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    "O artista tem o papel de quebrar barreiras", diz diretora de documentário sobre a banda Barão Vermelho (Entrevista)

    Após cinco anos, filme vai estrear na TV por assinatura neste mês de maio. Longa-metragem mais de 30 anos de rock 'n' roll da banda carioca a partir da gênese do grupo, com Cazuza.

    "Mais uma dose? É claro que eu tô a fim", canta Cazuza logo no começo da canção que batiza o subtitulo do documentário Barão Vermelho: Por Que a Gente é Assim?. Os versos bukowskianos são uma espécie de mote da banda carioca que ao longo de três décadas e meia construiu uma reputação que lhe confere um lugar de destaque no panteão dos grandes nomes do rock brasileiro.

    Com direção de Mini Kerti, que traz em sua filmografia um histórico de produções que apresentam diferentes abordagens sobre o universo musical, o filme não se furta de lançar os holofotes nos altos, baixos, brigas, celebrações, idas, vindas, ressentimentos, afetos do grupo que atualmente se prepara uma uma nova dose, um novo recomeço, após Roberto Frejat deixar a banda da qual fazia parte desde sua fundação no início dos anos 80.

    Depois de mais de 5 anos de produção, Barão Vermelho: Por Que a Gente é Assim? finalmente será lançado, diretamente na TV por assinatura, com estreia agendada na grade do Canal Curta!, na segunda-feira, dia 8 de maio. "Esse projeto é antigo, da época dos 30 anos do Barão, quando eles foram fazer uma turnê de comemoração", contou Kerti em entrevista exclusiva para o AdoroCinema (leia na íntegra no final desta notícia). 

    Pro dia nascer feliz

    Divulgação

    Estruralmente falando, o longa-metragem de 107 minutos é bastante tradicional. Além das imagens de arquivo, coletadas em acervos pessoais e de emissoras de TV, o filme traz depoimentos atuais dos integrantes remanescentes da formação original da banda (Frejat, Maurício Barros, Dé Palmeira e Guto Goffi). Juntos, eles resgatam a história do Barão Vermelho em uma visita ao estúdio de gravação onde, em suas juventudes, produziram o álbum de estreia do conjunto em 1982, o pontapé inicial rumo ao estrelato que viria nos anos seguintes.

    Logo nos primeiros frames do filme, Kerti costura uma contextualização do momento social e político do Brasil e do mundo nos anos que antecederam a formação do Barão Vermelho no Rio de Janeiro em 1981: Ato Institucional Nº 5, chegada do homem à Lua, movimento hippie, conquista da seleção brasileira da Copa do Mundo de 1970, manifestações políticas pela anistia aos presos e exilados do regime militar no Brasil, revoluções culturais.

    Há na direção de Kerti a interessante proposta de conectar a carreira do grupo aos eventos que a cercavam. "Depois do AI 5 as coisas ficaram mais sérias. De repente ficou cafona falar das coisas do dia-a-dia. [Surgiu ]uma coisa mais 'Cálice'. Houve uma retomada do bom humor, de falar do dia-a-dia sem vergonha, falar da praia que você vai, do bar, da namorada, sei lá, das besteirinhas mesmo dos jovens", conta Cazuza (1958 - 1990) em um dos depoimentos do cantor libertário para um programa de TV justificando a coloquialidade dos temas que abordava em suas letras quando a banda surgiu, num momento em que se vivia um clima de abertura política. Outro momento interessantíssimo se dá na análise que um extasiado Cazuza faz da apresentação do Barão Vermelho no Rock in Rio de 1985 para 300 mil pessoas no mesmo dia em que, em Brasília, Tancredo Neves se elege o priemeiro presidente da Nova República. "Eu gostei quando eles cantaram Pro Dia Nascer Feliz porque amanhã é um dia que vai nascer feliz pro Brasil todo. Esperança mesmo do dia novo, na coisa nova que tá pintando aí".

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    A relação entre Cazuza e Frejat ao longo dos anos, parceiros de composição até mesmo após a saída de Cazuza da banda para tocar sua carreira solo, é um dos principais destaques do longa. Um dos pontos positivos do filme é a sincera emoção apresentada por Frejat ao rememorar com lágrimas nos olhos o processo de criação da canção "Todo Amor Que Houver Nessa Vida" e a profundidade da poesia do compositor, que logo em seus primeiros anos de banda mostrou que não tinha entrado no mundo artístico para brincadeira. "Eu acho que quando a gente fez essa música eu tinha 18 pra 19 anos e o Cazuza tinha de 22 pra 23 anos. Ela tem uma letra muito profunda, muito densa, muito sofisticada para uma pessoa de 23 anos", conta ele no filme, emocionado.

