Violette (Julie Delpy), uma mulher na faixa dos 40 anos de idade, sonha em encontrar um grande amor. Ela conhece o interiorano Jean-René (Dany Boon) e começa a sair com ele. O homem pode não ser o parceiro ideal, mas ele tem suas qualidades... Mas o filho adolescente de Violette, Lolo (Vincent Lacoste) não quer deixar a relação ir adiante, e inventa todos os planos possíveis para prejudicar o adversário.
Este é o ponto de partida de Lolo - O Filho da Minha Namorada, comédia francesa que já está em cartaz nos cinemas. O AdoroCinema conversou em exclusividade com Julie Delpy, que escreveu, roteirizou e atuou no projeto. Ela nos explica porque Lolo busca ser uma "comédia pura", comenta as influências francesas e americanas da história, e justifica porque o personagem Lolo, para ela, é mais um psicopata do que um garoto amoroso.
Você escreveu o papel de Lolo especialmente para Vincent Lacoste.
Julie Delpy: Sim, já pensei nele desde o início. Queria trabalhar novamente com Vincent, com quem já tinha trabalhado em O Verão do Skylab (2011). Mas esse não era o único ponto de partida. Eu queria igualmente falar sobre um casal de pessoas na faixa dos quarenta anos de idade, sobre as possibilidades da maternidade e as maneiras de se criar um filho hoje em dia.
Esta também é uma oportunidade de falar sobre a relação entre Paris e a Província?
Julie Delpy: A questão da Província é mais uma piada no filme, essa não era um tema importante para mim. Mas gosto da ideia de que os parisienses são tão arrogantes que, sempre que chega alguém de fora, essas pessoas são alvo de chacota. Na França, e principalmente em Paris, existe um meio muito esnobe - em especial no mundo da moda. Os parisienses são particulares, porque na França, apenas Paris é o centro da moda e das artes. Nos Estados Unidos, várias cidades representam esse ideal.
Outro tema que se sobressai em Lolo é a sexualidade feminina. As mulheres falam livremente de sexo e dos relacionamentos.
Julie Delpy: Mais do que deixar as mulheres falarem livremente, queria mostrar que elas também têm humor. Elas brincam com o tema, não por questão de liberdade, mas porque isso acontece na realidade. Bom, são certas mulheres, de um meio social específico, mas isso existe. As mulheres têm muito humor.
Em O Verão do Skylab, você trabalhava com quase vinte personagens em cena. Já Lolo tem três ou quatro personagens principais. Como ditar o ritmo cômico nestes dois casos?
Julie Delpy: São dois casos bem diferentes. Eu demorei bastante tempo com o Skylab, ele certamente é um filme eficaz no humor pela construção individual de cada personagem. Eu queria fazer uma grande história de férias em grupo, ao invés de uma comédia pura. Tinha que pensar muito bem como enquadrar, para caberem todos juntos, com seus estilos. Penso bastante na música: cada instrumento tem o seu momento e sua hora certa.
No início da minha carreira, eu era música, e isso determinou meus rumos como cineasta. Para mim, O Verão do Skylab era uma partitura com muitos instrumentos. Já Lolo é como a música de câmara, com um violoncelo, um violino... São poucos instrumentos. Meu pensamento se organiza desta maneira na comédia também. Tento encontrar um tema diferente em cada filme, e nesse caso eu me inspirei também das comédias americanas independentes de que gosto muito, com piadas marcadas e situações absurdas.
Descrevendo o seu método de trabalho, Vincent Lacoste disse que você não faz muitos ensaios, mas gosta de fazer várias tomadas até encontrar o tom certo durante as filmagens.
Julie Delpy: Bom, eu fiz um único filme em 35mm, e neste caso não fazia muitas tomadas porque a película custava caro demais. No caso do digital, acho um desperdício não fazer várias tomadas. Costumo filmar até os ensaios, peço para todos estarem bem concentrados. A maior parte dos ensaios que proponho são para cenas precisas do dia seguinte. No caso de O Verão do Skylab, treinei bastante com as crianças. No caso de Lolo, precisei ensaiar bastante a cena da briga de guarda-chuvas, para ver onde os personagens iriam, como seria o movimento. Neste caso, era obrigatório ensaiar.
Para ser sincera, o ideal seria ensaiar o máximo possível, muito antes das filmagens, mas nunca tenho tempo suficiente para isso. Acabo propondo uma leitura do roteiro, e depois afinamos os detalhes na hora de filmar.
Lolo me parece ter um ritmo e um tipo de humor bastante franceses, mas o tema da família é universal.
Julie Delpy: O tema, na minha opinião, é bastante francês. As pessoas se expressam de uma maneira muito francesa, com termos que fazem sentido na França. Por isso mesmo é difícil traduzir. Tenho a impressão de que Lolo funciona melhor com as línguas do sul da Europa do que no norte. Ele funciona bem em italiano, por exemplo, e em espanhol também é fácil de traduzir.
Já o ritmo do filme é mais americano, embora eu tenha desejado fazer um filme bastante francês. Isso era importante para mim neste caso: fazer algo tipicamente francês. Mesmo assim, acho que outras pessoas podem se reconhecer nesta história. A situação da mãe e da redescoberta do amor aos 40 anos pode ser pertinente a qualquer cultura.
Você pensou em referências precisas ao criar o personagem de Lolo? Ele poderia lembrar um jovem Tanguy [personagem famoso do cinema francês, um adulto acomodado que nunca sai da casa dos pais].
Julie Delpy: Engraçado, as pessoas falam isso, mas para mim Tanguy é um personagem gentil, e Lolo é o inverso, ele é um psicopata! É mais o caso de À Meia Luz (1944), o filme de George Cukor. Este garoto é perigoso, e não ama a própria mãe de verdade. Ele é a representação típica da nossa época. Vivemos numa época de psicopatas, cheia de pessoas interesseiras. Lolo não quer o melhor para a mãe dele, ele quer prejudicá-la. Ele é horrível.
A sociedade moderna onde vivo, em Los Angeles, é repleta de sociopatas: todos pensam no interesse próprio, são individualistas. As pessoas destroem o planeta, vários morrem todos os dias nos jornais, e isso não provoca nada em nós. Lolo representa isso para mim, algo que me dá muito medo. Nem todas as pessoas são assim, é claro, mas a sociedade tende ao egoísmo e à psicopatia. Basta ver a corrida eleitoral norte-americana.
Passamos a usar os métodos de guerra na nossa vida cotidiana. Cheguei a retratar isso, inclusive, com um personagem do meu filme La Comtesse (2009). A economia também se tornou um antro de sociopatia. E Lolo representa isso. Era importante para mim que esse garoto fosse doentio, mais do que apaixonado ou carinhoso.
Essa sociopatia vem principalmente com as novas gerações, então. No filme, a mãe de Lolo e o namorado dela não sofrem do mesmo mal.
Julie Delpy: Eles são diferentes, porque estão na neurose. Felizmente, nem todos são como Lolo, eu não faço generalizações! Mas conheço pessoas como ele. Bom, talvez eu trabalhe numa área em que existam mais sociopatas como ele, e acredito que devem ter muitas pessoas assim no jornalismo também. E na política, é claro. Muitos patrões são sociopatas. Em alguns meios precisos, isso se desenvolve bastante, né?