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    Terra Selvagem: "Refletir o mundo, para o bem e para o mal, é nossa obrigação enquanto artistas" (Entrevista exclusiva)

    Palavras do diretor Taylor Sheridan, premiado no Festival de Cannes.

    Pascal Le Segretain/Getty Images

    Por mais que trabalhe como ator há mais de 20 anos, foi apenas quando migrou para o posto de roteirista que Taylor Sheridan enfim ganhou projeção - especialmente após A Qualquer Custo, pelo qual foi indicado ao Oscar. Agora estreante na função de diretor, que já lhe rendeu um prêmio na mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes, Sheridan conversou com o AdoroCinema sobre as dificuldades enfrentadas ao rodar Terra Selvagem, já em cartaz nos cinemas brasileiros. Confira!

    UMA HISTÓRIA SOBRE OS ESTADOS UNIDOS

    Em Sicario, Taylor Sheridan apresentou o impacto do tráfico de drogas nos Estados Unidos. Em A Qualquer Custo, falou sobre a decadência do Velho Oeste norte-americano a partir das dívidas contraídas junto a grandes bancos. Em Terra Selvagem, o alvo é uma reserva indígena onde acontece um violento assassinato. Nos três casos, o roteirsta e agora diretor abordou facetas dos Estados Unidos. Não foi por acaso.

    "Estudar antropologia e história é meu hobby", afirma Sheridan. "Nós somos um país jovem. Se você pensar sobre o fato de que a parte ocidental do país foi estabelecida há menos de 140 anos, é uma revelação chocante. Então, as consequências da dissimulação, das conquistas e da opressão são muito agudas porque são muito recentes. É óbvio que essas coisas acontecem em outros países, mas a noção de colonização ainda está fresca na memória dos Estados Unidos. E isso contrasta com a ideia de que somos um povo construído sobre a noção de que somos todos livres, de que nossa vida é única e preciosa e que nós temos que ser capazes de determinar nossos destinos. Isso é muito bonito. E, ainda assim, a mesma nação que vive sob este lema oprime grotescamente sua população. Essa hipocrisia é a vergonha de nossa nação."

    FILMES PARA REFLETIR

    Diante de tamanho contraste, Taylor Sheridan se recusa a dizer ao público o que pensar em seus filmes. Seu objetivo, sempre, é incitar a reflexão. "Refletir o mundo, para o bem e para o mal, é nossa obrigação enquanto cineastas e artistas. Não acho que é o meu trabalho dizer o que as pessoas devem pensar. Sempre que gasto tempo e dinheiro para ver uma pregação de ideias no cinema, fico ofendido. O lugar de pregar é na Igreja, não quero que alguém venha me dizer o que pensar por US$ 14. Se for de graça, talvez. Mas não por US$ 14 mais o dinheiro da pipoca e do estacionamento. Não aceito isso! Então, eu apenas faço as perguntas e deixo as respostas para o público."

    DIRETOR & ROTEIRISTA

    "Tudo o que escrevi, escrevi para que eu dirigisse. Mas não dirigi nenhum projeto. Prefiro não dirigir, na verdade", afirma Taylor Sheridan. "Prefiro sentar na minha cabana na floresta, beber vinho, passar um tempo com meu filho e escrever. Aí aperto o botão de enviar, o roteiro viaja, alguém me manda um cheque e isso é ótimo. Assim, eu não preciso nem pisar em Los Angeles. Esse é o objetivo da minha vida: ficar o mais longe possível de Hollywood."

    Diante desta vontade, por que então estrear como diretor justamente com Terra Selvagem? "Tenho muitas amizades na comunidade nativa e não conseguiria encará-los se a visão do meu roteiro fosse alterada. Para o bem e para o mal, decidi que iria dirigir esse filme. Alguém poderia ter dirigido melhor que eu? Com certeza! Mas assim posso olhar meus amigos nos olhos e dizer que contei as histórias deles do jeito que eu disse que contaria. Posso dizer que mantive minha palavra e é isso que importa para mim."

    BASEADO EM FATOS REAIS

    "[Terra Selvagem] é inspirado em diversos acontecimentos. Há 20 anos, eu estava na reserva acampando com alguns amigos e meu irmão. Então uma garota, ela era a capitã do time de basquete, tinha conseguido uma bolsa para ir à faculdade, desapareceu. Era uma grande guerreira. E ela simplesmente desapareceu. Mas, por mais trágico que isso tenha sido, ninguém se surpreendeu porque é algo comum."

    A DIFERENÇA ENTRE TV E CINEMA

    Um dos próximos trabalhos de Taylor Sheridan será na série de TV Yellowstone, estrelada por Kevin Costner, onde também dirigirá alguns episódios. "A beleza da televisão é que você pode utilizar certas coisas que você sacrificaria no cinema. Além disso, hoje em dia todo mundo tem televisões enormes, então posso filmar em outro aspecto", explica o diretor.

    "Vou ficar um pouco nerd agora. Filmei Terra Selvagem na razão de 240 com algumas lentes antigas, que fazem o filme parecer como se tivesse sido feito em película. E não é! Gosto de lentes com defeito. Hoje em dia, por causa dessas televisões de plasma enormes, posso filmar de forma a tornar a experiência de assistir filmes e séries em casa em algo muito cinematográfico. E não sou o primeiro a fazer isso. Já foi feito em Westworld, em House of Cards, Game of Thrones... Foram eles que começaram a brincar com a razão de aspecto e com a forma de apresentação de seus episódios e, de repente, agora você tem uma maneira de criar dramas longos que te permite desenvolver certos aspectos muito específicos. Essa é a beleza da televisão."

    "Prefiro o cinema porque é algo completamente diferente. Gosto de ir ao cinema e de imaginar o próximo capítulo do filme depois que ele acaba. Se você consegue fazer com que o espectador pense nisso, pense no que acontece com o personagem depois que o filme acaba, você fez um bom trabalho. O meu objetivo é acender essa imaginação do público. Na televisão, é diferente. Você não acende a imaginação do público, você a provoca semanalmente dando pequenos pedaços de informação, fazendo com que o espectador espere."

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