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    CPH:DOX 2017: "Em Last Men in Aleppo quis buscar o que significa ser uma pessoa na horrenda Guerra da Síria" (Entrevista exclusiva)

    Conversamos com o diretor Feras Fayyad sobre o impactante documentário que já é apontado como forte candidato ao Oscar 2018.

    melhor filme visto no CPH:DOX deste ano e, desde já, forte candidato a uma indicação ao Oscar 2018 de melhor documentário. Este é Last Men in Aleppo, premiado tanto no Sundance Film Festival quanto no próprio CPH:DOX, que ganhou crítica cinco estrelas do AdoroCinema.

    Conversamos com o diretor Feras Fayyad sobre o impactante documentário, que acompanha os esforços de um grupo dos Capacetes Brancos em meio aos constantes bombardeios sofridos na cidade síria de Aleppo. Confira!

    ADOROCINEMA: O que te fez querer fazer um filme sobre os Capacetes Brancos?

    FERAS FAYYAD: Cineastas, no geral, precisam partir de algo pessoal para contar uma história. Fui preso sob o regime de Bashar Al-Assad por fazer um filme sobre a liberdade de expressão. Dentro da prisão, como detento, testemunhei as provações dos trabalhadores humanitários. É fácil entender porque um jornalista ou um cineasta é preso por trabalhar com a liberdade de expressão. Para mim, essas pessoas são inimigas das autoridades. Trump diz isso, que os jornalistas são seus inimigos porque observam as autoridades e lutam pela liberdade de expressão. Mas não consegui entender porque os agentes humanitários foram presos pelo regime de Assad. Essa foi uma questão que começou a me incomodar bastante.

    Saí da prisão, continuei acompanhando os ataques aos centros humanitários e hospitais e, enfim, conheci Raed al-Saleh, o líder dos Capacetes Brancos. Foi aí que decidi contar e seguir a história desse homem e o que o motivou a trabalhar com isso. Conheci o codiretor do filme, Steen Johannesen, através dele. Quis entender o que motiva os Capacetes Brancos a correrem para os locais bombardeados - locais dos quais a maioria das pessoas quer fugir - e o impacto desse trabalho em suas vidas. Queria entender o que significa para eles a morte de um companheiro e como é o futuro dos filhos, mães e pais quando o principal provedor da família morre em decorrência de um ataque direto. Quis mostrar a história por trás das notícias, dos vídeos, da propaganda e tudo o mais; quis fazer com que as pessoas entendessem a história dessas pessoas que fazem o bem, a história dessas pessoas que são seres humanos. Quis ignorar o significado do trabalho que fazem para buscar o que significa ser uma pessoa na horrenda Guerra da Síria.

    AC: Algo que impressiona em Last Men in Aleppo é o grau de confiança obtido junto aos integrantes dos Capacetes Brancos. Como foi este trabalho?

    FERAS: Um dos maiores desafios foi obter acesso às vidas deles. Essas são pessoas que não querem se exibir e que acham que, se estiverem em um filme, estarão se exibindo. Precisei convencê-los, em diversos níveis, de que essa não era uma história só sobre eles e o que eles fazem, é uma história sobre todos os sírios. Filmá-los correndo para resgatar crianças após um bombardeio é para mostrar isso ao mundo, para fazer com que as pessoas se solidarizem mais com essa causa, para que os apoiem mais, para que façam alguma coisa para ajudar. Disse a eles que teriam que confiar que havia uma bondade na minha intenção similar à bondade da motivação deles em salvar os cidadãos sírios. Essa conversa nos ajudou a confiar uns nos outros e, enfim, me permitiu ter total acesso às vidas e aos trabalhos deles, seguindo-os por lugares muito perigosos. São seres humanos em momentos de muita bravura.

    AC: Quanto tempo você passou com eles em Aleppo?

