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    Festival de Brasília 2017: Cauã Reymond fala sobre últimos trabalhos e busca pelo cinema de arte (Entrevista Exclusiva)

    Ator lançou Não Devore Meu Coração no festival.

    Junior Aragão

    Conhecido do grande público pelo trabalho nas novelas da Globo, Cauã Reymond segue uma trajetória bem diferente na tela grande. Em 15 anos de carreira, ele vem optando por trabalhar com diretores autorais e projetos de baixo orçamento. E tem gostado!

    Se último trabalho, Não Devore Meu Coração, foi filme de abertura do Festival de Brasília após passar por Sundance e Berlim. O AdoroCinema conversou com exclusividade com o ator sobre o novo projeto e suas escolhas.

    Então, para começar, eu queria que você falasse um pouco sobre como você entrou nesse projeto, como surgiu para você.

    Ah, o Felipe Bragança me convidou há uns nove anos, poderia dizer, e na época tinha outros projetos e eu conhecia o trabalho dele mais como roteirista do que cineasta. Eu assisti a A Fuga da Mulher Gorila (2009), depois A Alegria (2010) – um foi para Roterdã e o outro tinha ido para Quinzena dos Realizadores em Cannes. E eu sou muito interessado pelo cinema de arte, gosto muito, e topei na hora. Ele me proporcionou um personagem diferente do que eu vinha fazendo, passou por todo aquele projeto de captação e um dia o dinheiro saiu e ele me ligou: “Vamos!”. Eu estava exausto, tinha acabado de filmar uma novela, tinha me separado, queria ficar com a minha filha. Mas a gente conversou e lá fui eu pro Mato Grosso.

    E o que te interessou nessa história e no Fernando, seu personagem?

    Olha, primeiro, me interessou ir para esse lugar tão distante da minha realidade. Segundo, me interessou a possibilidade de trabalhar com um cineasta jovem, talentoso, pai de escritor. Eu e o Felipe, depois do nosso meio encontro que ele me convidou para fazer o filme, logo em seguida eu comprei os direitos do Rodrigo de Sousa Leão e a gente o convidou para escrever o roteiro. E depois que ele escreveu o roteiro, a gente o convidou para dirigir, então nós temos um outro projeto na fila para fazer. Então, eu pude conhecer também melhor o Felipe além daquela conversa inicial de um diretor convidando um ator.

    Me perguntaram qual é a diferença de trabalhar com um cineasta maduro e um cineasta jovem. Eu acho que o cineasta jovem tem um sonho. Não que o cineasta maduro não tenha um sonho, mas ele tem um sonho, uma ambição, ele tem um entusiasmo e conquista que transborda, e é bom acreditar no sonho, porque você entra naquele mesmo batimento cardíaco, naquela mesma vibração. Então eu acho que além da história e do personagem, tem a possibilidade de 'vamos lá, vamos fazer uma coisa nova, vamos fazer uma coisa diferente. A gente está sem dinheiro, mas a gente ama o que faz e vamos lá! Bora?'.

    O filme tem um elemento musical e sonoro bem interessante, inclusive envolvendo o seu personagem. Como é que foi isso para você? Eu imagino que isso não esteja no roteiro, então como foi descobrir isso?

    Eu descobri já na montagem. Ele me mostrou dois cortes. A sensação que eu tive é que enriqueceu. Em nenhum momento me incomodou, pelo contrário, eu acho que eu sou um produtor que venho caminhando aí muito humilde no meu crescimento, mas ao longo dessa curta caminhada, eu fui cada vez mais entendendo os departamentos dessa grande engrenagem que é o cinema e uma das coisas que eu mais valorizo é a questão da sonoplastia, do som direto, da trilha sonora, porque isso muda uma cena por completo.

    Uma coisa legal que eu gosto no filme são as relações entre pais e filhos. O Fernando tem dinâmicas diferentes com os pais e problemas pessoais com os pais, mas ele também é de certa forma meio que um pai postiço. Como é que foi desenvolver esses elementos?

