O 6º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba teve como homenageada uma jovem cineasta tailandesa, ainda pouco conhecida no Brasil: Anocha Suwichakornpong. O único filme da diretora exibido no país tinha sido História Mundana (2010), que a projetou no mercado internacional. O evento paranaense resgatou a obra completa da diretora, incluindo uma série de curtas-metragens e seu segundo longa-metragem, By the Time It Gets Dark (2016).
O AdoroCinema conversou com a diretora sobre seu trabalho, que mistura elementos naturalistas e fantásticos. História Mundana, em particular, narra a história de um jovem estudante de cinema, que se fica paraplégico após um acidente. Ele trava uma relação de amizade com o enfermeiro contratado pela família, por falta de afeto do pai distante.
História Mundana começa de maneira realista e gradualmente traz uma reflexão mais ampla sobre a vida e a morte. Como construiu essa transformação?
Anocha Suwichakornpong: O primeiro sinal de que este filme será mais do que um drama familiar é a quebra na narrativa. A tela escurece, surge uma pequena montagem com os tiros na casa e a narração de uma espécie de poema. O homem se vê como poeta, e quando é atingido pelo tiro, ele cai no chão. Essa é minha forma de guiar a audiência para além da narrativa principal do filme. Em termos do cosmos, há uma cena em que os personagens vão ao planetário e veem a exibição de uma supernova. Por causa da maneira como o filme se desenvolve, nós vemos essa supernova antes dos personagens a verem no planetário.
A história relata o modo como as vidas humanas são pequenas em comparação com a natureza. Podemos falar de um filme niilista?
Anocha Suwichakornpong: Não tenho problemas com essa interpretação, mas, ao mesmo tempo, no fim do filme, nós vemos o nascimento de um bebê e as pessoas interpretaram essa cena de muitas maneiras diferentes. Depende de que pessoa você é. Algumas pessoas acreditam que, com o nascimento do bebê, o filme é otimista. Outras pessoas veem sofrimento. Gosto de deixar o filme aberto. É claro que tenho minha própria interpretação, mas não quero impô-la ao público.
Você vê o filme como reflexo de uma realidade tailandesa, ou trata-se de um conflito universal?
Anocha Suwichakornpong: Espero que possa ser ambos, na verdade. As pessoas têm diferentes formas de acessar o filme. É claro que se trata de uma alegoria muito voltada à Tailândia, mas gosto de pensar que seja mais universal que isso. As respostas que tenho recebido, após exibir o filme em vários lugares e países, mostram que as pessoas se identificam com a história. No fim das contas, é um drama familiar, uma história de pai e filho.
Como trabalhou o tom silencioso com os atores?
Anocha Suwichakornpong: Nós ensaiamos muito. Durante os ensaios, fui ajustando o roteiro em termos do diálogo. Às vezes escrevo um diálogo, mas quando o ator diz, não soa muito bem. Então eles me perguntam se podem mexer no texto de um jeito ou de outro, especialmente quando há uma cena em que a interação entre os dois atores é muito importante. Eu me concentrei nesse período de ensaios e de ajuste de falas. Eles também trouxeram ideias muito boas. Assim que terminamos esse período, tudo é roteirizado. Durante a filmagem, não fizemos nenhum improviso.
A montagem trabalha com um ritmo fluido, fazendo idas e vindas no tempo. Essa ideia existia desde o roteiro?
Anocha Suwichakornpong: Não. Na verdade, escrevi o roteiro de modo linear. Para contextualizar, o roteiro foi escrito com base em um conto que eu mesma escrevi há alguns anos. O conto original, de apenas uma página, é um monólogo interno do protagonista e, nessa versão, estão os sentimentos dele em relação ao pai. Quando decidi adaptar para o roteiro, segui uma forma mais convencional porque escrever um roteiro pode ser difícil, tecnicamente falando. Fiz da maneira convencional porque precisava adicionar mais elementos e mais personagens. Filmei como estava escrito.