    FERAS: Fiquei por volta de um ano em Aleppo, indo e voltando. Em 2015 não pude adentrar a cidade, porque estava em estado de sítio. Fiquei baseado na Dinamarca. A última imagem que tinha de Aleppo era a cidade em chamas e isso me fazia lembrar das pinturas que retratam os incêndios de Roma, Berlim, Londres e todas essas cidades que foram destruídas pelas guerras. Isso me ajudou a distanciar um pouco da cidade, vê-la de fora, porque estava o tempo todo nas ruas. Um dos maiores desafios foi que os personagens também estavam preocupados com as vidas da equipe, eles queriam nos proteger, às vezes não deixavam que os seguíssemos. Pensar no que o meu bravo diretor de fotografia passou e nas coisas que filmou, de 2015 a 2016, também me fez sentir que precisávamos contar essa história. O significado de nossas vidas se tornou correr atrás deles e registrar esses momentos.

    AC: Quando esteve em Aleppo, como foi sua rotina? Você focou mais nas conversas entre eles ou na filmagem da ação após os bombardeios?

    FERAS: Nossos conhecimentos sobre a guerra e a própria experiência de fazer esse filme desenvolveram uma maneira específica de filmagem. Durante a produção, desenvolvemos uma narrativa e um estilo para contar a história. Os personagens simplesmente esqueceram as câmeras. Não usamos câmeras grandes, apenas câmeras pequenas e isso facilitou nossa missão. Queríamos observá-los, ao invés de fazer narrações e entrevistas. Além disso, isso fez com que eles ficassem mais confortáveis para conversarem entre si em frente à câmera e também com a câmera, e usamos essas palavras para guiar a trama.

    Queríamos contar a história deles, o que está no filme é a rotina, as conversas diárias que acontecem entre eles sobre partir ou ficar. Capturamos a essência dessa dúvida na montagem porque isso faz parte do ambiente da guerra, é um dos principais temas de conversas. Queríamos fazer com que as pessoas entendessem o medo, as razões para as pessoas deixarem ou ficarem em Aleppo. Isso nos fez entender melhor nossos dois personagens principais, Khaleb e Mahmoud, entender como o medo cresceu dentro deles e afetou suas vidas.

    A única maneira de compartilhar a história deles era filmar todos os momentos. Não organizamos as coisas, os horários. Todos os dias conversamos com eles como se fôssemos amigos para entendê-los e filmamos tudo para capturar esses momentos especiais.

    AC: Last Men in Aleppo traz algumas imagens chocantes, perturbadoras. Mas, em certas ocasiões, fiquei com a impressão de que você não mostrou tudo o que poderia mostrar. Por exemplo, quando eles encontram uma mão após um bombardeio e você não mostra esta mão. Como você decidiu o que era e o que não era interessante mostrar para contar essa história?

    FERAS: Uma das principais dúvidas que tivemos foi entre mostrar os pedaços de corpos ou não. Decidimos que seria impossível não mostrar essas coisas porque isso é um reflexo da situação, porque essas imagens são importantes para eles. Esta é uma história pessoal sobre os dois protagonistas e todas as pessoas que eles encontram são um reflexo dos seus medos, das suas famílias. Quando Mahmoud encontra os dois irmãos mortos, ele pensa sobre o próprio irmão porque isso é um reflexo de seu medo.

    Não usamos as imagens como evidência jornalística para documentar um crime contra a humanidade. Isso era importante, era um dos nossos objetivos. Mas nosso principal interesse era descobrir o que o medo significa para essas pessoas, como o medo cresceu dentro deles e como o medo os fez abandonar a cidade. Nós decidimos mostrar o bebê morto porque era o necessário para refletir o medo de Mahmoud. Quando o míssil acerta o carro, ele começa a gritar o nome do irmão porque todas essas experiências nos fizeram entender o medo que há dentro dele. As cenas que mostramos, a tragédia do bebê morto, são mostradas por causa de nossos protagonistas. Isso foi necessário para entendê-los.

