Desde o primeiro dia, o Festival de Brasília tem sido palco de acalorados protestos, do onipresente "fora Temer" a críticas ao finado governo de Dilma Rousseff. Neste domingo, algo inusitado aconteceu: o diretor Cláudio Assis, três vezes vencedor do Festival de Brasília - Amarelo Manga, Baixio das Bestas e Big Jato -, repentinamente subiu ao palco para protestar contra o jornalista Marcos Petrucelli.
"Abaixo Petrucelli! Abaixo a censura!", bradou o diretor, como você pode conferir no snapchat do AdoroCinema (@adorocinema). Por mais que a organização do Festival de Brasília rapidamente tenha aumentado a música-tema do evento e desligado o microfone de Assis, a iniciativa logo ganhou o apoio de parte do público presente.
Os protestos contra Petrucelli têm a ver com a seleção de Pequeno Segredo para representar o Brasil no Oscar 2017 de melhor filme estrangeiro, derrotando Aquarius. Convidado a integrar o comitê de seleção, sua presença foi bastante questionada pelo fato de ter feito críticas nas redes sociais ao diretor Kleber Mendonça Filho, quando Aquarius foi exibido no Festival de Cannes.
Em sua página no Facebook, o jornalista fez um breve comentário sobre os protestos do público, que têm surgido já há alguns dias nas sessões noturnas do evento.
Hoje é dia de curta!
No Festival de Brasília, são exibidos um ou dois curtas antes de cada longa-metragem da mostra competitiva. Até então, o nível apresentado era de regular para baixo - com exceção do bom Estado Itinerante, muito graças à bela atuação de Lira Ribas. Pois neste domingo, de uma só tacada, foram exibidos os três melhores curtas da seleção (até agora). E um deles é também o melhor filme de todo o Festival de Brasília!
O primeiro deles foi Procura-se Irenice, dirigido por Marco Escrivão e Thiago B. Mendonça, que integra o projeto Memória do Esporte Olímpico, patrocinado pelo canal ESPN. De fundo jornalístico, o documentário investiga a história por trás de Irenice Maria Rodrigues, atleta negra dos 800m que, durante as Olimpíadas do México (1968), foi obrigada a retornar ao país sem competir como retaliação da ditadura militar. Bastante incisivo, o curta desvenda como Irenice foi prejudicada, não apenas na carreira mas também em sua vida pessoal, e teve sua trajetória "apagada" do registro do esporte nacional, para que não servisse de "exemplo de insubordinação".
Primeiro filme produzido pela Escola de Cinema do Maranhão, o curta Bodas de Papel surpreende pela coragem e transgressão. Dirigido e estrelado por Keicy Martins e Breno NIna, o protagonista de O Último Cine Drive-in, o longa acompanha uma situação tensa entre um homem que pediu uma pizza e uma entregadora - e mais não deve ser dito, para não estragar a surpresa. Ao término da exibição, o curta recebeu aplausos e também vaias, dividindo opiniões.
Entretanto, o melhor da noite foi o brilhante Demônia - Melodrama em 3 Atos, dirigido por Cainan Baladez e Fernanda Chicolet. Absolutamente surpreendente, o curta parte de um início tradicional para, a cada nova etapa, avançar de forma cada vez mais surtada, se inspirando nas linguagens utilizadas em programas televisivos populares e também pela própria internet - leia-se memes. Vinícius de Oliveira, o Josué de Central do Brasil, integra o elenco.
Decepção nos longas
Se os curtas surpreenderam, o mesmo não pode ser dito em relação aos dois longas da mostra competitiva. O primeiro exibido foi Vinte Anos, documentário dirigido por Alice de Andrade (O Diabo a Quatro), que retorna à Cuba após o período do título para reencontrar alguns dos casais por ela entrevistados em Lua de Mel, por ela dirigido em 1993.
Por mais que seja um longa bem intencionado e com um claro viés afetivo de sua diretora, há vários problemas conceituais em torno de Vinte Anos. A começar pela completa inexistência de justificativa sobre o porquê de apenas três dos 10 casais do longa original serem abordados nesta nova produção. Além disto, as seguidas visitas anuais inviabilizam o próprio título do filme, já que o reencontro teve início bem antes dos tais vinte anos.
Entretanto, o maior problema do documentário é a ausência de novas informações acerca das tais famílias apresentadas, ao menos que justifiquem a realização de um longa-metragem. Após a devida apresentação de cada uma delas, o longa se contenta em apenas apresentar cenas gratuitas de seu dia a dia, sem maior profundidade nem retratando a proposta anunciada sobre as mudanças que estão por vir após a reaproximação do país com os Estados Unidos. Por mais que seja interessante por acompanhar o estilo de vida em Cuba, nada acrescenta em relação ao que já era conhecido sobre a terra de Fidel.
O segundo longa da noite foi o "suspense" Malícia, produção situada em Brasília dirigida por Jimi Figueiredo (Jogo da Memória). Com um elenco de nomes conhecidos, como Vivianne Pasmanter, Marisol Ribeiro e João Baldasserini, o longa apresenta a história de um golpe via internet aplicado no dono de um restaurante, que enfrenta problemas financeiros e também no casamento.
Há pouco o que salvar em Malícia. Com diálogos artificiais e uma narrativa extremamente óbvia, já que os enquadramentos anunciam o que está por vir, o longa tenta criar mistério a partir de uma ameaça virtual extremamente simplória. Por mais que apresente subtramas de forma a teoricamente potencializar o suspense, nenhuma delas consegue de fato transmitir alguma tensão ao espectador. Súbitas variações de humor e a ausência de aprofundamento sobre quaisquer dos personagens, aliada a sequências gratuitas já perto do final, complementam este que é, de longe, o pior dos filmes exibidos na mostra competitiva do Festival de Brasília.
*O AdoroCinema viajou a convite do Festival de Brasília.