Não adianta buscar pelo Rei Arthur na genealogia da simpática Rainha Elizabeth II. O ícone, uma das figuras mais importantes da identidade nacional da Inglaterra, sequer deve ter existido e isso, aliás, pouco importa.
A figura que teria pisado na Terra entre os séculos IV e V, liderando exércitos na antiga província romana que se localiza onde hoje é a Grã-Bretanha contra invasores externos e lutado para unificar a Inglaterra, é alvo de atenção e admiração há séculos. O Rei Arthur até hoje é associado a princípios nobres como justiça, bravura e múltiplas outras virtudes.
Ajudam a perpetuar o apelo das lendas arturianas o fato das narrativas envolverem magos, bruxas, fadas, castelos que pairam sobre o mar, monstros gigantes, uma espada mágica criada por elfos, florestas encantadas, romances e traições. O personagem inspirou inúmeros livros, óperas, peças de teatro, caçadas arqueológicas, estudos acadêmicos e ganhou inúmeras versões nos cinemas.
O filme Rei Arthur - A Lenda da Espada, dirigido por Guy Ritchie, é a mais recente investida de Hollywood no universo mítico que cerca o célebre monarca. O longa-metragem que une ação, fantasia e aventura estreia na próxima quinta-feira, dia 18 de maio.
Estrelado por Charlie Hunnam, A Lenda da Espada mostra Arthur como um homem que ficou órfão na infância, foi criado num bordel, domina as ruas de Londínio (cidade fundada pelos romanos no século I onde hoje fica Londres) com sua gangue sem saber que faz parte de uma linhagem real. Seu pai, Uther Pendragon (Eric Bana), foi traído pelo próprio irmão, Vortigern (Jude Law), que usurpou a coroa do reino de Camelot. Arthur descobre seu passado após tomar posse da poderosa espada Excalibur.
(Relembre outros filmes sobre o Rei Arthur na próxima página desta matéria especial)
O filme de Ritchie toma diversas liberdades das lendas originais sobre Arthur, mas isso não é nenhuma novidade, visto que a história do personagem é um caleidoscópio de outras estórias e folclores que talvez sejam vagamente baseados em uma figura história que tenha existido. No final das contas, as lendas de Arthur sempre tomaram muitas liberdades em relação à História.
Arthur existiu?
O Rei Arthur teria vivido em meados do ano 500 d.C., por volta dos eventos que ficaram conhecidos como a Queda do Império Romano do Ocidente. Estabelecido no reino de Camelot, provavelmente localizado onde hoje é o País de Gales, o monarca teria unido seu povo para enfrentar as tentativas de invasão de saxões, anglos e outros bárbaros de origem germânica.
O grande triunfo militar atribuído a Arthur teria acontecido no ano de 517, na batalha do Monte Badon, um dos poucos eventos históricos comprovados por registros relacionados às supostas façanhas do monarca. A vitória teria estabelecido uma era de paz na Bretanha que durou décadas.
Há quem acredite que a história de Arthur seja baseada numa lenda celta sobre um poderoso urso, que seu nome é baseado no nome de uma constelação ou que a narrativa sobre Arthur seja inspirada em um líder militar chamado pelos romanos de Riothamus, que teria vivido antes da queda do império. Vale lembrar que nenhuma das teses é tomada como verdade histórica. Possivelmente os autores que mantiveram viva a lenda de Arthur se basearam nos mitos sobre personalidades históricas reais como Carlos Magno e Alexandre, o Grande.
Menções ao Rei na literatura medieval
No século VI, o monge Gildas escreveu o livro De Excidio et Conquestu Britanniae ("Sobre a Ruína e Conquista da Bretanha") que menciona a batalha do Monte Badon e exalta um guerreiro bretão que teria vencido o conflito. Este guerreiro, entretanto, não se chamava Arthur, mas sim Ambrósio Aurélio.
Por volta do ano 800 d.C foi escrito o tratado Historia Brittonum (História dos Bretõe), atribuído ao monge galês Nennius, onde elementos fantásticos começam a ser incluídos nos relatos de Gildas. Inspirado em lendas galesas e celtas transmitidas pela tradição oral, Nennius credita a um rei chamado Arthur a vitória no Monte Badon e começa a incluir elementos de fantasia na história do guerreiro, chegando a dizer que o rei matou quase mil inimigos de uma vez só com o golpe de sua espada. Antes disso, um personagem fantástico chamado Arthur fazia parte de uma antiga lenda celta que posteriormente foi descrita de forma bem diferente no Mabinogion, registro em prosa compilado entre os séculos XII e XIII. Uma das principais contribuições de Nennius à lenda foi a descrição das 12 vitórias militares de Arthur, posteriormente exploradas por outros autores.
