Cannes, em 2016, foi diferente. E não me refiro à quantidade ou à qualidade dos filmes exibidos, mas ao evento como um todo. A sombra de possíveis ataques terroristas modificou não apenas a rotina de quem veio cobrir o festival, precisando se acostumar a revistas mais rigorosas ou a guardas fortemente armados andando pelas ruas, mas também a quem simplesmente viria para a cidade no intuito de aproveitar as badaladas festas, que sempre giram em torno do evento. Resultado: a cidade esteve menos cheia que o habitual, algo que se podia perceber especialmente nos finais de semana e ao término das sessões noturnas.
Em relação aos filmes, Cannes 2016 também foi um evento incomum. Com uma seleção bastante irregular na mostra competitiva, poucos foram os grandes filmes e muitas as decepções. Não foi à toa que o índice de vaias foi bastante elevado para o padrão do festival, com três competidores da Palma de Ouro recebendo apupos a plenos pulmões (The Neon Demon, Personal Shopper e The Last Face), e outros dois precisando dividir espaço com aplausos (Juste la Fin du Monde e Toni Erdmann, na segunda sessão para a imprensa). Demonstração precisa do quanto os títulos selecionados dividiram opiniões.
Curiosamente, o inverso aconteceu na mostra Un Certain Regard. Com uma seleção apostando em diretores (ainda) pouco conhecidos, a segunda mostra mais importante do evento trouxe um frescor revigorante em filmes como o egípcio Clash, o russo Uchenik, o americano Captain Fantastic e a animação franco-japonesa The Red Turtle. Todos são melhores que, pelo menos, metade da mostra competitiva. O japonês After the Storm, dirigido pelo já premiado Hirokazu Koreeda (Pais e Filhos), também merecia ser promovido à disputa pela Palma de Ouro.
Outra mostra que merece destaque é a paralela Quinzena dos Realizadores, que demonstrou força ao exibir Neruda, de Pablo Larraín, e os novos filmes de Marco Bellocchio e Alejandro Jodorowsky - Sweet Dreams e Poesia Sin Fin, respectivamente. Todos muito elogiados por quem conseguiu uma brecha na agenda para assisti-los.
Quem também brilhou no festival deste ano foi o cinema brasileiro. Seja com Aquarius, por muitos apontado como o melhor filme da mostra competitiva, ou com os premiados Cinema Novo (prêmio L'Oeil d'Or de melhor documentário) e A Moça que Dançou com o Diabo (menção especial na mostra competitiva de curtas). O protesto de Kleber Mendonça Filho e sua equipe contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, no tapete vermelho da sessão de gala, ganhou destaque mundo afora, resultando em uma enxurrada de questionamentos da imprensa internacional aos jornalistas brasileiros que cobriram o evento. Por outro lado, opositores ao antigo governo deram início a um boicote a Aquarius, mesmo sem sequer terem avaliado o longa-metragem. A História já deu suficientes exemplos do quão perigoso pode ser o cerceamento de ideias.
Por mais que a Palma de Ouro entregue a Ken Loach por seu I, Daniel Blake seja justa, devido à qualidade do longa-metragem e a retomada do viés esquerdista e humanitário que norteou a melhor fase de sua carreira, o júri comandado por George Miller foi tema de muitas críticas, ao ponto de ser vaiado tão logo se apresentou para a coletiva realizada após a cerimônia de premiação. Prêmios entregues a Ma' Rosa, American Honey, Personal Shopper e Juste la Fin du Monde provocaram vaias e risos sarcásticos na sala de imprensa, ainda durante o anúncio dos premiados.
Em relação ao AdoroCinema, em 2016 trouxemos novidades. Além das já habituais críticas e notícias diárias, com direito a vídeos e à cobertura das principais coletivas, tivemos o Snapchat como grande aliado. Através dele foi possível conferir, quase em tempo real, opiniões sobre os filmes exibidos e também curiosidades dos bastidores, possibilitando que nossos leitores conhecessem melhor como é a cobertura de um festival do porte de Cannes. Uma ferramenta preciosa que, cada vez mais, será utilizada pela nossa equipe nos eventos que estão por vir.
No mais, gostaria de agradecer a todos os nossos leitores que acompanharam e participaram da nossa cobertura ao Festival de Cannes, nos mais variados formatos e meios disponibilizados. Tenham certeza que, por mais trabalhoso e cansativo que seja, é com imenso prazer que nos esforçamos tanto para que você mantenha-se informado sobre o que acontece do lado de cá. Este é o dever do AdoroCinema, em todo lugar que vá!
Encerro agora a cobertura do Festival de Cannes 2016, alertando de antemão que ainda temos material inédito a ser divulgado, como críticas e entrevistas exclusivas. Se apenas voltaremos a Cannes em 2017, muitos serão os festivais em nossa agenda para este ano. A começar pelo Olhar de Cinema, em Curitiba, cuja cobertura ficará a cargo do nosso editor Lucas Salgado a partir de 8 de junho. Até lá!