Festival de Cannes, maio de 2016. Em meio ao burburinho em torno da sempre badalada mostra competitiva, despontava na Un Certain Regard um certo Hell or High Water. Por mais que tenha saído sem prêmios da Croisette, o impacto deste faroeste moderno ganhou força nos meses seguintes, ao ponto de lhe render quatro indicações ao Oscar: filme, ator coadjuvante (Jeff Bridges), roteiro original e edição. Confira nossa crítica!
Durante o evento, o AdoroCinema teve a oportunidade de entrevistar os protagonistas Chris Pine e Ben Foster. Ambos falaram sobre a visão pessimista dos Estados Unidos apresentada pelo filme, o jeito texano de ser e, é claro, como definiram o sotaque ouvido em cena.
Vale lembrar que A Qualquer Custo chegará aos cinemas brasileiros já na próxima quinta, 2 de fevereiro.
"TEMPOS ASSUSTADORES"
Questionados sobre a visão pessimista sobre os Estados Unidos trazida por A Qualquer Custo, ambos se mostraram temerosos sobre o futuro. "São tempos assustadores", afirmou Foster. "Tempos de Trump", complementou Pine, meses antes da eleição do bilionário como presidente dos Estados Unidos.
"É assustador o que está acontecendo em relação aos bancos e aos juros que estão acabando com o sonho da casa própria, de ter um abrigo. Os bancos prendem as pessoas durante toda a vida delas, não permitem que elas saiam desse ciclo", afirmou Foster, permitindo uma triste analogia com o que acontece também no Brasil. "É um sistema insustentável que está arruinando comunidades. É isso que o filme mostra e os Estados Unidos têm uma longa história de tomar as coisas que não lhes pertencem."
Diante desta situação, o ator demonstra uma certa compreensão dos atos promovidos pelos protagonistas, que decidem assaltar agências do banco que está lhes cobrando juros e mais juros devido à hipoteca da fazenda da família. "Por outro lado, o filme também apresenta um caminho para as pessoas que desejam encontrar sua própria forma de justiça. Então, não acho que esta seja uma investigação pessimista do lugar em que os EUA estão no momento. Espero que não seja."
UM FILME DO TEXAS
Não é exagero dizer que A Qualquer Custo seja uma espécie de "Texas way of life", com características muito particulares que refletem o pensamento de uma América profunda, pouco afeita a metrópoles multiculturais do porte de Nova York e Los Angeles. "O Texas poderia ser um país em si", afirma Ben Foster. "Nem todo mundo é o cara do cigarro Marlboro e nem todos os estadunidenses vão para a Europa e são rudes, não somos todos assim. Mas existem esses homens duros no Texas e nos estados do sul, que são o sal da terra. Os Texas Rangers realmente existem e as pessoas realmente estão perdendo suas casas, realmente estão tentando proteger suas famílias. São questões reais. E esses homens fazem isso porque são assim. Foram reduzidos a isso."
Para Chris Pine, o ponto chave foi entender a paisagem local. "O roteiro me deu essa imagem: dois homens sentados em uma varanda, observando a paisagem. É uma coisa bem estadunidense. O filme não é exatamente estadunidense; é sobre irmandade, sobre comunidades reais e homens estoicos que sentem muitas coisas, mas que não sabem como comunicar o que sentem."
Foster, que resolveu passar algum tempo no Texas para se preparar para o filme, chamou a atenção também para o humor presente no roteiro. "Taylor Sheridan é um roteirista muito texano, de humor muito seco. Ele tem um ouvido muito bom para capturar esse tipo de humor, esse diálogo texano. Hoje em dia, ao meu ver, ele é incomparável neste ponto. Há um diálogo em que Toby pergunta a Tanner como ele conseguiu ficar tanto tempo fora da prisão e Tanner simplesmente responde que foi difícil. Esse tipo de diálogo é muito simples, mas conta a história. Isso é muito texano. 'Foi difícil'. Esses pequenos pedaços de frase me inspiram. E, no papel, se você não conhecer os homens que falam assim, esses diálogos podem parecer simples demais."
"Para mim, esses caras parecem estar empoeirados o tempo todo. Eles parecem ser parte do cenário, da terra. A cor deles é marrom por mais da metade do filme", complementou Pine.
CONSTRUINDO PERSONAGENS
Em meio a uma ambientação tão marcante, os atores buscaram também se apegar aos detalhes de comportamento dos personagens. "Toby foi escrito como um homem quieto, conciso. Consigo vê-lo sentado em uma cadeira na varanda durante horas e horas olhando para o nada. Essas imagens me influenciaram muito, não saíram da minha cabeça", disse Chris Pine. "Além disso, sempre tive a sensação de que Toby foi uma estrela do time de futebol do colégio que acabou ferrando a perna. Nada nunca deu 100% certo. A vida dele é um ziguezague, ele vive em um ritmo lento e constante. Ele se parece com um espantalho empoeirado."
"Para este papel especificamente, tive que fazer pouca coisa", revelou Foster. "Sabia como o meu personagem se parecia e como ele se expressava no instante em que li o roteiro, porque Taylor Sheridan criou um retrato muito específico deste homem. Além disso, também passei algum tempo no Texas, então não era um mundo estranho para mim. Em relação à parte física, passei por um processo de treinamento muito, muito intenso baseado em beber cerveja e comer hamburgers. Foi difícil, mas tudo pela arte", brincou.
O SOTAQUE
Uma das características mais marcantes, de ambos os atores, é o sotaque carregado, típico dos sulistas. "O sotaque que encontrei, e do qual gosto muito, não é exatamente desta região, mas queria trazer esse sentimento do local, essa cadência", explicou Chris Pine. "Uso um sotaque que é de uma região que fica a mais de 160 km dos lugares onde o filme se passa, mas que se parece mais com o que eu queria trazer para o filme. Nós simplesmente aprendemos os sons e os colocamos para tocar em nossas mentes."
"Chris me apresentou o sotaque dele e comecei a trabalhar no meu a partir daí", complementou Foster. "Trabalho com Tim Monnick, um especialista em sotaques, há muitos anos. Ele gravou muitas coisas, muitos sons, e começou a me enviar por e-mail. Quando você ouve e lê o que Sheridan escreveu, você percebe a musicalidade desse sotaque."
DINÂMICA DA PRODUÇÃO
Tanto Chris Pine quanto Ben Foster conhecem bem o método de produção de blockbusters. Afinal de contas, Pine é o capitão Kirk da atual fase da franquia Star Trek e Foster já esteve em filmes como Warcraft e X-Men - O Confronto Final. Qual é a diferença de filmes deste porte, com muito dinheiro envolvido, em relação a projetos independentes como A Qualquer Custo?
"Uma produção como essa é muito mais dinâmica. A equipe é menor, o orçamento é menor, o tempo é menor; então, nós precisamos filmar rápido", explicou Chris Pine. "É divertido, produz muita adrenalina e nos obriga a fazer as escolhas rapidamente, o que é interessante. Pode enlouquecer as pessoas, deixar todos muito tensos. Mas a ansiedade existe em qualquer projeto. Mesmo quando você tem muito tempo ou dinheiro, você nunca pensa que tem tempo ou dinheiro suficientes."
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