    AC: Você ganhou o prêmio de Melhor Documentário em Sundance. Quais são os reflexos dessa premiação?

    FERAS: O prêmio fez maravilhas pelo filme. A decisão do júri de Sundance ajudou a chamar a atenção das pessoas, a fazer com que elas sigam o filme, e também ajudou a fazer com que outros festivais tenham interesse em exibi-lo. Isso também aumenta a consciência sobre a crise humanitária. Este não é um filme sobre os Capacetes Brancos, sobre a organização; é uma história pessoal sobre a perda, sobre as mortes diárias e sobre a guerra da Síria, que não acaba. O filme também ajuda a entender que precisamos convencer os políticos a encerrarem a guerra. É preciso fazer com que Trump, que declarou veto aos cidadãos mulçumanos, entenda o que está acontecendo.

    As pessoas em Sundance ficaram muito interessadas pelo filme. Muitas pessoas vieram falar comigo para dizer que agora entendem qual é o significado da guerra da Síria, que agora entendem porque as pessoas deixam o país. Nós precisamos que os políticos também entendam isso. Esse filme também pode ajudar as pessoas a acreditarem na bondade e entender que existem coisas mais importantes nas nossas vidas do que lutar uns contra os outros e odiar uns aos outros. O filme nos mostra o significado da união e o que a bondade pode fazer por nossas vidas.

    AC: E quanto ao futuro do filme? Quantos países compraram os direitos de distribuição e em quais festivais ele será exibido?

    FERAS: O filme será exibido no principal canal de TV brasileiro [Obs: O diretor não se lembrava do nome do canal]. A Netflix também exibirá o filme. O filme está sendo exibido atualmente nos cinemas da Alemanha, deve ficar em cartaz por um ou dois meses. Teremos uma exibição no Festival de Direitos Humanos, em Genebra, e abriremos o Festival de Cinema do Oriente Médio, na Itália. Last Men in Aleppo estará no Hot Docs, Barcelona Docs e em outros festivais nos Estados Unidos também. Muitos festivais estão interessados no filme e também exibiremos o filme privadamente para muitos políticos. Queremos, com a ajuda de várias organizações, trabalhar duro para levar o filme até a Casa Branca. Queremos a ajuda das grandes companhias de mídias sociais também, como o Facebook e o Google.

    AC: Há uma data de lançamento na Netflix?

    FERAS: Acho que será lançado depois de maio. Começaremos a campanha para o Oscar, então o filme será lançado nos canais de televisão e também na Netflix.

    AC: No filme, você nunca usa a palavra "herói". Mas não consigo imaginar os Capacetes Brancos com outra palavra além desta, de uma maneira muito trágica. Como você vê o trabalho deles?

    FERAS: Não sou atraído pela ideia do heroísmo. Tentei fazer com que o público visse os homens, não os heróis, que vissem as coisas que os homens precisam fazer para serem verdadeiros heróis. Deixei para o público decidir se eles são humanos ou heróis e também deixei para o público entender o valor do imenso sacrifício que eles fazem para dar esperança às pessoas. Eles acreditam que as crianças serão o futuro do país e essa organização luta contra o radicalismo e o fundamentalismo islâmico. Os Capacetes Brancos desejam dar aos jovens um significado para suas vidas de modo que possam ajudar seu país, que possam melhorar suas vidas.

    Muitos jovens encontraram um significado para suas vidas quando se juntaram aos Capacetes Brancos, é por isso que a organização enfurece as autoridades. Porque eles têm evidências dos crimes cometidos, porque são testemunhas dos crimes cometidos pela Rússia. É por isso que também enfurecem a Al-Qaeda e o Estado Islâmico: eles estão recrutando os jovens. Os protagonistas tinham 25, 26 anos quando a guerra começou, há quatro anos atrás. Os Capacetes Brancos dão um sentido para a vida dos jovens.

    O AdoroCinema viajou a Copenhague a convite do CPH:DOX.

     

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