Martin Scorsese se sente "insultado" e "hostilizado" por sites que agregam críticas da imprensa e fornecem índices médios de aprovação ou reprovação de um filme. O cineasta novaiorquino de 74 anos escreveu um longo artigo no site The Hollywood Reporter onde diz que tudo no site é errado, a começar por seu nome, "tomates podres", traduzido do inglês.
No texto, o realizador de clássicos como Taxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros diz que, "como todo mundo", já recebeu críticas boas e críticas ruins. "As críticas negativas não são muito divertidas, obviamente, mas elas fazem parte. Entretanto, eu diria que no passado, quando alguns críticos tinham algum problema com algum dos meus filmes eles diziam isso de uma forma inteligente, com posicionamentos reais e argumentos."
Scorsese lamentou que esse panorama tenha mudado "nos últimos 20 anos", ressaltando que mudanças também ocorreram na forma como os filmes são feitos, vistos e discutidos. Para o diretor, imprensa e público tem uma obsessão pelas bilheterias de um filme que causam impactos negativos na forma como o cinema é percebido pelas pessoas.
"Tudo começou nos anos 80, quando a obsessão pelos números de bilheteria começou a se transformar no que é hoje. Quando eu era jovem, reportagens sobre as bilheterias eram restritas a jornais para a indústria cinematográfica como o The Hollywood Reporter", contou. "Agora eu tenho medo do que isso tenha se tornado tudo o que importa. As bilheterias influenciam tudo em quase todas as discussões sobre cinema. Julgamentos brutais são feitos depois que são divulgados os números de bilheteria das estreias da semana, tranformando isso em um esporte voltado para um público sendento por sangue e parece que isso tem encorajado uma abordagem ainda mais brutal para a crítica."
Para Scorese, empresas como a CinemaScore, que avalia como o público reage aos filmes depois que os espectadores saem das salas de cinema, e o site Rotten Tomatoes "não tem nada a ver com a verdadeira crítica cinematográfica". "Eles dão notas para um filme da mesma maneira como você daria uma nota para um cavalo num hipódromo, para um restaurante ou para um produto para casa. Eles tem tudo a ver com a indústria cinematográfica e nada a ver com a criação ou com a forma inteligente de se assistir a um filme. O cineasta é reduzido a um manufaturador de conteúdo e o público a um consumidor preguiçoso."
O diretor considera que críticos de cinema que conhecem em profundidade a história da arte que admiram é algo cada vez mais raro e que, no lugar deles, surgiram críticos que "julgam por julgar" que parecem "ter prazer em ver diretores e filmes serem rejeitados, demitidos e, em alguns casos, destruídos". O cineasta comparou este processo à cena de violência presente em Mãe!, de Darren Aronofsky.
Scorese, que atualmente filma The Irishman para a Netflix e lançou o drama relgioso de época Silêncio em 2016, defendeu Mãe! da nota baixa (F, a pior de todas) que o filme recebeu pelo CinemaScore. O diretor conta que foi a reação negativa ao filme estrelado por Jennifer Lawrence que o fez querer falar sobre o assunto. Depois de rasgar elogios ao longa-metragem repleto de alegorias, o realizador disse que "apenas um cineasta verdadeiro e apaixonado pelo que faz" poderia ter feito um filme do tipo, alegando que ele ainda experimenta as sensações suscitadas na sessão do filme, que assistiu há algumas semanas.
"Bons filmes feitos por cineastas de verdade não são feitos para serem decodificados, consumidos ou imediatamente compreendidos. Não são feitos para serem instantaneamente assassinados. Eles apenas são feitos porque a pessoa por trás da câmera tinha de fazê-los. Qualquer pessoa familiar com a história do cinema sabe bem que existe uma longa lista de filmes — O Mágico de Oz, A Felicidade Não Se Compra, Um Corpo Que Cai e À Queima Roupa, são alguns — que foram rejeitados de primeira e se tornaram clássicos. Números do Rotten Tomatoes e do CinemaScore em breve vão passar. Talvez se tranformem em algo ainda pior", diz Scorsese perto da conclusão. "Ou talvez eles deixarão de existir diante da luz de um novo espírito de alfabetização cinematográfica. Talvez filmes feitos de forma apaixonada como Mãe! continuem a crescer em nossas mentes."