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    Axé: Canto do Povo de um Lugar representa a "cultura rica do nosso país", afirma o diretor Chico Kertész (Exclusivo)

    O cineasta fala sobre preconceitos musicais e a importância do axé no cenário brasileiro.

    Chega nos cinemas esta quinta-feira, dia 19 de janeiro, o documentário Axé: Canto do Povo de um Lugar, dirigido por Chico Kertész.

    O projeto parte do nascimento do gênero até suas manifestações mais recentes. O diretor investiga os pais e mães do axé, o preconceito contra este estilo, sua evolução técnica e artística e o papel econômico na indústria musical brasileira.

    Para conversar sobre estes temas, Kertész reúne grandes nomes do cenário nacional: Caetano Veloso, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Netinho, Saulo, Bell Marques, Cláudia Leitte, Luiz Caldas, Sarajane, Ricardo Chaves, Xandy...

    Descubra a nossa conversa com o cineasta:

    Macaco Gordo / Rodrigo Maia

    Por se tratar de um grande período histórico, como selecionou o que entraria e ficaria de fora do documentário?

    Chico Kertész: Essa parte é a mais difícil. Primeiro eu fiz uma linha do tempo com as músicas. Peguei de 1983 até 2005 ou 2010, onde tem um ápice. Então fui estudando o que estourou, o que teve de repercussão naqueles anos, tanto na Bahia quanto no Brasil. A gente começou a fazer o roteiro através disso, selecionando. Mas ainda sim, o primeiro corte tinha três horas e meia de filme. Foi bem difícil selecionar o que fica e o que não fica - procurando o que mais teve de relevância para a história, tentando não deixar ninguém de fora, porque a ideia era realmente ter o registro daquela música.

    Foram umas 97 entrevistas. Claro que muita gente não entrou, mas procurei a verdade de como tudo tinha acontecido. Tive a sorte de todo mundo querer dar um depoimento e na minha opinião, todos foram muito sinceros. Sem muitas amarras e sem pensar muito no que falar ou se poderia incomodar alguém. Então dá para transparecer, principalmente no momento em que a gente fala da crise, que as pessoas têm ali as suas feridas. 

    Você adota uma linha histórica, mas decide não se aprofundar em questões sociais e raciais da música. 

    Chico Kertész: O meu foco era dar uma ambientação para o que acontecia historicamente. Isso é importante. Tem alguns episódios, até na própria crise, quando se fala dos negros, do candomblé. Esses tópicos existem, mas não são a proposta. A ideia era ter o recorte histórico dessa música que começou ali e vem até hoje com uma faixa no mercado importante.

    O filme também trata do preconceito em relação ao axé. Como você vê isso hoje? 

    Chico Kertész: Acho que existe ainda muito preconceito. A gente viu muito isso quando fizemos uma projeção de imprensa do filme. O pessoal foi com uma visão negativa e depois saiu dizendo que era bem legal e a história muito bacana. Mas existe sim esse preconceito com músicas de festa. As pessoas tendem a torcer um pouco o nariz. O filme tem a ambição de quebrar um pouco isso, e mostrar que essa música é importante, interessante e que vale a pena.

    Vejo o axé como um movimento cultural do Brasil que representa grande parte da nossa população, uma fatia boa dela. Agora, eu não deixo de ouvir Elis Regina, Chico Buarque, porque eu ouço Ivete Sangalo ou Saulo. E que acho importante também. É diferente. Eu ouço também as “guitarradas” do Pará. São representantes do nosso país, da nossa cultura tão rica.

    Macaco Gordo / Rodrigo Maia

    O preconceito pode se estender ao público do cinema?

    Chico Kertész: Na verdade eu não estou esperando ter uma bilheteria fantástica. Estava mais preocupado mesmo em fazer um trabalho honesto, que retratasse essa história. Acho que a gente conseguiu, então já fico muito feliz. Não tenho essa preocupação. É óbvio que quando a gente vê uma crítica ou outra, a gente pensa, mas não é uma coisa que preocupe.

