Chega aos cinemas nesta quinta-feira um drama especial na carreira da atriz francesa Fanny Ardant. Em Lola Pater, ela interpreta uma mulher transexual argelina, que reencontra o filho depois de muitos anos, agora com aparência feminina. Lola deseja ser aceita pelo filho que sequer conhecia a transexualidade do pai.
O AdoroCinema conversou com a atriz veterana dos filmes da Nouvelle Vague, como A Mulher do Lado (1981) e De Repente, Num Domingo (1983). Ela explica o interesse particular pela personagem e rebate críticas de que a personagem transexual deveria ser interpretada por uma atriz trans.
O que te atraiu nesta história?
Fanny Ardant: O desenvolvimento da personagem, seu itinerário, as emoções, o desconhecido. E também por ser uma personagem tão diferente de mim, na qual eu pude colocar um pouco da minha personalidade.
Você fez alguma pesquisa específica para interpretar uma transexual?
Fanny Ardant: Não, de modo algum. Nunca fiz parte desta escola americana que diz que, para interpretar uma garçonete, é preciso fazer estágio em um bar. Mas, ao mesmo tempo, Nadir Moknèche, o diretor, conhece muito bem o mundo das transexuais. Ele me mostrou apenas uma foto como referência e eu gostei muito porque a imagem fugia completamente aos clichês que costumamos atribuir às transexuais. Era o retrato de uma mulher doce, loira, que poderia ser uma professora de piano. Não tinha nada agressivamente sexual na imagem dela, e isso me agradou muito.
Pensei então: nunca somos definidos por nosso sexo. Somos definidos por nossa personalidade, nossas emoções, nossos desejos e ilusões. Mas em nenhum caso o sexo define a personalidade. Não sei se percebeu, mas no nosso passaporte estão sempre registradas nossa nacionalidade, nossa profissão e nosso sexo. São as informações que menos nos definem.
Moknèche te deixou totalmente livre para construir a personagem?
Fanny Ardant: Totalmente. Definimos juntos a aparência física da personagem. O fato de eu não ser árabe, argelina, foi algo pelo qual passamos rapidamente. Aceitei esse papel porque eu o amava, porque compreendi que se trata de uma mulher tão livre que pretende escolher também o sexo ao qual pertence.
Além disso, o tema do filme é o reencontro com o filho. Adorei trabalhar com Nadir porque ele é um homem sensível, muito inteligente, culto e que ama seus atores. Ele nos acompanhou de perto. Ele sempre me chamou a atenção para que a minha voz fosse mais grave do que costume. Podemos mudar tudo, mas acho que mudar a voz é a parte mais difícil. Ele sempre me dizia para deixar minha voz mais grave, mais grave...
Mas existiu uma preocupação em representar a cultura árabe no jeito de falar, de se portar...
Fanny Ardant: Sim, sobretudo na forma de rir e de caminhar. Quando ela começa a dançar, dá para ver que apenas as mulheres árabes se movem assim, com todo o quadril se deslocando. Os árabes não dançam como os ocidentais. Eles têm algo de voluptuoso, uma alegria de viver.
Lola é uma personagem complexa, às vezes muito bruta, mas em outros momentos, bastante delicada.
Fanny Ardant: Ela não tem nada de caricatural. Para mim, a riqueza de uma pessoa está em suas contradições. Uma pessoa cheia de ódio pode revelar uma grande compaixão, ser gentil. É a mesma pessoa que possui tudo isso. Lola lidou com dificuldades, ela não escolheu a vida que teve. Então, ela tem algo de masculino, combativo e duro, e também a melancolia de ter sido abandonada por seus pais, por sua família. Ela combina melancolia e senso de humor, alterna cenas em que parece muito segura, com outras mais frágeis.
Neste ponto de sua carreira, são os desafios que te atraem?
Fanny Ardant: Nunca penso em termos de desafio porque um desafio de verdade seria ir até à Lua. Mas busco coisas apaixonantes, impensadas, que eu jamais fiz. São essas as coisas que me interessam. Gosto de encontrar um cineasta que pensa em mim para interpretar um tipo de personagem que eu jamais fiz. Já encarnei tantas vezes a dama burguesa ou a mulher perdidamente apaixonada... De repente, o convite de Nadir Moknèche para este papel foi muito original.
Que reações você teve após o lançamento do filme, principalmente com o público árabe e transexual?
Fanny Ardant: As mulheres árabes pensaram que eu era árabe! Fiquei muito, muito feliz. Na saída da estreia, encontrei uma mulher transexual que chorava. Ela me abraçou. Essa foi a recompensa mais bela. Quando ela me abraçou, foi como se ela tivesse a beleza de uma mulher com a força de um homem. Isso me encantou demais.
Grupos militantes têm exigido maior representatividade para transexuais, especialmente em papéis trans. Isso tem sentido para você?
Fanny Ardant: Para mim, seria interessante ter atores transexuais o suficiente para que eles pudessem interpretar outros personagens além dos transexuais. Devemos pedir que interpretem a gerente de um banco, a diretora de uma escola porque, para mim, pedir que encarnem apenas transexuais seria restritivo demais. Da mesma forma, acho burrice criticar uma heterossexual como eu por interpretar uma transexual. Já fui Medeia, mas nem por isso matei os meus filhos. É isso o que significa interpretar.
Você acredita, então, que Lola Pater pode tornar as pessoas mais sensíveis em relação às diferenças?
Fanny Ardant: Sem dúvida. Somos todos iguais. Sou mãe, mas compreendo muito bem um pai que quer ser amado por seu filho. Tenho uma natureza livre e compreendo muito bem aqueles que lutam pelo que desejam ser. Nós não somos diferentes uns dos outros nos sentimentos essenciais. O amor, a violência, o desejo, a liberdade. Somos iguais nisso.