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    Lino - Uma Aventura de Sete Vidas: Diretor Rafael Ribas explica como fazer uma animação brasileira comparável às americanas (Exclusivo)

    "Só brasileiros poderiam fazer um filme desse nível, com essa verba".

    Dia 7 de setembro, estreia nos cinemas uma animação ambiciosa: Lino - Uma Aventura de Sete Vidas, dirigida por Rafael Ribas, com Selton Mello no papel principal.

    Ele interpreta um infeliz animador de festas infantis vestido de gato, até uma magia prender o jovem ao seu figurino. Para complicar a situação, um homem cometeu um crime pela cidade usando a mesma roupa de gato, o que transforma Lino em alvo da polícia. Enquanto planeja sua fuga, ele tenta voltar ao corpo humano.

    O AdoroCinema teve a oportunidade de visitar o estúdio de animação StartAnima, em São Paulo, e conversar com Rafael Ribas. Ele apresentou trechos muito impressionantes da animação e comentou a situação atual do gênero no cinema brasileiro. Como competir com produções do nível da Pixar e Dreamworks?

    Resposta no bate-papo abaixo:

    Como surgiu a história de um homem preso a uma fantasia?

    Rafael Ribas: Eu estava buscando um filme que fosse original e abrangente, não apenas para criancinhas. Na ideia inicial, Lino era uma pessoa comum, que gostava muito de uma história em quadrinhos ou de um super-herói, e acaba virando um personagem desse desenho. Mas eu não estava conseguindo dar muita liga para isso.

    Lembrei de uma coisa interessante: tenho um amigo que fazia bicos vestido de Pantera Cor-de-Rosa quando adolescente para ganhar um dinheirinho. Ele me disse: “Você não acredita o quanto eu apanhei de crianças, que puxaram meu rabo, me chutaram”. Pensei em aproveitar essa história. Foi um movimento reverso, porque geralmente as pessoas criam o personagem e depois fazem todas as coisas. No meu caso, eu criei a fantasia para depois determinar que animal seria essa fantasia e em seguida desenvolver o personagem principal.

    Muitas animações têm animais antropomórficos, mas o Lino não é nem um gato, nem exatamente um humano a partir de certo ponto da história. Isso parece ser um dos pontos mais originais da premissa.

    Rafael Ribas: Exato. Isso que é engraçado, porque ele não se transformou em uma espécie de gato ou gatinho que não fala. Ele é a fantasia. Tudo bem, o filme é fantasia, mas é engraçado que em parte da história ele se vista com essa fantasia e o vilão da história, que fazia bullying com ele quando criança, rouba a fantasia do Lino e comete vários crimes pela cidade antes da transformação. No dia seguinte o Lino tem que provar que não é o maníaco da fantasia. Na história, as pessoas ainda pensam que ele está fantasiado, e falam: “Nossa, que fantasia real!”. Ele tem que buscar a solução para tudo isso. A aventura parte daí.

    O público brasileiro está acostumado às animações caras, de altíssimo nível, da Pixar e DreamWorks. Quais são os desafios para lançar uma animação brasileira no mercado?

    Rafael Ribas: Primeiro, a gente fez um filme com uma verba que não é compatível com o que vocês vão ver. A maior vitória é nossa, porque quem assiste ao Lino não tem ideia de que a gente não teve nem a metade da verba desses outros filmes, e o resultado ainda é muito bom. Quem sentar no cinema vai ter a mesma experiência de um filme de muitos milhões de dólares.

    O trabalho com o Lino foi tão incrível que nem a nossa equipe esperava chegar nesse ponto, porque visualmente ele não deve muito para os filmes americanos. Quem é da parte técnica pode identificar uma ou outra coisa, mas o público em geral vai ter a mesma experiência, até porque eles pagam a mesma coisa para ver o seu filme e ver um filme de US$ 300 milhões. Então eles têm que receber algo de qualidade. A história foi pensada para não evidenciar o que não teríamos capacidade de fazer.