No início, editamos o filme da maneira cronológica, como prevê o roteiro. Aos poucos senti que o filme poderia ser melhor, que poderia ir além. Certo dia, percebi que não precisava começar o filme do início, que eu podia começar do meio ou do fim. Perguntei a Lee, meu montador, se devíamos tentar fazer isso. Ele disse que era uma ideia um pouco doida, mas concordou em tentar. Montamos 15 minutos do filme, rearranjamos os primeiros minutos, para ver se a ideia funcionaria. De vez em quando, você precisa parar, dar um passo atrás para descansar e, então, voltar com um olhar fresco, com uma nova perspectiva. Nós retomamos a montagem para ver se fazia sentido, e fazia.
Geralmente as idas e vindas no tempo são usadas para revelar um segredo ocultado do espectador. Mas este não é o caso em História Mundana. O espectador não se sente manipulado ou enganado pela montagem.
Anocha Suwichakornpong: Isso foi intencional. Descobri, durante o processo de montagem, que, primeiramente, você precisa confiar no seu público. Se você fornecer informações suficientes para os espectadores, eles acompanharão a trama. A segunda coisa é que eu queria retrabalhar essa causalidade do filme. As causas e efeitos não têm uma ordem definida. Então, às vezes, você vê a consequência de uma cena antes do evento em si. Nós vemos o personagem com a mão machucada antes de vermos que ele quebrou o copo. Só vemos a mulher trazer a bandeja com o copo que ele quebra depois que vemos o que aconteceu. Então, de certa forma, senti que, com esse método, você, enquanto espectador, precisa prestar atenção a todas as cenas. Você precisa estar concentrado a todos os momentos.
Que aprendizado você levou deste primeiro filme para os seus trabalhos seguintes?
Anocha Suwichakornpong: Aprendi muitas coisas ao fazer este primeiro filme. No final do processo de montagem de História Mundana, eu já tinha começado a preparar a ideia de By The Time It Gets Dark e sabia desde o início que não queria fazer um filme linear. As narrativas não lineares, para mim, são mais autênticas, instigam a minha sensibilidade. A mente humana não trabalha de maneira linear. Foi isso que aprendi no processo de montagem de História Mundana. Então, comecei a escrever o roteiro de By The Time It Gets Dark sabendo que seria um filme não linear desde o início. Mas, mesmo assim, na montagem, mudei cenas de lugar.
Como você vê a estrutura para a produção cinematográfica na Tailândia atualmente?
Anocha Suwichakornpong: Essa é uma pergunta difícil porque não quero generalizar a partir da minha situação. Não trabalho na indústria. Na verdade, a cena cinematográfica independente da Tailândia está indo bem. Não é excelente, mas melhorou bastante nos últimos cinco, dez anos. Agora, existem mais pessoas fazendo filmes independentes e mais locais de exibição. O público não cresceu muito, mas existe um melhor entendimento do que o é o cinema independente.
Em termos da indústria em si, tivemos altos e baixos. A indústria está diminuindo porque os filmes tailandeses não geram muito dinheiro e os filmes de Hollywood estão dominando, como em todos os lugares. Os filmes tailandeses comerciais têm sofrido bastante com a concorrência. No ano passado, a mídia começou a se perguntar se o cinema tailandês poderia sobreviver. Este ano, um filme comercial se saiu muito bem. Foi produzido pelo único estúdio que continua fazendo filmes lucrativos. Os outros perderam dinheiro com suas produções. Agora que esse estúdio produziu um filme que teve uma boa bilheteria, as pessoas estão mais esperançosas de que o cinema tailandês sobreviverá nos próximos anos. Mas é assim. Não pensamos a longo prazo, pensamos nos próximos anos.
A boa recepção a História Mundana facilitou a produção de seu segundo filme?
Anocha Suwichakornpong: Achei que seria assim, mas é extremamente difícil conseguir financiamento para filmes independentes. Mesmo que eu tenha tido certo sucesso com História Mundana, foi ainda mais difícil fazer o segundo filme.