    Foi interessante, porque, primeiro, eu tinha que construir com o menino uma cumplicidade de irmãos. Eu acho que esse lugar de eu ser um ator que ele já conhecia já me colocou em um lugar um pouco de ele estar olhando para esse cara um pouco mais experiente. Eu acho que o grande desafio foi como é que quebra essa cumplicidade que a gente construiu ao longo do filme, porque esse herói não é bem um herói, é um cara que mata índios, que participa de um genocídio. Isso veio também através dos ensaios. Eu acho que quando eu fui pegando o sotaque e a dialética daquele lugar me ajudou também a ficar ali mais homogêneo no que está acontecendo.

    É interessante também você falar dessa questão do “não-herói”, porque a gente conversou com o Felipe em Berlim e ele apontou que os codinomes como Clark Kent, Bruce Wayne eram uma forma dos personagens se projetarem no que eles gostariam de ser. Como que você vê essa questão de querer se portar como herói e ao mesmo tempo não ter essa conduta?

    Mas ele acha em um certo momento que ele é um pouco. Eu acho que o Telecath, o Marco Lóris - que eu acho que faz um trabalho fantástico -, que faz aqueles caras todos daquela gangue do Calendário se sentirem um pouco heróis naquele ambiente de fronteira e de rivalidade com os paraguaios. Eu acho que de certa forma ele preenche esse lugar dentro do universo do cara que anda de moto, selvagem, ele preenche esse lugar que é uma coisa real para o irmão. O problema é que o irmão não sabe a parte B da história, e o meu personagem tem muita vergonha disso. Não acho que ele tenha muito orgulho do que ele faz. Ele é muito manipulado pelo pai. Essa necessidade de afeto e de se firmar como masculino. É difícil em um ambiente muito machista você não preencher o lugar de macho. Por isso um final tão trágico.

    Você tem uma cena muito impactante contracenando com a Cláudia [Assunção], que interpreta sua mãe. E também contracena com o Ney Matogrosso. Então, como é que foi esse trabalho com eles, que eram, de certa forma os mais experientes do elenco?

    Ah, com a Cláudia foi fantástico! A gente já tinha trabalhado ali e a gente chegava no set meio que preparado, sabe. Ninguém chegava no set morno, então a cena já estava quente ali no ensaio. É uma atriz fenomenal. Eu já tinha trabalhado com ela em Avenida Brasil (2012) e foi muito rico trabalhar com ela em outro diapasão, em outra relação. E com o Ney foi interessante. Ele faz o capataz do meu pai, que é o Leopoldo Pacheco, e foi uma figura muito carinhosa. Foi muito bacana estar próximo do Ney, muito querido como pessoa e lindão no set. Ele faz uma coisa pequena, muito delicada, mas eu gosto muito do trabalho dele.

    É interessante porque você já tem uma carreira já consolidada, já longa, mas você é um ator jovem. E aqui você está como uma figura, talvez, a mais experiente do elenco. Tem a Cláudia e tudo mais, mas não em uma posição central. Você contracena mais com os ”não-atores”. Como foi esse trabalho com eles?

    Foi muito rico, porque pela primeira vez eu me vi na posição de que eu tinha que construir essa dramaturgia para eles. Mas aí eu fui descobrindo que eles já tinham construído a dramaturgia na cabeça deles. Então, eu curti muito esse processo difícil. Curti muito também porque eles tinham um preconceito sobre quem eu era. E além de desmistificar quem eu era, eu tinha que construir um personagem para esses caras. Então, foi muito bom. Eu senti que eu saí de lá um ator melhor.

    Você falou que gosta de cinema de arte, e eu acho que isso fica claro nas suas escolhas: você trabalhou com Carlão, com Heitor Dhalia, com Belmonte, agora com Cláudio Assis, com o Felipe. Como que são essas escolhas? O que te interessa? Você vai no diretor, você vai roteiro? Como é que é?

