Nesta quinta-feira, 24 de agosto, chega aos cinemas uma história de vida pouco conhecida pelo público: Bingo - O Rei das Manhãs, história baseada na vida de Arlindo Barreto, o primeiro intérprete do palhaço Bozo no Brasil. Vladimir Brichta encarna o símbolo infantil que se tornou líder de audiência, embora a fama o tenha levado à vida de excessos digna de um rockstar.
O AdoroCinema conversou com Dan Klabin, um dos produtores desta história, ao lado de Caio Gullane e Fabiano Gullane. Foi Klabin quem lançou a ideia de levar a trajetória de Arlindo aos cinemas, e reuniu a equipe necessária para o filme. Ele explica as motivações para consagrar dez anos ao amadurecimento deste projeto. Para o produtor, o homem por trás da maquiagem é nada menos que um super-herói:
Heróis brasileiros
Dan Klabin: "Comecei a procurar personagens brasileiros com histórias interessantes para contar no cinema. Fiz uma entrevista sobre os heróis do cinema brasileiro, na época pré-Tropa de Elite 2. As maiores bilheterias nacionais eram Dona Flor e Seus Dois Maridos, o Jeca Tatu do Mazzaroppi e O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão. O que eles tinham em comum era a malandragem, o jeitinho. Então fui pesquisando e encontrei esse palhaço doidão, dos anos 1980.
Eu cresci vendo estes símbolos na televisão, mas sem saber quem ele era. Na adolescência surgiu o mito do palhaço doidão que fazia filme pornô. Era algo que mexia com a imaginação. Li uma entrevista com o Arlindo Barreto e descobri que a história dele tinha sido muito mal contada, manipulada para ele parecer um sujeito que só fez coisas erradas. Para mim, não era isso: eu vi um super-herói brasileiro que nadou contra a corrente para conquistar o sucesso. Isso subiu à cabeça e gerou problemas, mas hoje ele é feliz, um homem de família que eu passei a admirar muito".
Convencendo o palhaço
Dan Klabin: "Ele não acreditou em mim no começo, disse que um psiquiatra também falou que a vida dele daria um filme. Quando eu liguei, tinha certeza de que alguém já estaria fazendo esse projeto. Mas não tinha ninguém: ele estava sozinho, precisando de atenção. Fui até a igreja em que ele é pastor, na Baixada Fluminense. Ele nunca tinha me visto pessoalmente, e ele começou a puxar jovens. Ele me pegou pela mão e me disse: 'Vem renovar os seus votos com Jesus!'. Então eu falei que estava lá para falar sobre o filme.
Expliquei que não tinha a menor intenção de fazer uma pornochanchada da vida dele. Eu estava buscando um Super-Homem brasileiro, e ele era essa pessoa. Ele era um palhaço super famoso, mas que ninguém conhecia, e com muito poder. Na vida civil, ele era um desconhecido, um Clark Kent. O Arlindo é a realeza da nossa cultura pop, por ser o filho da Márcia de Windsor. Uma geração acima da nossa lembrava dela como celebridade, símbolo de elegância. O Arlindo cresceu aparecendo nas revistas".
Selecionando partes da história real
Dan Klabin: "O Arlindo gosta muito de falar do passado dele, ele vive disso atualmente. O Luiz Bolognesi [roteirista] tinha 12 horas de entrevista para montar o roteiro, e teve que jogar fora muitas histórias de vida maravilhosas. Quando fechamos o acordo, ele disse que a gente poderia usar tudo que ele falasse. A única preocupação era não zombar da imagem dele como pastor.
Todas as mudanças foram relacionadas ao respeito, mas pensando na liberdade de expressão: ou alteramos elementos para não ferir ninguém envolvido, ou cortamos coisas para caber na história. Na época dele, por exemplo, tinha uma rivalidade com o palhaço Luís Ricardo. Isso daria um filme por si só, mas preferimos excluir. A questão da cocaína foi delicada: o Arlindo nunca falava explicitamente que usava cocaína, mas ele dizia que depois de "noites intensas", o nariz dele sangrava... Foram escolhas artísticas do Daniel Rezende [diretor] mostrar por questão de praticidade e eficiência de produção".