    Para montar a equipe, você buscou profissionais especializadas ou formou técnicos ao longo do processo?

    Rafael Ribas: Um pouco das duas coisas. Como não existe uma produção como a do Lino no Brasil - antes não teve outro filme nessa categoria, estereoscópico, com óculos 3D e tudo o mais -, não existia gente especializada em animar para cinema. Essa foi uma dificuldade, porque as primeiras pessoas contratadas eram diretores de animação com experiências em filmes americanos, mas trabalhando remotamente. Meu diretor de animação já trabalhou para a Blue Sky e outros estúdios.

    Mas é melhor do que contratar alguém que só fez publicidade, porque 90% do mercado consiste em animar publicidade. Não que seja ruim, mas a publicidade não dá margem para fazer uma cena complexa, com tempo grande. Um comercial de TV tem 30 segundos e geralmente as cenas têm dois ou três segundos, enquanto em um filme você chega a ter planos-sequência de 30 segundos. Ninguém no mercado tinha pego uma cena de 30 segundos para fazer, então foi preciso formar algumas pessoas.

    Por isso eu não comecei a fazer o filme na ordem cronológica. Fui identificando pontualmente o que era mais fácil para os animadores começarem e eu não ter um prejuízo no personagem principal caso alguma animação não ficasse boa. No quarto ou quinto mês, entrou o primeiro Lino para animar. O resto foram figurantes, como os policiais e coadjuvantes, para depois entrar o personagem principal e seguir até o fim. Nesse momento o pessoal estava acostumado à qualidade que eu queria imprimir.

    Existe a preocupação de criar uma identidade tipicamente brasileira? Existem referências ao Brasil na história e nos cenários?

    Rafael Ribas: As pessoas costumam fazer essa crítica: “Tinha que ser bem brasileiro”. Mas o filme precisa ter um caminho pelo mundo, não posso ficar com uma coisa tão restrita. Os policiais, por exemplo, parecem americanos porque estão vestidos de azul e branco. Se eu tivesse feito o policial brasileiro, teria problemas porque o policial de São Paulo é de uma cor, o do Rio de Janeiro é de outra, então tentamos entrar no imaginário das pessoas.

    A gente foi formado assistindo a filmes americanos, assistindo à Sessão da Tarde, vendo o policial todo vestido de azul. É importante, não só pelo dinheiro, mas pelo bem da animação brasileira que esse filme tenha um caminho no exterior. É preciso ter uma linguagem universal. Lino não é tão localizado no Brasil, ele não está na Amazônia, nem em São Paulo. Mas tem um pouco de Brasil ali, que você vê que tem todas as raças: tem índio, tem japonês, tem o olho azul, tem o branquinho de olho verde, tem o pardo, tem o negro. Tem vários personagens negros, inclusive a menininha negra.

    A brasilidade do projeto é que só o brasileiro poderia fazer um filme desse nível com pouca verba porque brasileiro realmente vai se desdobrar e dar o sangue para realizar esse filme.

    Pensando nas vozes, você escolheu para o papel principal o Selton Mello, conhecido pela experiência com animação, mas também pela voz fácil de ser reconhecida. Como veio essa escolha?

    Rafael Ribas: Não foi questão de pensar se a voz do Selton combinava com o personagem. Foi o peso de ter um ator com essa experiência de dublagem, um nome que faz lembrar de cinema. Isso para a gente é muito importante. Depois a gente se acostumou, a voz dele é muito boa. As pessoas às vezes pensam que a gente pega um ator famoso só para ajudar na divulgação do filme. Não é. Vai ajudar, com certeza, mas é pelo fato de ter uma atuação boa, porque toda a personalidade vai ser formada em cima do que o ator vai te entregar.