Foi no século XII que a lenda de Arthur ganhou robustez graças ao livro pseudo histórico Historia Regum Britanniae (História dos Reis da Bretanha) escrito pelo clérigo galês Geoffrey de Monmouth. Dotado de muita criatividade, o autor se propõe a narrar as vidas dos reis britânicos ao longo de 2 mil anos, a partir de Brutus de Tróia, que, segundo a lenda, teria fundado a Bretanha após lutar contra os dois gigantes que viviam na ilha. A Historia fundamenta boas partes dos mitos sobre Arthur, concedendo ao personagem um destaque fundamental para a consolidação do mito, agora apresentado como um herói cristão. O trabalho de Geoffrey passou mais de 600 anos com o status de fonte histórica confiável até ser contestado.
Nos séculos seguintes o material de Geoffrey serviu de inspiração para os autores franceses Chrétien de Troyes (Romances da Távola Redonda, Perceval) e Robert Boron (Merlin) e para o autor alemão Wolfram Von Eschenbach (Parsifal). Em 1485 o autor bretão Thomas Malory publica Le Morte d'Arthur, que costura uma coesa narrativa que compila elementos dos livros ingleses e franceses sobre o mítico rei.
A lenda
Foi o mago Merlin, o sábio e benevolente filho de um demônio com uma mortal, quem profetizou o reinado do Rei Arthur. Graças aos poderes do feiticeiro, o rei Uther Pendragon, que também é mais um personagem mítico do que histórico, consumou seu desejo pela duquesa Igraine, esposa do duque Gorlois. Através da magia, Uther ganhou a aparência de Gorlois, e conseguiu acesso aos aposentos da nobre.
Após o nascimento de Arthur, o bebê foi entregue por Merlin ao humilde cavaleiro Ector, que criou o futuro líder e o ensinou a manejar instrumentos de guerra. Quando Pendragon morreu, um período de incertezas se abateu sobre a Bretanha até a chegada de Arthur ao trono.
Havia a profecia de que somente aquele que conseguisse remover a poderosa espada Excalibur da fenda de uma pedra (ou bigorna, em alguns textos) seria digno de governar a Inglaterra. Após os esforços de muitos, que julgavam impossível retirar a lâmina de lá, Arthur, sem esforços, empunhou a espada indestrutível que estava fadada a carregar nas batalhas que travaria, com apenas 15 anos de idade.
Como todo grande herói, Arthur já estava marcado para ser líder desde a infância. Contam que uma antiga profecia dizia que só poderia reinar sobre as Ilhas Britânicas o homem que retirasse Excalibur, a espada do poder, da pedra em que ela estava incrustada. E assim fez Arthur: ainda garoto, sem qualquer esforço, retirou de seu leito de rocha a espada que seria sua companheira por toda a vida, em inumeráveis batalhas.
Outra versão da lenda conta que a espada retirada da bigorna se partiu num confronto. Arthur então teria ido com Merlin até a lendária ilha de Avalon, que por vezes é mencionada como o lar da Fada Morgana, meia-irmã de Arthur. Em Avalon, o rei recebeu a verdadeira Excalibur, que teria sido construída por seres mágicos, de uma mão que se estendia de um lago.
Munido da espada, Arthur lutou nas 12 batalhas que foram determinantes para o estabelecimento da paz na Bretanha e expulsou os invasores, unindo seu povo em torno de seus ideias de justiça.
Estabelecido em seu castelo no reino de Camelot, Arthur tomou a bela princesa Guinevere como sua esposa, após salvar o pai dela, o rei Leodegrance, em uma batalha. Merlin aconselhou Arthur a não se casar com a moça, pois havia previsto que ela não seria fiel ao monarca.
Foi Leodegrance quem presenteou Arthur com a famosa Távola Redonda, mesa circular que se localizava numa das salas mais pomposas do castelo de Camelot. No local, Arthur se encontrava com seus cavaleiros, incluindo os 12 guerreiros que o rei mais confiava. O formato do móvel era uma maneira de Arthur mostrar que não havia distinção entre os cavaleiros e que todos eram iguais diante dele. Uma das maiores missões do grupo foi a desenfreada busca pelo Santo Graal, o cálice sagrado usado por Jesus Cristo.
Lancelot era o mais estimado dos cavaleiros, considerado pelo Rei o seu melhor amigo, mas ele se envolveu em um romance proibido com Guinevere. Traído, Arthur condena sua esposa à fogueira e jura vingança contra Lancelot. O guerreiro consegue salvar sua amada, que passa a viver num convento, e foge para a França.
Decidido a lavar sua honra contra o antigo amigo que o traiu, Arthur parte para a França e deixa o trono de Camelot sob os cuidados temporários de Mordred, citado em algumas histórias como o filho de Arthur com sua meia-irmã, a Fada Morgana. Mordred então conspira para usurpar o poder do pai, o que faz Arthur voltar para a Bretanha e confrontá-lo. No conflito, conhecido como Batalha de Camlan ambos se feriram de forma mortal.
Arthur, em estado grave, é levado por um grupo de donzelas para Avalon, onde a Excalibur é devolvida ao lago e o Rei receberia os cuidados de Morgana. Em outras versões da lenda Arthur é levado para o além, para uma Avalon metafísica. Em outras, o Rei não suporta a viagem e é enterrado na ilha sagrada.
Na próxima página, relembre alguns dos principais filmes já produzidos sobre a figura.