    O filme se propõe a cobrir todas as fases da banda, pautado pela linearidade temporal dos lançamentos dos álbums de estúdio — que Frejat ressalta que não superam as performances ao vivo da banda. Mostra-se como Barão Vermelho 2 (1983) teve suas vendas alavancadas após Ney Matogrosso regravar "Pro Dia Nascer Feliz", o auge da formação original em Maior Abandonado (1984), o renascimento do grupo sem Cazuza em Declare Guerra (1986), o fracasso comercial de Rock'n Geral (1987), uma nova boa fase Na Calada da Noite (1990), o roqueiríssimo Carne Crua (1994), o pop rock eletrônico de Puro Êxtase (1998), numa didática jornada pelas criações do grupo.

    AdoroCinema: Como surgiu o projeto de filmar um documentário sobre o Barão Vermelho?

    Mini Kerti: Esse projeto é antigo, da época dos 30 anos do Barão, quando eles foram fazer uma turnê de comemoração. Foi a própria banda — Frejat, Guto, Duda, o empresário — que foi lá na Conspiração Filmes me chamar para dirigir o filme.

    Não foi uma coisa que partiu de mim. Eles me chamaram para dirigir. Junto com o Rodrigo Pinto, que tinha escrito o livro do Barão Vermelho, a gente começou a tratar do roteiro. Daí começamos a pensar em capatar para poder viabilizar o documentário. Demorou até a gente conseguir captar, demourou até o canal Curta! chegar e gente conseguir realizar o filme.

    Existe a intenção de lançar o filme nos cinemas?

    A vontade é bem grande por parte da direção e dos artistas, mas é tão complicado hoje em dia. Você tem que ter uma verba para o lançamento e aí os cinemas... Sei lá. Vontade eu tenho, mas não sei se isso é possível. A ideia inicial era cinema, mas o mercado está tão complicado, então a gente está lançando direto na TV e no VOD.

    Como foi a parte de pesquisa de imagens de arquivo? E a edição?

    Como foi um processo bem longo de produção, filmagem e edição — foi um projeto que demorou uns cinco anos desde o início até ele ser realmente concluído — houve um longo processo de pesquisa.

    Começamos a pesquisa no acervo das TVs. A gente conseguiu imagens da MTV, Globo, Record, Cultura, etc. Pesquisamos arquivos pessoais também. Os fãs ajudaram muito. A banda tem um fã clube importante e os fãs tinham muitas coisas. Mesmo que a gente não usasse o material deles, por descobrir que o material existia podíamos correr atrás desse mesmo material em qualidade melhor. Muitas vezes eu não consegui esse vídeo com a qualidade melhor. Nesses casos, achei melhor ter o documento em uma qualidade ruim do que não ter.

    O processo de edição durou uns quatro meses. Foi a Joana Ventura que editou. O filme é sobre uma banda que, como o próprio Frejat fala, que ao vivo é melhor do que nos discos. Então a gente colocou muitos momentos de shows no documentário. A gente foi atrás dessa vida deles nos palcos, essa energia que eles tem, esse som, essa vibração. Eu adoro aquele momento em que o Cazuza se separa da banda e faz um show na praia cantando Exagerado e depois tem o Barão Vermelho lá, na "Torre de Babel", na maior sonzeira. Acho que aquilo...

    Mostra um contraste, certo?

    Exatamente! Ali se entende que houve uma separação, não é? Foi duro. Enfim, tivemos um trabalho longo de pesquisa que a Isabela Mota fez. Ela é uma pesquisadora super legal e a gente ficou um tempão fazendo isso, lincenciando. Deu um trabalhão danado. Investimos dinheiro nisso. Eu acho que isso é importante. Grande parte do orçamento desse projeto foi gasto na compra dessas imagens.

    Há muito material inédito para o público em geral entre as imagens de arquivo?

    Sim, tem bastante coisa que ninguém nunca viu antes. E tem muita coisa que já está na internet, mas que é tão diferente quando você junta tudo isso e contextualiza. Você diz assim "nessa época estava acontecendo isso", "isso aqui é assim". Eu acho que essa reunião do material, a contextualização, a seleção é o que tem mais valor. Até porque hoje em dia você tem acesso a muita coisa na internet. Os fãs disponibilizam isso, mas é diferente quando você dá uma emoção para aquela imagem e esse trabalho é o trabalho da edição e da direção.

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    Ao longo dos depoimentos dos membros da banda, em um momento do filme, Frejat se emociona ao falar da parceria que deu origem a "Todo Amor que Houver" nessa vida. A produção teve muitos momentos assim?

