Com apenas 34 anos, Leandra Leal já faz parte do vida cultural brasileira há mais de duas décadas. Subiu aos palcos pela primeira vez aos 7 anos e aos 12 já brilhou nos cinemas com A Ostra e o Vento. De lá pra cá, foram vários os papéis marcantes na TV e no cinema. Agora, a atriz faz sua estreia na direção com o documentário Divinas Divas.
O filme fez sua estreia no Festival do Rio 2016. E o AdoroCinema conversou com a atriz, agora diretora. Confira o bate papo na integra:
Como surgiu a ideia de contar essa história e de estrear como diretora?
Eu sempre tive, internamente, um desejo de que talvez eu pudesse dirigir um filme. E sempre também, vários diretores com quem eu trabalhei me incentivavam e eu ficava com esse desejo secreto, e com o maior respeito pela função de diretor, que eu acho dificilíssima.
Mas Divinas é uma história que é da minha vida, que faz parte da minha história mesmo, do que me constitui. E quando eu comecei a pensar mais seriamente em fazer esse documentário, foi porque eu entendi também e percebi que era um tema que falava sobre mim, que para mim era muito importante como artista, como cidadã, e eu entendi também que pela relação que eu tinha com elas, eu acho que só eu poderia fazer esse filme assim desse jeito.
O que eu achei interessante é o jeito carinhoso com que você trata cada personagem. Como que foi essa preparação? Foi tudo muito espontâneo?
Eu queria muito que, além de promover o reconhecimento delas, para a história delas e delas como artistas, eu queria muito emprestar o meu olhar. Que talvez isso seja um choque para o espectador, porque foi um choque que eu tive quando era criança. Porque, para mim, era assim que era a vida. Depois que eu fui para o mundo que eu entendi que não era assim, as pessoas têm preconceito com isso, e eu queria muito mostrar como eu as via, como essas pessoas eram para mim. E eu entendi também que eu tinha que fazer um grande personagem, um recorte geracional. Então, eu fui entendendo o que cada uma tinha para acrescentar para esse grande personagem. O que cada uma tinha que complementasse a outra, e ao mesmo tempo, que fossem coisas que falassem ao meu coração, o que me emocionava de cada uma.
De certa forma, a gente vive hoje numa onda conservadora no país. Como é que foi tratar de um tema desse e de forma natural?
Elas começaram a carreira delas em um momento político pior, que é a ditadura, e elas não podiam sair na rua vestida de mulher durante o dia, mas elas podiam se apresentar em cena. E é muito curioso porque existia muito mais espaço naquela época para elas do que hoje em dia, e existe uma onda conservadora que quer cada vez mais marginalizar essas figuras e eu acho que é muito importante ter esse filme nesse momento para se refletir sobre isso, para poder se mostrar sem estereótipo essas pessoas, para ver realmente o lado bom de cada um, para quebrar preconceitos. Eu queria muito mostrar elas em cena, o talento delas, mas eu também queria muito mostrar isso: pessoas que se apaixonam, que têm relacionamentos, e que têm loucuras e têm a vida normal, como cada um de nós. Porque a gente tem muitos conceitos pré-concebidos sobre um travesti, e eu queria mostrar muito a complexidade de cada um.
É um filme sobre um grupo de mulheres, mas é um filme também muito pessoal seu, também um pouco sobre sua família, sobre o Teatro Rival. Como foi lidar com isso?
Eu acho que todo filme fala muito sobre o diretor, é o seu olhar. Mas quando eu comecei a fazer o Divinas, foi porque era um tema que falava muito sobre mim também, era um tema que me era muito valioso. E quando eu fui fazendo o filme, fui chegando no formato final, que eu estava ali meio que na beira (eu estava ali o tempo inteiro presente, mas ao mesmo tempo não, eu não tinha me colocado), eu resolvi me colocar no filme porque eu falei: “essa camada já está presente, eu vou me expor assim como elas estão se expondo”. Achei que era honesto.
O que te levou a trabalhar como diretora? Teve algo que te deu o que talvez a carreira de atriz já não te dava?
Na verdade, é algo que eu achava que poderia fazer, e o Divinas foi a minha primeira experiência. Eu me cerquei muito também de equipe, de amigos, e eu acho que isso também é uma função do diretor: escalar pessoas certas para fazer o filme. Mas, não, não foi nenhuma insatisfação. Eu acho que até o documentário, do jeito que eu fiz o Divinas, o que eu penso das coisas, é através do olhar do ator, porque o ator tem um olhar para o mundo de muita compreensão, de muita observação, de aceitação, de não julgamento. Então, eu acho que é um olhar meu como atriz. Eu acho que é até por isso que eu comecei a fazer o documentário.
Você também está no festival com a comédia La Vingança. Como foi?
Eu amei o La Vingança. Achei muito divertido, achei muito engraçado. Achei simples, leve, direto ao ponto, eu acho que fala muito à minha geração, de piadas, essas coisas... adorei. Esse é um projeto que eu conheço desde o nascimento dele, porque eu sou muito amiga de Jiddu (Pinheiro), que codirigiu com o Fernando, e acabei conhecendo o Fernando por causa do Jiddu, então acompanhei o nascimento do projeto e achei muito legal poder estar no projeto. E, hoje em dia, o Fernando é coprodutor do Divinas.
E você tem mais algum projeto em vista?
Tem dois filmes para serem lançados. Foi tão intenso esse último ano de montagem do Divinas. Fiz junto com a série Justiça. Fechar a montagem de um filme é uma coisa enlouquecedora, eu tinha muito material. Esse compromisso que o cinema tem com a eternidade é lindo agora que está pronto, mas até você fechar é um peso. Então, eu agora quero ficar de férias até o fim do ano. Sair com o Divinas, a gente vai para uma mostra em São Paulo, para o MixBrasil.
Quais os dois filmes?
O Rastro, que a gente ainda está montando, e O Rei das Manhãs, que acho que já está pronto.