    Eu assisti à Nova Onda do Imperador no ano 2000, e o Selton interpretava uma lhama. Nessa época, eu falei: “Se um dia eu fizer alguma coisa, quero chamar o Selton Mello”. Achei a versão que ele fez melhor que a original. Ele é muito bom. Fiquei com isso na cabeça e quando surgiu a oportunidade, liguei para ele, contei a história e ele falou: “Conheço o trabalho de vocês. Deixa que eu faço”. 

    Você mencionou a expectativa internacional do Lino. Qual vai ser o seu envolvimento com o Lino no exterior? Vai coordenar as dublagens, controlar a escolha de vozes lá fora?

    Rafael Ribas: Acho que não vou ter esse controle. O cenário ideal seria a Fox lançar o filme lá fora simultaneamente com o Brasil. Talvez no próximo filme, se o Lino der certo, a gente consiga falar: “Vamos lançar o filme simultaneamente no mundo?”. Ali eu tenho certeza de que daria certo, mas como a Fox deu na mão de um agente de vendas, ele vai vender isso em mercados.

    Acredito que eu não tenha esse controle porque cada mercado é responsável pela nacionalização do filme. Então a pessoa que comprar na China provavelmente vai mandar para um estúdio, vai ter que escolher os atores, que eu talvez nem conheça, ou então eu vou receber uma cópia para poder aprovar. Hoje em dia eles pegam um timbre de voz parecido, então não tem problema. Mas acho que não vou ter esse controle.

    Qual é a importância para o mercado brasileiro atual de lançar uma produção brasileira do porte do Lino?

    Rafael Ribas: O que eu espero com o Lino é que essa parte do cinema também cresça. O cinema ainda tem um pouquinho de preconceito com animação nacional pelo fato de a gente não ter recursos. Os filmes acabam não tendo o peso dos internacionais, que chegam com tudo, com US$ 400 milhões. Realmente não dá para competir.

    Se o Lino for bem, e eu espero que vá, acho que vão se abrir portas não propriamente para o mercado, porque os profissionais já estão bem evoluídos, mas para o público acreditar mais na animação brasileira. Eu queria que as pessoas falassem: “Que legal! A animação brasileira é boa e vamos assistir ao próximo filme que vier depois do Lino, porque provavelmente vai ser um filme legal”. Espero que isso aconteça.

    É uma vantagem assistir a uma animação criada em cima das vozes originais. Algumas pessoas sugerem que não tem diferença ver uma animação dublada ou com vozes originais...

    Rafael Ribas: Algo que todo mundo vai reparar pela primeira vez é a sincronia da animação com as vozes. Você percebe que o desenho foi feito exatamente com a fala do personagem. Tem a Dira Paes, que fez a policial, com uma personagem de boca pequena, bem feminina, então fica certinho, porque o Lino tem um bocão.

    É legal saber que as pessoas têm esse respeito, até pelos atores, pelo trabalho que a gente fez. Espero que dê certo porque o que a gente mais quer é produzir. Produzir e não parar, para não formar gente e depois perder os profissionais que vão para outro lugar, para o Canadá ou os Estados Unidos, e a gente tem que começar uma nova equipe. Com o Lino dando certo, começa um processo mais evoluído. Você entrega um filme já pensando em outro, assim a equipe não vai embora, só descansa um pouquinho e volta.

    Vai começar a ter mais de investimento, o que vai gerar mais público.

    Rafael Ribas: Exato. É uma máquina. Você tem que fazer um filme bom para a distribuidora lançar bem, o exibidor expor bem para o público assistir e gerar dinheiro, não só para mim, mas para todo o processo: para o dono de cinema, para a distribuidora e para o patrocinador que não quis entrar, mas que pode entrar no próximo. Ele vai olhar e falar: “Caramba, foi bem o filme. A minha marca vai ser exposta e no próximo eu quero entrar”. A gente não conseguiu patrocínio, então é uma coisa que pode fazer tudo girar. Aí sim não vamos parar de formar animadores.

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