    Quando você faz documentário no Brasil, já entra na desvantagem, porque o público não é tão grande. Mas a gente tem documentários maravilhosos. Eu amo esse último documentário sobre o Chico Buarque. Você tem Rogério Duarte, o Tropikaoslista. É preciso voltar um pouco e criar o hábito das pessoas assistirem documentários. Sou apaixonado por documentários e assisto bastante. É o que eu gosto, o que me interessa.

    Você acompanha também as cinebiografias fictícias da música brasileira? Como Elis, Cazuza, Tim Maia?

    Chico Kertész: Acompanho. Não é o que mais me interessa porque sempre fica aquém do que poderia ser. Prefiro quando a gente vai pra realidade, e aí não cabe tanta criação, sabe? E aí você protege mais a História. Eu sou mais jornalista nesse negócio. A não ser quando você faz um trabalho de pesquisa que dê a você uma realidade muito grande, o que é difícil fazer. Mas prefiro documentários.

    Quanto tempo levou a produção, desde o projeto de pesquisa até a finalização?

    Chico Kertész: Dois anos. Mas se não fossem os processos jurídicos, teria sido feito em seis meses. Eu tinha a intenção e a ambição de fazer em seis meses, mas foram dois anos. Foi um sofrimento. Esse processo de liberação de direitos autorais no Brasil é uma coisa muito dolorosa, e muitas vezes você fica refém de uma ou outra pessoa, esperando autorizar para contar uma história. Em outros países isso não funciona desse jeito. É preciso rever isso.

    As pessoas públicas deveriam ter menos direitos sobre a sua imagem. Porque o que não dá é ficar refém de um artista e da vontade dele para contar uma história. Nos Estados Unidos, por exemplo, você consegue acesso às obras e citar pessoas sem ter que pagar. Aqui não. É exatamente essa a evolução que a gente precisa ter. Nos Estados Unidos mesmo a gente vê programas que fazem brincadeiras com os presidentes, agora você imagina se isso fosse aqui no Brasil? 

    A gente não tem esse senso de humor e essa liberdade de expressão. Acho que isso tem que ser revisto até mesmo para poder fazer documentários melhores. 

    Você tinha uma relação íntima com o axé antes de fazer o filme?

    Chico Kertész: Eu já conhecia. A indústria é muito forte na Bahia. Eu nasci lá, fui com cinco anos para São Paulo, mas grande parte da minha vida eu passei lá e hoje moro lá de novo. Eu já conhecia os artistas, a indústria em si. Tinha uma proximidade, até então como espectador, mas agora eu fui contar a história. Com isso veio a responsabilidade praa estudar o tema.

    A gente fez tudo com investimento nosso e isso foi difícil e caro. Fiquei muito preocupado em lançar logo e por isso a gente atropela e vai fazendo da forma mais rápida. Isso às vezes acaba saindo mais caro. Então eu acho que esse foi o maior aprendizado: é preciso ter um planejamento maior. Mas para um primeiro filme a gente conseguiu se sair muito bem. Foi um resultado muito bom.

    Qual tem sido a reação do público nas pré-estreias e festivais de cinema?

    Chico Kertész: Muito boa. Nós agora vamos para Londres em fevereiro e em março para Nova York. Mas a reação tem sido maravilhosa. Há pouco teve a pré-estréia em São Paulo e foi ótimo. As pessoas dão risadas e ficam emocionadas. A música tem esse dom de transportar você no tempo. Eu até saí na vantagem por fazer um primeiro documentário musical.

    Todo mundo conhece o gênero. Talvez não gosta de uma coisa ou outra, mas conhece. Quando entra, por exemplo, Timbalada, tocando “Eu fui embora, meu amor chorou…” é lindo. Por mais preconceituoso que você seja, você se emociona com aquele momento. É como no início do filme a Ivete cantando uma das músicas mais lindas só na voz e violão. Quem é que vai dizer que isso é feio? Não tem como.

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