A cozinha do Centro Cultural e Esportivo Israelita Adolpho Bloch (onde funciona uma escolinha de futebol do Barcelona – sim, o clube catalão), na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, pegava fogo na última semana de junho. Bem, não literalmente.
Lá, enquanto as panelas exalavam o vapor de um menu preparado na hora (nada de truques), a cozinheira Suryellen segurava um bilhetinho, cujo conteúdo trazia os nomes dos companheiros de trabalho que, em tese, ela deveria conhecer de cor e bem salteado.
Porém, Suryellen, personagem de Thalita Carauta em Duas de Mim, nem sequer era mesmo... Suryellen, mas a cópia da aspirante a chef. Tudo porque a moça, trabalhadeira, um belo dia, comeu um “bolo mágico” (é a parte do “continho de fada”, segundo a atriz) e, para dar conta de todos os afazeres, desejou como recompensa um clone. Prato cheio para o pastelão – com o perdão do trocadilho – que resultou na cena que o AdoroCinema acompanhou.
“Eu não acredito na comédia que não tenha um embasamento na verdade. Aí é farsa”, contextualiza a diretora, Cininha de Paula, que escolheu Thalita porque “eu gosto de fazer comédia com comediante”.
“A Suryellen é recatada, bloqueada, medrosa, devido à vida que teve. A cópia é o alter ego, que vem para descaralhar – não sei como você vai escrever isso aí – tudo e, de certa maneira, dar um rumo na vida da Suryellen. Para melhor”, explica Carauta, na sagrada pausa para ao almoço.
Nada “cabeça”.
De fato, a vida de Ellen, como gosta de ser chamada, não é um pufe de pudim. De dia, faz quentinhas; de noite, lava pratos no “MontClair”, restaurante fino de Valentina (Alessandra Maestrini), enquanto dá vida boa para a mãe, Sonja (Maria Gladys), e para a irmã encostada, Sarelly (Leticia Lima). Tem até cena de despejo.
“A gente tem uma tendência a exagerar, quando fala de humor, mas é um filme com o qual a gente está preocupada com a sensibilidade. O humor vem a partir dessa situação humana em que a Suryellen se encontra, não o contrário”, Thalita relativiza. “Tem o lado da identificação com a luta”, concorda Cininha, que, por outro lado, avisa: “Esse lado ‘cabeça’, de análise sócio-política, não!”
Tirando a virgindade.
Thalita Carauta vem de um histórico de "coadjuvante que rouba a cena" (tanto em Lobo Atrás da Porta, quando nos longas S.O.S. - Mulheres ao Mar) e agora assume o papel de protagonista (com dupla jornada); já Cininha de Paula ostenta um loooongo currículo de atriz e diretora, sobretudo de infantis (Sítio do Picapau Amarelo) e comédias (Toma Lá Dá Cá), sempre para a TV e o teatro.
Duas de Mim, portanto, significa uma primeira vez para as duas, que também não tinham trabalhado juntas antes. “[Estamos] Tirando a virgindade, a gente está muito a fim uma da outra. Status: relacionamento sério”, é como a atriz define, brincando, o momento.
Sobre a pressão de sustentar um personagem principal, ela – que, até então, não estava pensando no assunto e, por causa da pergunta, resolveu rogar uma praga no AdoroCinema – sabe do desafio, mas se mostra tranquila. “Não dá para negar o fato de que a protagonista conduz uma história, então, é responsável pelo ritmo e a maneira como essa história vai ser contada. Quando eu estou em cena, procuro nem pensar nisso, senão eu nem me divirto”.
Já a diretora – que, durante muito tempo, pensou em comandar uma versão cinematográfica do infantil “A Menina e o Vento”, de Maria Clara Machado, que ela mesma adaptou para o teatro – credita a estreia tardia, que se deu por um convite da produtora Iafa Britz (da Migdal Filmes), à falta de tempo e ao “eu acho que não estava preparada”.
“Tem a hora para tudo na vida. Quando a gente calça um sapato largo, tropeça adiante. Se eu tropeçar agora é porque era para tropeçar. Mas não porque eu não tivesse preparada para isso”, argumenta, confiante.
“Quando [o produto] vai para uma tela grande, é outra história. Tem que tomar mais cuidado, a televisão é mais descartável – apesar de que hoje a TV é feita com cuidado cinematográfico. Não é que seja difícil para mim. A dramaturgia não é complicada, o que é complicado é a adequação a essa eternização do trabalho. Eu não podia imaginar isso até o Canal Brasil chegar. Eu fiz um filme, quando era novinha, em que aparecia pelada. E até hoje me veem pelada no Canal Brasil, então, isso é para sempre”.
É as mulheres, oba!
Além de produtora (mulher), diretora (mulher) e protagonista (mulher), Duas de Mim conta com o texto de uma... mulher (Carolina Castro, roteirista de Linda de Morrer). Mas, elas garantem, tudo não passa de uma feliz coincidência.
“O que rege meu emocional é a minha garganta. Então, se eu fico tensa, imediatamente fico rouca. Não tem razão nenhuma. Eu não sei se é porque tenho essa voz grave, um temperamento Yang [princípio masculino do Taoísmo], mas sempre sou convidada para dirigir coisas que não são femininas. Pelo contrário”, pigarreia Cininha.
“Na TV, eu fico reparando em colegas nossos, homens, e quando há uma mulher no comando, o comportamento é outro, até de questionar mais. Não falo desse filme, até porque a Cininha é bem firme, então, para bater de frente com ela, tem que ter colhão – não sei como você vai escrever isso aí”, denuncia Thalita.
Nasceu Burro, Não Aprendeu Nada, Esqueceu a Metade.
De volta à cozinha, Latino (sim, o cantor) segurava a batata quente de responder aos improvisos de Thalita, que nunca diz o texto da mesma maneira, à altura. No filme, ele interpreta um cozinheiro, interesse amososo de Ellen, que também é cover do... Latino. “Ia ter um ator bem conhecido fazendo o meu personagem e ela [Cininha] foi na minha casa me pedir para fazer”, comemora.
Improviso, aliás, parece ser a palavra de ordem dos bastidores de Duas de Mim. Cininha deu um jeito de homenagear o primo Marcos Palmeira na história, quando Zé (Nizo Netto, outro primo dela) convida Cacau (Priscila Marinho) para ir ao cinema assistir ao filme “Nasceu Burro, não Aprendeu Nada, Esqueceu a Metade”, estrelado por... Palmeira.
“Vamos botar o Marquinho, que faz mais cinema, no lugar do [outro primo, Bruno] Mazzeo. Esse é o nome real de um filme, numa tradução de mal gosto”, Cininha se diverte.
“A criatividade não acontece no controle”, filosofa Thalita Carauta.