    Eu vou no diretor e no elenco, inicialmente, e atualmente no personagem. No começo da carreira, eu ia mais no diretor e no elenco, e, se tivesse um personagem que, mesmo que pequeno, eu achasse que fosse bacana, eu ia trabalhar. Hoje em dia eu continuo indo no diretor e no elenco, mas eu busco personagens ricos. Eu acho que estou entrando na maturidade e quero personagens que continuem a me desafiar.

    Você está trabalhando com Cláudio Assis. Você pode falar um pouquinho sobre esse projeto, sobre Piedade?

    Eu tinha muita vontade de trabalhar com o Cláudio Assis já há muitos anos. Ele tinha me sondado para um projeto anos atrás e eu não pude fazer porque eu já estava com a agenda tomada e eu fiquei muito triste. Passaram os anos, eu sempre que cruzava com ele falava que queria trabalhar com ele, e quando ele me convidou foi no final do ano passado: eu estava em Portugal conhecendo as locações do filme sobre Dom Pedro I, que é um projeto que eu estou produzindo com a Laís Bodanzky, e ele me ligou. Tocou o telefone, eu atendi -  não sabia quem era - e eu falei: “Alô”. Ele falou: “Cauã?”. Eu falei: “É”. “Aqui é Cláudio, Cláudio Assis”. Aí eu falei: “E aí, Cláudio!”. Ele: “Olhe, meu irmão, vou te perguntar uma coisa: você quer filmar comigo?”. Eu falei: “Pô, você sabe que eu quero!”. “Não, eu quero saber se você quer mesmo, porque eu não vou te dar nem o roteiro para você ler, porra!”. Aí eu falei: “Quero, porra!”. “Quer mesmo?”. Eu falei: “Quero!”. “Então tá bom! Você vai filmar comigo. Assim que o roteiro estiver pronto eu te mando. Espere notícias”. Foi assim.

    E o elenco é incrível.

    É, mas eu nem sabia quem era o elenco. Eu queria filmar com ele. Aí quando eu vi: Irandhir Santos, Fernanda Montenegro, Matheus Nachtergaele. Todos são reencontros, né. Eu já tinha trabalhado com o Matheus, mas em situações muito diferentes. Foi muito maneiro, cara, foi muito bom.

    Eu falei tem um tempinho já com o Rodrigo Teixeira. Ele passou que os planos eram fazer o segundo Alemão talvez no ano que vem já. Você tem alguma ideia de como está esse projeto?

    Acabou de chegar um tratamento do Alemão 2 e eu ainda não consegui ler. Chegou agora, tem tipo um dia. Mas é um filme muito interessante. Alemão (2013) foi super bem, a gente tem um público maravilhoso. Quando o filme se destrinchou em uma série também foi um êxito muito grande na televisão.

    É muito curioso que o seu personagem tenha sido o que sobreviveu no meio daquilo tudo. O bandido normalmente não é quem sobrevive.

    Mas eu me safei! Mas no Brasil os bandidos se safam, né, cara.

    Continuando aí nesses projetos, você tem muita coisa vindo aí.

    Eu vou filmar agora o Ilha de Ferro, com o Afonso Poyart, uma minissérie de 12 capítulos, e estou conversando com o Aly Muritiba para o Barbie Ensopada de Sangue, um livro do Daniel Galera. E mais dois outros projetos que eu estou em negociação. Eu acho que os cineastas não vão se sentir confortáveis se eu falar, até porque ainda não tem nada certo, mas o ano que vem já está tomado.

    Você tem o Pedro também, sobre Dom Pedro I. Como é a responsabilidade de assumir esse personagem? Que pegada a gente pode esperar desse filme?

