Fosse a plateia do Silvio Santos, o grito de guerra seria “É as mulheres, ôba!” O feminismo (o mais correto dizer seria a “tomada de consciência das mulheres”) pautou grande parte do debate em torno de Como Nossos Pais, segundo filme a entrar para a competitiva nacional de longas-metragens no 45º Festival de Gramado, ovacionado pelos espectadores na noite de sábado, 20, quando o filme teve sua primeira exibição pública.
Na obra, a diretora Laís Bodanzky transforma o material digno de filme-tese num improvável feel good movie sobre sucessivas catástrofes na vida de Rosa (Maria Ribeiro), mulher que briga com o marido pouco participativo, perde o emprego do qual sequer gostava, enfrenta a crise pré-adolescente da filha e ainda tem que lidar com um segredo bombástico lançado pela mãe. (Confira a crítica completa aqui).
A despeito do caráter de “identificação” e dessa tal “tomada de consciência” que o filme suscita, Laís explicou no festival gaúcho: “Eu estou ali [representada], a Maria [Ribeiro] está ali…”, no que foi interrompida pela atriz protagonista: “Eu não! Várias amigas minhas é que estão!”, provocou risos. Simples, o episódio é carregado de significados.
O primeiro deles dá conta de exemplificar essa nova posição que a mulher vem ganhando na sociedade - e o consequente rearranjo das unidades familiares. “A gente teve uma preocupação com o roteiro de não fazer um discurso das mulheres contra os homens”, explica Laís, que contextualiza o momento a partir de um exemplo aprendido em uma palestra da psicanalista Maria Rita Kehl.
“Durante toda história da humanidade até agora, homens e mulheres dividiam um cobertor curto, que sempre ficou mais para o lado do homem. E o que está acontecendo hoje é que a mulher puxou esse cobertor”. “Aquele que puxa é aquele que está com frio”.
Não se trata de um cabo de guerra, ela deixa claro: “Tem que ficar gostoso pra todo mundo”. E concluiu: “Está muito bom ser mulher hoje. Mais do que na semana passada”. Para a cineasta, o melhor exemplo dessa conscientização a respeito do real poder de mudança está na frase “mexeu com uma, mexeu com todas”. “É uma mulher olhando e sendo solidária a outra mulher”.
Do outro lado (ou não) desse arranjo, o ator Paulo Vilhena, que interpreta o marido de Rosa no filme, foi aplaudido quando afirmou: “em relação ao movimento das mulheres, dos homossexuais, é o momento dos homens ficarem quietinhos”.
O segundo dado da cena presenciada no debate com a imprensa e o público envolve o modo de produção de Bodanzky e a personalidade de Ribeiro. “Eu normalmente escolho um ator que vai emprestar alguma coisa dele pra aquela personagem, não que ele seja a personagem. A Maria, além dela ser uma grande atriz, é uma mulher de muita opinião”, explicou a cineasta.
Como Nossos Pais tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 31 de agosto.
A segunda noite de Gramado contou ainda com a exibição do documentário uruguaio Mirando ao Cielo, e uma divertida homenagem no estilo "Arquivo Confidencial" ao animador gaúcho Otto Guerra (Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock'n'Roll, Até Que A Sbornia Nos Separe), que conclamou o Brasil a “se unir” nesse momento de racha político-ideológico.