Moral, costumes e religião evangélica
Dan Klabin: "A gente nunca quis fazer um filme religioso. Eu gosto da parte da religião, sei que outros na equipe achavam menos interessante. Nunca quisemos que o projeto tivesse uma identidade religiosa, mas é inegável que a religião salvou a vida desse homem. A gente pode dizer o que quiser, mas sem a religião, ele estaria morto. Ele precisava de outro lugar para canalizar esta energia, e a religião foi esse caminho.
Eu queria que a religião estivesse presente de uma forma ou de outra, mas não pretendia que isso selecionasse o público, porque é um filme para todo mundo, para brasileiros. Seja católico, judeu, muçulmano, pouco importa. Se for brasileiro, vai se identificar com esses tempos e com essa história. De modo geral, todos nós admirávamos o que ele nos contava. Talvez tudo seja mentira: ele é um cara criativo! Só essa criatividade, para mim, já era interessante. Não era a verdade que interessava, e sim esta história. É curioso fazer a biografia de uma pessoa viva".
Biografia hollywoodiana?
Dan Klabin: "É exatamente isso que eu queria fazer como produtor: um filme do nível de uma produção americana, francesa, inglesa. No Brasil, a gente tem os profissionais mais incríveis do mundo: Cássio Amarante, Lula Carvalho, Daniel Rezende... É uma equipe que poderia trabalhar com qualquer diretor do mundo. A qualidade do nosso cinema é muito boa, a gente só tem uma carência de temas. Ainda temos um pouco de vergonha em assumir a nossa identidade. Falo por experiência própria, porque é um trabalho constante que faço comigo mesmo.
Estou trabalhando agora em outra biografia, sobre o Sidney Magal. O projeto também tem um olhar não-biográfico: é uma história de amor baseada em fatos reais. Como produtor, posso dizer que biografias ajudam muito no Brasil. Para potenciais investidores, é diferente falar que tenho uma ideia sobre uma corrida de motos, por exemplo, ou uma história sobre o Sidney Magal. Esse é um nome que o produtor conhece, é mais fácil convencê-lo a investir. Quando você pega o dinheiro das pessoas, é como um casamento, você tem uma responsabilidade enorme com aquela pessoa. No caso das biografias, é mais fácil".
Conquistando os patrocinadores
Dan Klabin: "Foi extremamente difícil convencer marcas a investirem, por causa da temática de sexo, drogas e rock'n'roll. O nosso sistema de financiamento deixa as marcas usarem isso como um lobby pessoal, mas nenhuma marca queria ser associada a sexo e drogas.
Esse era um filme em que eu queria ter trabalhado com product placement. Por exemplo, na cena em que o Augusto conserta a televisão para a mãe, ele poderia colocar Bombril na antena. Na festa, eu pensei em usar o ator-publicitário que faz todas as propagandas da Bombril, e todo mundo reconheceria ele. Mas as marcas não se animaram para isso".
Conquistando adultos e adolescentes
Dan Klabin: "Hoje em dia, o palhaço é uma figura para adultos. Não tenho visto muitas crianças interessadas nele, elas sentem medo em geral. Ainda tem a coincidência: logo depois do Bingo vem o It - A Coisa... Os anos 1980 estão na moda de novo, viraram tendência. De repente, vem uma maré favorável ao filme. Tem o lado nostálgico: eu queria fazer um filme que contasse a história da minha geração com orgulho".
Para quem não viveu a época, vai ser diferente, mas acredito que os jovens vão gostar muito. A gente não costuma contar essa história por vergonha. Mas ela história aconteceu, ela é linda, colorida, pop. Quando eu mostrei a ideia ao Daniel Rezende, eu disse: "Se você gostar, a gente embarca nessa, mas tem que ser muito pop. A nossa cultura hoje é pop". Nós somos animais viciados em televisão. Também tem o YouTube: os maiores youtubers do mundo são brasileiros.
O YouTube deu a chance para o talento: se você é corajoso e tem talento, com um celular na mão você faz um canal de sucesso. O Kondzilla é um caso exemplar. Como cineasta, ele foi genial quando decidiu fazer clipes de funk brasileiro. Ninguém dava bola para isso, porque o funkeiro não tem apoio das rádios, da televisão. Hoje o criador do Kondzilla é milionário. Bingo, para mim, é isso: quando eu vejo um buraco no mercado, eu quero tapar. Quando vi essa história, quis preencher esse buraco nos nossos cinemas".