    Teve alguns, principalmente com o Frejat. Há toda essa relação com o Cazuza que se perpetuou ao longo da vida do Cazuza até a morte dele. Mesmo após a saída de Cazuza do Barão Vermelho, os dois continuaram parceiros, fazendo canções um para o outro. É uma história sem fim, por assim dizer. É uma história que se perpetua. Tem o momento da briga [entre Cazuza e Frejat] e no momento da entrevista o Frejat chora contando daquela história do soco.

    Tivemos alguns momentos mais emotivos quando se trata de falar do Zeca [Ezequiel Neves, produtor cultural e jornalista que acompanhou toda a trajetória da banda e ajudou a revelar Cazuza], que é um sujeito de uma suma importância. Eu quis deixar bem clara a importância do Zeca no Barão, porque ele é uma figura fundamental e eu acho que eu consegui fazer isso. Ele participa artisticamente do trabalho do Barão.

    Em determinado do filme o Frejat diz uma frase muito interessante sobre a fama do Cazuza "O Brasil não podia negar que gostava dele. E ele é igual a uma porção de gente que eles preferiam ignorar". O que você dessa fama imensa que o Cazuza conquistou numa época em que o conservadorismo de costumes era ainda mais forte do que hoje em dia?

    Eu acho perfeita aquela colocação do Frejat e eu acho que o artista realmente tem esse papel na sociedade, de quebrar tabus, de quebrar barreiras. Ao mesmo tempo ele é um ser humano que erra como todos os outros. Ao mesmo tempo é um ser que está exposto artisticamente e as vezes tem exposta até a vida pessoal. No caso do Cazuza, ele expôs a vida pessoal dele e o artista quando faz isso, está sujeito a apanhar, a levar críticas.

    Naquela época não tinha internet, mas tinha imprensa. Tem a famosa capa da Veja que foi, na época, uma pancada. A gente nem cita, mas foi uma coisa importante.

    Eu acho que o artista tem esse papel de quebrar barreiras, expor feridas de uma sociedade e tentar romper preconceitos. O artista discute e mexe com coisas que ainda estão cristalizadas.

    A morte do Cazuza é apresentada na metade do filme e, por mais que a presença dele seja sentida ao longo do resto longa, esse evento é apresentado de forma relativamente breve.

    O Frejat queria muito que o filme contasse a história da banda. A história da banda são 30 anos de banda. Muito tempo.

    Na verdade eu não acho que seja dado pouca importância pra isso [morte de Cazuza]. A história da banda é enorme. São 30 anos e acho que a gente inclusive foca bem ali. Eu não entro nos mínimos detalhes porque eu acho que o que importa ali é o que foi feito. Não adianta ficar ilustrando se você tem uma coisa ali colocada de uma maneira tão clara, que tem mais valor.

    Alguém já me disse 'Ah, eu queria saber mais sobre aquele momento. Saber se eles estavam juntos com o Cazuza durante os anos da doença, se eles iam visitá-lo, se eles eram amigos...' Eu acho que o mais importante fica bem claro ali no filme. Eu até tenho depoimento do Frejat falando que levava o ele de cadeira de rodas para tomar sol, mas o mais importante é o lado artístico da trajetória da banda. Essas coisas mais sentimentaloides a gente não quis explorar. Claro que a gente para em alguns momentos para falar das relações entre eles — da tolerância, das brigas, das pazes..

    A música é uma constante em seus filmes documentais, por mais diferentes que sejam as abordagens dos projetos. Queria que você falasse sobre sua ligação com o tema. Como isso está presente na sua vida? Qual sua ligação com a música?

    Ah, eu gosto de música! [Risos] Eu acho que os meus filmes têm abordagens diferentes sobre a música brasileira. O Contratempo é de um ponto de vista mais pessoal. Há uma questão social ali. O filme do Midani [Andre Midani - do Vinil ao Download] é sobre a importância dele na música brasileira mesmo, como um empresário, um homem de negócios, um produtor. Em Barão Vermelho se trata da trajetória de uma banda. São filmes bem diferentes, apesar da música estar nos três documentários, eles têm abordagens bastante diferentes.

    Acho que a música brasileira é muito importante e muito boa. Eu também fiz o [documentário] Chame Gente que é sobre o trio elétrico, que também é sobre música, sobre um dos pilares da música baiana.

    Por fim, quais são seus próximos projetos?

    Eu tô fazendo Sob Pressão, uma série para a TV Globo com direção geral do Andrucha Waddington. Eu faço a direção de alguns episódios. A gente está filmando agora.

    Tenho também um projeto que é uma série sobre o Jorge Mautner para a HBO. Que são 4 programas de 50 minutos, mais ou menos, sobre a história do Mautner e a visão dele de mundo.

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