O Cine PE 2017 começou com uma noite surpreendentemente amena e diversa no Cinema São Luiz, na área central de Recife, nessa terça-feira (27). Após toda controvérsia envolvendo a sua seleção original, um boicote por suposto favorecimento de um viés político antidemocrático e o decorrente adiamento do festival, se esperava protestos em sua noite de abertura. Pelo contrário: o clima foi de muita cordialidade, tanto devido ao esvaziamento de cineastas e jornalistas contrários aos diretores do evento, como pela preocupação extra da organização em recepcionar bem os presentes, o que é louvável.
O único ponto de combustão da noite foi a apresentação de Real - O Plano Por Trás da História. O produtor Ricardo Fadel Rihan comentou a importância de seu filme, do período histórico que a trama aborda e a dificuldade de transformar a obra, inspirada no livro "3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão", num thriller político envolvente. Mas, então, ele partiu para o escopo político, discursando sobre a importância de se debater sobre liberalismo no Brasil. O comentário atraiu aplausos e vaias, ensaiou discussões no auditório, mas a plateia logo cessou e o filme de Rodrigo Bittencourt foi exibido sem maiores manifestações, de apoio ou censura.
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Em sua 21ª edição, o festival audiovisual de Pernambuco teve a sua maioridade exaltada pela diretora Sandra Bertini, mas também pela seleção de curtas nesse primeiro dia. Além de quatro animações stop motion nascidas em oficina organizada por Cine PE e Prefeitura do Recife, dois dramas maduros em que a importância da diversidade política e social são pauta, exaltando uma liberdade refletida em seu inequívoco valor artístico.
Los Tomates de Carmelo, participante da mostra competitiva de curtas-metragens pernambucanos, reproduz uma fábula muito conhecida de modo singular. O personagem-título é um senhor muito idoso morador de Castela e Leão, uma cidadezinha da Espanha, em 1941. O solo se tornou árido e duro como a ditadura de Francisco Franco, e ele não poderá mais enviar a polpa de tomate decorrente da lavoura para o seu neto, um preso político. O filme, assim, condena todo modo de censura ideológica, e os perigos dessa forma de radicalismo.
O lugar do comunismo como vítima de repressão foi muito bem-vindo na abertura do festival, sim, mas é no trabalho de Danilo Barracho por si só que residem as suas principais qualidades, a sua real importância. Los Tomates de Carmelo exibe uma direção de fotografia requintada, o que também é ousado, haja vista o perigo de se glamurizar um contexto miserável. Desso modo, constrói uma história simples com uma narrativa tanto elegante como crítica à barbárie, reforçando através da linguagem uma fantasia, uma distopia, que infelizmente pertence à história do mundo, à memória humana.
Diamante, o Bailarina abriu a competitiva de curtas nacionais com uma premissa brilhante: conferir novo sentido à célebre frase "Voe como uma borboleta, ferroe como uma abelha", do esportista e ativista sociopolítico Muhammad Ali, e contar a história de um boxeador gay que trabalha como drag queen nas horas vagas. A partir disso, o diretor e roteirista Pedro Jorge explora referências de dois subgêneros para abordar "a negritude e o racismo estrutural da sociedade, a violência contra os LGBT e o descaso do estado com seus atletas" e realizar um ótimo filme de personagem abrilhantado pela inspiração do ator Sidney Santiago.
Hoje no Cine PE 2017
A mostra competitiva de longas-metragens tem início nessa quarta-feira (28), com o documentário O Jardim das Aflições, de Josias Teófilo. Na preliminar, Luíza e Dia dos Namorados dão prosseguimento à competição de curtas nacionais. Almas Secas, Marina e o Passarinho Perdido, Soberanos da Resistência e O Ex-Mágico continuam a Mostra Curta Pernambuco.
O AdoroCinema viajou a convite da organização do evento.