O encerramento da mostra competitiva da Première Brasil na edição deste ano do Festival do Rio sintetizou o clima de inconformidade política que marcou a maior parte das sessões de gala do maior evento cinematográfico carioca. Antes da exibição do poético drama Unicórnio, na quinta-feira (12), no Lagoon, Patrícia Pillar lamentou que o tradicional festival não contasse com apoio da Prefeitura do Rio pela primeira vez em 19 anos.
Sem citar nomes (nem precisava), o principal alvo da crítica da atriz foi o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), mas também sobrou para o governador do estado, Luiz Fernando Pezão (PMDB). "Quando não se vê a Prefeitura apoiando um evento desse porte, virando as costas para o carnaval, torcendo o nariz para a parada gay... A gente vê que o Rio de Janeiro está perdendo o protagonismo cultural que sempre teve", afirmou Pillar, produtora e atriz de Unicórnio.
Se nas esferas municipais e estaduais não houve apoio, o Festival do Rio deste ano conseguiu apoio do governo federal e foi realizado através da lei de Incentivo do Ministério da Cultura.
A gestão de Crivella promoveu um ajuste fiscal que cortou verbas para eventos do calendário cultural da cidade, como os desfiles das escolas de samba e as paradas LGBT. A prefeitura alega que os cortes foram realizados para normalizar as contas públicas. Atualmente, o município tem um rombo no orçamento estimado em R$ 4 bilhões. Entretanto, os opositores do prefeito, que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, acusam o político de nortear suas decisões em suas convicções religiosas.
"Estão querendo castrar a nossa alegria. A cidade se entristeceu. Eu acho que a gente [os artistas] tem essa função de tentar trazer de volta essa alegria que faz parte da nossa identidade, do nosso jeito de ser. Eu acho que a cultura tem essa função, apesar da prefeitura e do estado não reconhecerem isso. Eu quero dizer que nós estamos fazendo a nossa parte e assim será", concluiu Pillar, que foi muito aplaudida após sua fala, que inspirou gritos contra Crivella e o presidente Michel Temer (PMDB) vindos do público.
Durante a apresentação de Unicórnio, a equipe responsável pelo filme exibiu folhas com os dizeres "Cinema contra censura", em alusão à posição do prefeito, que proibiu que a mostra Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira chegasse ao Museu de Arte do Rio.
Com direção de Eduardo Nunes (Sudoeste), Unicórnio se passa em um ambiente rural cuja localidade ou temporalidade jamais é especificada na tela. Na vastidão das montanhas, uma meninha chamada Maria (Barbara Luz) vive uma complexa relação de atração e rejeição por sua mãe, interpretada por Pillar. Paralelamente, num manicômio, a jovem conversa com seu pai (Zé Carlos Machado) sobre vida, morte e solidão.