Na segunda noite da mostra competitiva latina, a produção boliviana Carga Sellada e a paraguaia Guaraní elevaram o nível em relação ao dia anterior. Mas o momento de maior apelo ao público foi a homenagem a José Mojica Marins, o Zé do Caixão.
O terror na cultura brasileira
Aos 80 anos de idade, sofrendo com problemas de saúde, José Mojica Marins não pôde comparecer ao festival gaúcho, mas foi representado pela filha, Liz Marins. Interpretando a personagem Liz Vamp, ela levou ao evento os traços do terror, tão importantes na trajetória do eterno Zé do Caixão.
Após assistir a uma retrospectiva com cenas de filmes, Liz Marins relembrou como seu pai foi rejeitado por produzir filmes de gênero, embora estivesse sempre representando a diversidade da cultura brasileira. Em vídeo gravado, o cineasta de À Meia-Noite Levarei sua Alma (1964), Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver (1967) e Inferno Carnal (1977) agradeceu pelo troféu Eduardo Abelin e defendeu a importância do terror no cinema nacional.
O moderno e o antigo
Guaraní, de Luis Zorraquín, foi apresentado pelo cineasta através de uma mensagem de teor político. Enquanto a maioria das produções são marcadas pelo coro "Fora Temer" nos palcos, o diretor relembrou conflitos políticos mais antigos, principalmente a guerra do Paraguai, descrita como "genocídio". O ator principal, Emilio Barreto, fez questão de se expressar em língua guarani antes de passar ao espanhol.
A produção aborda o conteúdo crítico com imagens poéticas e ritmo contemplativo. Através da jornada de um avô e sua neta, de um pequeno vilarejo paraguaio até a cidade de Buenos Aires, o filme faz um belo retrato sobre o conflito de gerações. Barreto desponta como forte candidato ao Kikito de melhor ator da mostra latina.
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O povo contra o governo
Carga Sellada, de Júlia Vargas-Weise, traz a trajetória de um pequeno grupo de policiais encarregados de transportar um conteúdo secreto - possivelmente material tóxico - através da Bolívia. Enquanto sofrem com a forte oposição do povo local, que não deseja ter a carga em suas terras, passa a questionar as próprias ordens que recebe.
A produção sofre com problemas de iluminação de captação de som, mas o roteiro engenhoso compensa as deficiências da imagem. A mensagem de desconstrução do poder, e a união de todos - policiais e civis - contra a autoridade do governo cativou alguns espectadores, mas soou esquemática para outros. O filme foi recebido com aplausos discretos.
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O minimalismo e o pop
Os curtas-metragens, novamente, apresentaram grande diferença de registros. A programação do festival tem apostado na união entre tramas sociais e tramas escapistas, entre o realismo e o pop, como foi o caso de Horas e Super OldBoy.
Horas, dirigido por Boca Migotto, acompanha um dia na vida de um mecânico à beira de uma estrada. Com a degradação econômica e mudanças nas rotas das estradas, ele consegue poucos clientes. Nelson Diniz tem bela atuação no papel principal, preenchendo os silêncios com trabalho seguro de corpo e de expressões. O curta possui alguns deslizes na continuidade da caracterização dos personagens e dos efeitos sonoros, mas o resultado é bastante positivo.
Super OldBoy, dirigido por Eliane Coster, é uma brincadeira de gêneros misturando animação e live-action, combinando cultura de super-heróis e figuras importantes do meio cultural brasileiro como Elke Maravilha, Jean-Claude Bernardet e Laerte Coutinho.
As improváveis aventuras do personagem principal são divertidas, mas o curta gira em falso. Por trás das colagens e do pastiche, a narrativa tem pouco a dizer tanto sobre as escolhas estéticas ou sobre as personagens em cena.
A quarta-feira, dia 31 de agosto, traz a primeira noite com a combinação de filmes nacionais e latinos. El Mate será o representante na competição brasileira, enquanto Campaña Antiargentina dá continuidade à programação latina.