Na treta Aquarius Vs. Pequeno Segredo na real disputa pela indicação do título brasileiro merecedor de representar o país na concorrida corrida por uma vaga no Oscar de filme estrangeiro, o segundo se deu melhor. O argumento de Luiz Alberto Rodrigues, membro da comissão responsável pela escolha que fez o anúncio, foi o de que a decisão se baseou naquele que “teria maior potencial para seduzir o júri da Academia”.
Logo a imprensa trocou em miúdos e traduziu a frase como “aquele com ‘cara de Oscar’” – e, convenhamos, era disso mesmo que se tratava a alegação. Primeiramente, é preciso definir o que a expressão pode significar.
Embora não seja uma questão matemática, é possível, sim, traçar um perfil do que agrada a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Um drama de personagem, baseado em fatos reais, que traga uma história de superação, com uma mensagem edificante, embalado com um bom acabamento técnico... é um bom ponto de partida.
Com qualidade artística variada, é disso que se trata Joy - O Nome do Sucesso, Trumbo: Lista Negra, O Jogo da Imitação, A Teoria de Tudo, Livre, Selma: Uma Luta Pela Igualdade, Philomena, O Impossível , só para ficar em (poucos) exemplos dos últimos cinco anos.
Exibido no último Festival de Toronto, Lion (crítica aqui) segue a mesma linha e vem sendo apontado pela imprensa especializada como a grande chance do ano dos irmãos Weinstein – eles mesmo, produtores conhecidos pela fama de caça-Oscar – na próxima edição da premiação.
E, sim, finalmente revelado à imprensa – na exibição do filme, os celulares dos jornalistas tiveram que ser lacrados e guardados, prática rara para alguns casos de grandes lançamentos de blockbusters internacionais, inédita entre os nacionais – Pequeno Segredo veste a mesma roupagem (crítica aqui).
Agora, o que é, o que é? Todos os filmes supracitados têm, além das características mencionadas no terceiro parágrafo? Com exceção da produção brasileira, são todos falados em língua inglesa (vale lembrar que o Oscar é, por definição, a festa do cinema falado no idioma de Shakespeare).
Recentemente, a jornalista brasileira Mariane Morisawa “desenhou”. Listou em sua página no Facebook os indicados (e vencedores) do Oscar de filme estrangeiro dos últimos cinco anos, de acordo com os festivais internacionais em que estrearam (a gente incluiu alguns). Vamos a ela:
2016
Filho de Saul (vencedor)/ Festival de Cannes
O Abraço da Serpente/ Festival de Cannes
Cinco Graças/ Festival de Cannes
Guerra/ Festival de Veneza
O Lobo do Deserto/ Festival de Veneza
2015
Ida (vencedor)/ Festival de Telluride
Leviatã/ Festival de Cannes
Relatos Selvagens/ Festival de Cannes
Timbuktu/ Festival de Cannes
Tangerines/ Festival de Varsóvia
2014
A Grande Beleza (vencedor)/ Festival de Cannes
A Caça/ Festival de Cannes
A Imagem que Falta/ Festival de Cannes
Omar/ Festival de Cannes
Alabama Monroe/ Festival de Berlim
2013
Amor (vencedor)/ Festival de Cannes
No/ Festival de Cannes
O Amante da Rainha/ Festival de Berlim
A Feiticeira da Guerra/ Festival de Berlim
A Aventura De Kon Tiki/ Festival da Noruega
2012
A Separação (vencedor)/ Festival de Berlim
Bullhead/ Festival de Cannes
Nota de Rodapé/ Festival de Cannes
Na Escuridão/ Festival de Telluride
O Que Traz Boas Novas/ Festival de Locarno
São, portanto, 25 títulos que não têm exatamente a tal “cara”, dos quais 14 (mais da metade) passaram pelo festival francês. Aquarius, como é sabido, foi selecionado para a competitiva de Cannes – e também exibido em Toronto. A informação, em si, não significa dizer que o longa-metragem de Kleber Mendonça Filho seja melhor – ou pior – do que Pequeno Segredo (vamos evoluir na discussão). É só diferente. (E viva a diversidade!)
Mas também há um efeito prático por trás desse levantamento. Uma carreira em festivais internacionais amplia a chance de um filme ser lembrado no Oscar por um fator bem simples de ser compreendido: visibilidade. Não à toa, a produção estrelada por Sonia Braga já conta com distribuição nos Estados Unidos - recurso que a obra de David Schürmann ainda não dispõe.
A Comissão Especial, formada por membros escolhidos pela Secretaria do Audiovisual, tem toda a liberdade, claro, para indicar a produção que bem entender. Mas precisavam dar uma justificativa com um pouco mais de corpo do que a “cara do Oscar”.