro filme, o macaco protagonista é interpretado por Serkis com base em uma mistura complexa de líder consciente e rebelde vingativo, performance que facilitou (e encantou durante toda trilogia) o trabalho da equipe de efeitos especiais:

    "A oportunidade de ver o trabalho de Andy Serkis também foi incrível. É incrível ver seu desenvolvimento e para onde ele levou este personagem no fim dos três filmes [...] Ele é fantástico. É um ator incrível, muito profissional e uma ótima pessoa. É muito bom trabalhar com ele. Sua habilidade em criar personagens completamente distintos é incrível. Todo papel que ele faz é diferente. Até mesmo um personagem que atravessa vários filmes é diferente em cada longa. É fascinante vê-lo trabalhar. Quando ele coloca o traje de captura de movimentos e o diretor grita 'Ação', ele entra no personagem. É fascinante. É preciso ver para entender".

    A QUESTÃO DO LIVE-ACTION

    Todo desenvolvimento tecnológico acarreta mudanças que podem ser assimiladas ou não. No caso, o cruzamento entre o que está no mundo e o que pode ser gerado por computadores vem acarretando inúmeros questionamentos políticos, sociais e culturais. Mas no âmbito do cinema, mais especificamente, a pergunta resultante é mais precisa: como distinguir entre um filme como Mogli - O Menino Lobo, considerado live-action apesar de todos os seus animais "irreais", e uma animação? Lemmon explica:

    "Muitos filmes live-action não apresentam humanos e existem documentários sobre animais e outros assuntos do gênero. Filmar em live-action basicamente significa que você está fotografando o mundo real. Mas o que está no mundo real é subjetivo e aberto à interpretação do diretor [...] Espero que a linha que separa o live-action do que é fabricado digitalmente não seja uma linha muito clara. Acho que é bom que as pessoas tentem fazer de uma forma ou de outra, que experimentem com o que significa fazer um filme".

    OS ATORES E O FUTURO DA ARTE

    Historicamente falando, a franquia Planeta dos Macacos sempre esteve na vanguarda tecnológica das produções industriais. Em O Planeta dos Macacos, de 1968, as maquiagens criadas por John Chambers trouxeram os macacos à vida em uma época onde a utilização de efeitos especiais para criar seres exóticos era apenas um sonho distante. Portanto, nada mais natural que as entradas mais recentes da saga tenham permanecido na dianteira do movimento de inovação. Contudo, levando em consideração esta formidável capacidade de reproduzir cópias fieis de símios digitalmente, podemos dizer que estamos a um passo de recriar seres humanos em computadores com perfeição cirúrgica.

    Aliás, isto já foi parcialmente feito: em Blade Runner 2049, o supervisor de efeitos especiais Richard Clegg reproduziu - ou melhor, clonou - o rosto de Rachael (Sean Young interpretou a personagem aos 23 anos, em 1982) e o inseriu sobre o corpo da dublê Loren Peta, como se o tempo tivesse sido congelado durante 35 anos entre a sequência e Blade Runner, o Caçador de Andróides. Então, será que os atores serão descartáveis no futuro, uma vez que a criação digital já é tão avançada? Lemmon não acredita nisso:

    "No meu trabalho, utilizo bastante captura de movimentos e há muitas vantagens de se trabalhar com atores no set ao invés de criar as performances digitalmente. Existem muitas formas de se fazer um filme [...] Mas na tradição live-action, você vai ao set, trabalha com o diretor e os atores, monta a cena, algumas coisas são testadas, vê como os atores reagem um ao outro. Acho que você tem respostas mais realistas e naturais nesse tipo de processo. Isso se os seus atores são bons, é claro. E assim você também tem a oportunidade de escalar o seu elenco. Se você conhece um ator que é bom em um tipo de papel, você o coloca para contracenar com outro tipo de ator que é especialista em outro tipo de papel. É como magia. É preciso esperar para ver o que acontece, não dá para prever o que sairá daí. Não vejo vantagem em retirar os atores da equação. Se alguma mudança ocorrer acho que será no campo das oportunidades, onde os atores poderão interpretar papéis criados digitalmente. Personagens que não têm nada a ver com eles, que são fantásticos, macacos ou outros tipos de criaturas que eles não poderiam interpretar mesmo com o auxílio da maquiagem".

    Lemmon, por outro lado, não acredita que a morte seja o fim. Ainda que reconheça que a ressurreição digital de atores - como o polêmico caso envolvendo o falecido Peter Cushing em Rogue One - é uma questão complexa, tanto do ponto de vista moral quanto ético, o artista de efeitos especiais também crê que reviver intérpretes famosos - principalmente na eventualidade de uma morte durante as gravações -, é algo que pode ser realizado, se certas "normas" forem seguidas:

    "Obviamente existem complexidades nessa questão em termos da participação de uma pessoa em um filme que não está lá para decidir sobre sua presença. Acho que é uma questão que precisa ser resolvida entre os cineastas e os herdeiros destes atores, as pessoas que detêm os direitos de imagem dos falecidos. Acho que definitivamente existem casos em que a utilização da imagem é um ato de grande respeito porque permite, por exemplo, que atores que faleceram no meio de uma filmagem possam completar suas obrigações para com o filme. Isso já aconteceu recentemente, e as famílias fizeram parte do processo para honrar o legado dos seus familiares falecidos. Definitivamente existem complexidades nessa questão, mas não acho que só porque uma pessoa não está mais viva que seja razão para impedir a participação deles em um filme".

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