    Eu acho que vocês podem esperar uma pegada dentro do olhar português. Um dos desejos é trazer esse olhar do que o povo português – que lá ele era Dom Pedro IV – sobre o cara que era epiléptico, do cara que é visto no Brasil de uma forma muito caricata de só como garanhão - ele era, só que ele foi perdendo essa virilidade -, desse cara que admirava Napoleão, que buscou em Napoleão essa figura masculina e desse general que o pai não foi. É também você enxergar que D. João VI não era um “banana”. Pelo contrário, ele era um cara muito inteligente na forma como ele conduziu as coisas. Eu acho que é fugir desse lugar no qual ele já foi retratado - e com êxito, em O Quinto dos Infernos (2002) e agora nessa novela, Novo Mundo (2016), pelo Tarcísio Meira, um super êxito -, mas a gente está querendo buscar um novo olhar. E a ideia vem inclusive do Mario Canivello, que é meu sócio no Sereno Filmes, de buscar um olhar feminino. Quando ele falou: “Por que não busca um olhar feminino para um filme a princípio de um personagem tão masculino assim?”. Aí eu falei: “Se for para chamar alguém, tem que chamar a Laís Bodanzky”. Ele falou: “Adoro a Laís”. Eu falei: “Eu também adoro”. Passei o telefone, liguei para a Laís na hora, ela ficou interessada, a gente sentou e conversou.

    Você também tem A Dupla, com a Tatá Werneck.

    Já está filmado. Foi um grande desafio voltar a fazer comédia depois de nove anos. Mas eu acho a Tatá muito especial, acho ela muito talentosa, e foi um desafio nos juntarmos como artistas para contar uma história. Minhas escolhas são sempre mais filmes de arte. Eu tinha feito o Divã, que foi super bem, deu 2 milhões de espectadores, e A Dupla que eu espero que vá super bem, mas eu sou apaixonado mesmo é pelo filme de arte.

    É curioso porque a Tatá é muito rápida no humor, no improviso. Como foi isso para você? Você gosta também de improvisar?

    Eu gosto também, dentro do meu universo, né. Esse universo do humor foi um grande desafio. Eu fiquei muito apavorado em alguns momentos, essa é a palavra certa. Mas a gente tinha um roteiro, né, então quando você tem uma história para contar, você tem um personagem, e eu encontrei o meu personagem ali, foi inclusive numa conversa minha com a Bianca Villar, uma das sócias da Biônica, e foi uma ideia nossa, foi um argumento que nasceu dali.

    Você falou um pouco sobre sua nova trajetória como produtor, que ainda está caminhando. Como tem sido esse processo para você nessa nova função?

    Ao longo dessa trajetória eu fui percebendo como funciona cada vez mais a engrenagem, fui parando de olhar para o meu umbigo e pensando e entendendo melhor a função de cada um dentro e fora do set. O Pedro é o primeiro projeto que nós somos produtores - eu e o Mario -, nos outros a gente ou é produtor associado ou co-produtor.

    Eu vejo também que ao longo dessas experiências eu fui entendo melhor as coisas e podendo me sentir com a liberdade de dar um pitaco, de falar alguma coisa ou sugerir algo, e fui percebendo que em alguns momentos eu tinha alguma coisa boa para falar. Eu não tinha a vaidade de a minha opinião ser a última, a definitiva, mas eu fico feliz de poder agregar ao projeto, falar o que eu acho e ser participativo. Eu adoro falar de elenco, de sugerir as pessoas com as quais eu vou trabalhar. Quando eu não sou produtor ou co-produtor, hoje em dia eu fico até mais caladinho, assim, eu dou uma segurada, porque se não eu me pego já dando muita opinião. Não é bom.

    Avançando nessas outras funções, você trabalhando com tantos nomes autorais e diferentes, você pensa depois, talvez, em dirigir ou fazer mais alguma coisa?

    Eu penso, mas eu acho que para contar uma história você tem que ser muito apaixonada por ela. É que nem aquele livro Cartas a um Jovem Poeta, do Rainer Maria Rilke, que você não tem como passar pela vida sem contar aquela história. Então, eu entendo o processo – eu adoro fotografia, adoro câmera -, mas isso não quer dizer que eu tenha a história certa para contar. Por enquanto, eu vou me apaixonando pelas histórias dos outros.

    O AdoroCinema viajou a convite da organização do evento.

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