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    "Eu ouvi assim: 'Falar de travesti velha pra quê?'", diz Leandra Leal na Mostra de Tiradentes 2017

    Junto com Helena Ignez, outra homenageada da mostra deste ano, Leal falou sobre o documentário Divinas Divas, discutiu machismo na indústria do audiovisual no Brasil e deu conselhos para quem quer começar a fazer cinema.

    Após serem homenageadas na abertura da 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, as atrizes e diretoras Leandra Leal e Helena Ignez participaram de uma conversa com a imprensa onde falaram sobre suas carreiras, seus trabalhos recentes e sobre a mulher no audiovisual.

    Divinas Divas

    Durante a coletiva, Leal falou bastante sobre o documentário Divinas Divas, longa-metragem que foi sua estreia na direção e foi selecionado como filme de abertura da mostra. Ela explica que o filme levou sete anos para ficar pronto por ter sido difícil encontrar quem aceitasse patrocinar um filme sobre um coletivo de artistas travestis.

    "Fui super difícil levantar recursos para o filme. O Divinas Divas encontrou muita resistência para conseguir captação", contou Leal sobre o documentário premiado no Festival do Rio que acompanha o reencontro de oito transformistas que foram pioneiras no mundo do teatro entre as décadas de 60 e 70 e alcançaram o estrelato questionando uma série estereótipos sobre gênero e sexualidade. "Eu achava que o grande preconceito seria a questão de gênero e eu descobri que a velhice causa tanto ou mais resistência. Eu ouvi frases assim: 'Ah, se fosse um filme sobre travestis jovens e sexies seria mais interessante', 'falar de travestis velhas pra quê?'"

    Após conseguir fechar o orçamento do filme via leis de incentivo à cultura e financiamentos coletivos, Leal ainda levou um bom tempo para conseguir editar todo o material captado. Por um período ela conciliou sua agenda como atriz de TV e cinema com a montagem do filme, mas depois se dedicou apenas à pós-produção de Divinas Divas. "Eu tive um ano de imersão na montagem. Depois eu me afastei um pouco. Você tem 400 horas [de material], você tem que eleger o que te emociona, [o filme tem] oito personagens...", disse.

    Leal afirmou que entre as suas ifluências para o longa-metragem estão os trabalhos de Pedro Almodóvar, o clássico Cabaret ("um filme da minha infância, que minha mãe via muito", e os documentários Grey Gardens, Buena Vista Social Club ("tem o mesmo dispositivo de reencontro para uma comemoração") e Histórias que Contamos.

    A mulher no audiovisual brasileiro

    Outro tema abordado pelas duas foi a questão da mulher dentro na sétima arte. Helena Ignez, grande dama do cinema marginal, falou sobre como as coisas evoluiram desde quando ela começou sua carreira, há mais de 50 anos. "Hoje é infinitamente melhor. Estamos conseguindo pouquinho ainda, mas hoje é infinitamente melhor", respondeu Ignez ao ser perguntada se há menos machismo contra uma mulher artista do que quando ela começou sua carreira. "Não só no cinema, mas na sociedade em geral houve uma imensa revolução. Acho que as mulheres da geração passada passaram por uma revolução muito especial. Tivemos que nos reiventar porque nós também éramos machistas. Nossa geração era uma geração de mulheres machistas. Nossas mães eram assim. Eu acho que houve esse rompimento. Inclusive o desbunde ajudou com isso no Brasil. Os movimentos hippies, etc acabaram com essa hegemonia da família e pôde surgir esse papel dessa mulher nova."

    Ignez também lembrou de seu falecido marido e constante colaborador nos cinemas, o diretor Rogério Sganzerla (1946 - 2004), com quem trabalhou em filmes que serviram como palco para suas experimentações revolucionárias como atriz, como Copacabana Mon Amour, A Mulher de Todos e Sem Essa, Aranha. "Eu tenho que citar um rapaz de 20 anos, em 1968 ou 67, que disse numa entrevista que as mulheres estavam tomando uma atitude e que os homens estavam ficando pra trás. Elas estavam se aprofundando mais nessa consciência de si mesmas e social. Isso foi dito por Rogério Sganzerla. E por isso ele iria fazer a Mulher de Todos. Ele ia mudar o protagonismo. E com isso nasceu Angela Carne e Osso que não é exatamente uma mulher, é uma super-mulher."

    Ao ser perguntava sobre o que impedia que as narrativas sobre mulheres se desenvolvessem mais e melhor no cinema brasileiro, Leal disse que ainda falta representatividade em cargos além da atuação. "A grande coisa é que a grande maioria dos criadores brasileiros são homens. Isso por si só já alguma coisa."

    O que move Leal e Ignez

    Representando momentos e gerações distintas do cinema brasileiro, Leal e Ignez conversaram sobre o que as move enquanto diretoras. Ignez, que já é mais experiente nessa área e já dirigiu seis produções, entre longas e curtas, ficções e documentários, disse que sua motivação vem do ímpeto. "Eu acho que esse gesto artístico tem que vir mesmo dessa urgência. Ele deve existir quando é impossível deixar de fazer. Então é isso que temos que buscar."

    Leo Lara/Universo Produção

    Leal, que tem na carreira de atriz sua veia artística primária, afirmou que voltará para a função de realizadora caso pense em outro projeto com o qual se identifique num nível mais pessoal. "Acho muito difícil que chegue um roteiro [de outra pessoa] e eu vá dirigir. Quando eu começo a pensar em [fazer] outro filme [o que me guia] é sempre sobre uma motivação muito pessoal mesmo. Eu sou muito feliz como atriz. Sou muito realizada como atriz, então, para mim, dirigir sempre vai ser algo de ideias que eu não posso fugir", disse. "Eu penso em fazer filme de ficção, mas como uma hipótese. Eu não sei, na verdade", completou leal.

    Conselhos a uma jovem aspirante à cineasta

    As atrizes também tiveram de responder sobre os conselhos que dariam para uma mulher que deseja começar a carreira como cineasta. "Ver muitos filmes e participar ativamente do que está acontecendo. A informação é super necessária. [É importante que haja] Essa interação completa com a realidade, com o cinema, com a poesia, que ela queira se superar, se reinventar, reiventar o cinema", disse Ignez. "Eu sempre falo quando alguém pergunta 'Ah, o que é que eu tenho que fazer pra fazer cinema', eu digo: Ache sua turma. Eu acho que cinema é uma atividade de turma. Não de panelinha, eu estou falando de turma, de coletivo", comentou Leal.

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