O único representante brasileiro na mostra competitiva do Festival de Berlim foi apresentado à imprensa hoje, dia 16 de fevereiro. Joaquim traz uma releitura da história de Tiradentes, interpretado por Júlio Machado. O filme acompanha as buscas do militar por ouro, a pedido da Coroa portuguesa, e sua tomada de consciência posterior, que o levou a se revoltar contra o governo.
O diretor Marcelo Gomes respondeu às perguntas da imprensa logo após a sessão, num evento marcado por discussões sobre políticas antigas e contemporâneas no país. Ele explicou que sua intenção era "desconstruir esse herói" para "compreender as fraturas do passado". De acordo com Gomes, muitas discussões políticas são feitas de maneira superficial, de modo que projetos como Joaquim contribuiriam à reflexão.
"Temos que construir um processo de descolonização no nosso dia a dia", provocou o cineasta, relembrando as estruturas de opressão que permanecem em funcionamento. Sobre a mistura de fatos históricos com elementos fictícios no retrato de Tiradentes, o cineasta justifica: "Foram os africanos, na condição de escravos, que trouxeram a noção de rebeldia, de revolta ao país". Por isso, o filme atribui o despertar político do protagonista à influência de uma escrava por quem estava apaixonado.
As perguntas sobre a situação brasileira atual não tardaram a vir, e Gomes respondeu com convicção: "Estamos vivendo um momento muito absurdo de retrocesso", disse, em referência a ações do governo Temer, como a ameaça de extinção do Ministério da Cultura e a constante alusão ao possível fim das leis de incentivo. O cineasta afirma que a classe artística manifesta "apreensão à possibilidades de mudança" nestas leis, relembrando que as possibilidades de cortes e retrocessos afetam todas as áreas da sociedade, muito além da arte.
Abordando explicitamente a política partidária, Gomes concordou com um jornalista sobre o legado petista no país: "Nos últimos 14 anos, a gente teve uma mudança de paradigma essencial com o governo Lula". Por fim, ele leu uma carta assinada por 300 nomes da comunidade cinematográfica, incluindo 22 brasileiros presentes ao festival de Berlim. O texto é uma extensão do manifesto apresentado no dia anterior.
Joaquim concorre ao Urso de Ouro, e pode ser o terceiro filme brasileiro a vencer o festival de Berlim após Central do Brasil (1998) e Tropa de Elite (2008).