Após o bem-sucedido Riocorrente, o diretor Paulo Sacramento está preparando seu novo longa-metragem, O Olho e a Faca. A história gira em torno de Roberto (Rodrigo Lombardi), empregado em plataformas de petróleo. Por causa do trabalho, fica muito tempo sem ver a esposa (Maria Luísa Mendonça) e o filho pequeno. Quando é promovido, sua rotina muda, e ele se envolve com outra mulher.
O AdoroCinema foi convidado a visitar um dia de filmagens em São Paulo. Num grande apartamento do centro da cidade, a numerosa equipe gravou um dos momentos em que Roberto volta para casa, encontra a esposa conversando com uma amiga (Simone Iliescu) e oferece um presente ao filho. A cena, aparentemente simples, esconde a complexa coordenação do diretor com a equipe: Sacramento estava atento a cada detalhe da direção de arte e fotografia. Perfeccionista, o cineasta pedia várias tomadas para afinar o trabalho dos atores.
Conversamos com Sacramento e Lombardi sobre o projeto:
Por que as plataformas de petróleo?
Paulo Sacramento: "Não tinha nenhuma intimidade com o tema, só curiosidade. Desde a época do pré-sal, todo mundo fala de petróleo, mas de modo muito raso. Então pesquisei um pouco, falei com petroleiros. Aprendi que eles ficavam 14 dias na plataforma direto, depois voltavam e descansavam durante 14 dias. Comecei a fazer algumas viagens em cidades como Macaé, que funcionam em torno da questão do petróleo. Achei que seria um belo plano de fundo.
Mas o filme não é sobre petróleo, é sobre um cara comum que trabalha numa empresa, vai ganhar uma promoção, o que muda a vida dele. Isso poderia se passar em vários lugares, mas a plataforma me trouxe uma riqueza visual interessante, algo poético pela questão de tirar a riqueza de dentro da terra, ou de dentro de si mesmo, no caso do personagem. É uma questão de dimensões também, porque você chega na plataforma, e ela não passa de um ponto no oceano. Mas quando se pousa nela, parece um lugar gigantesco. Dependendo da maneira como se enxerga, as coisas são melhores ou piores".
Rodrigo Lombardi: "Conforme fui lendo o roteiro, me identifiquei em vários aspectos. O personagem não tem nada a ver comigo, mas o espírito é o mesmo. Tive vários encontros com o Paulo Sacramento, vi os filmes dele. Conversei com os amigos, que me incentivaram a aceitar o projeto, porque ele é incrível, e montou os filmes de todo mundo. Muitos roteiros chegam na minha mão, e não aceito quase nenhum. Fiz apenas o da Bruna e do Ricceli, que era algo totalmente novo, pelo qual eu queria passar. Agora veio o Sacramento, com uma loucura um pouco mais cartesiana, controlada".
Preparação para o papel
Paulo Sacramento: "Conheci o Rodrigo Lombardi há pouco tempo, porque não assisto muita televisão. Ele vem emendando uma novela atrás da outra há 10 anos, e eu precisava de alguém que fizesse um mergulho profundo. O Rodrigo se apaixonou pelo projeto, e é uma das pessoas mais dedicadas que eu conheço. Para a pesquisa, fizemos um curso para ir à plataforma, de cinco dias, oito horas por dia. O curso envolve primeiros socorros, combate àaincêndio, sobrevivência caso um helicóptero caia no mar... Os trabalhadores de plataforma têm que passar por esse ensinamento".
Rodrigo Lombardi: "O Paulo já me trouxe uma pesquisa pronta, e depois teve esse curso. Fui me alimentando disso, do depoimento de petroleiros desempregados, daqueles que estão tentando essa carreira, porque acreditam ser o emprego do futuro... É uma solidão existencial, que existe mesmo que você esteja cercado de centenas de pessoas. Com o personagem, tudo começa bem controlado, com a vida na plataforma. Então o equilíbrio se perde ao longo dos anos. É disso que estamos falando. Não é preciso tomar uma atitude para que a sua vida saia do controle. Ela sai sozinha".
Trabalhando com o elenco
Paulo Sacramento: "Eu só dirigi dois longas, estou dirigindo o terceiro agora, mas como montador, já montei mais de dez longas. Como montador, sei que você usa ou o primeiro take, ou usa o último. Se tem dez takes, dificilmente você usa o sexto, por exemplo. É o primeiro ou o último: ou dá certo logo de cara, ou você vai trabalhando, trabalhando, até chegar no ponto que você quer. Estou descobrindo uma minúcia nesse filme, porque é uma produção maior, e tenho mais tempo para afinar essas questões. O Rodrigo reage muito à direção, e a Maria Luísa Mendonça também. É gostoso dirigir, conduzir os atores pelas nuances. Meu filme anterior era muito radical; este tem mais caminhos.
São filmes muito diferentes e muito parecidos. O Olho e a Faca também tem uma maneira de olhar o mundo, um estranhamento muito meu. Mas ele é diferente por ser muito mais narrativo. Isso vem da experiência de narrador: trabalhei com cineastas mais radicais como Sérgio Bianchi, e com outros mais narrativos, como Anna Muylaert e Laís Bodanzky. Este tem começo, meio e fim, todo mundo vai acompanhar facilmente, mas ele é meio turvo. É um projeto autoral. Acho que eu não funcionaria como diretor contratado".
Um diretor montador?
Paulo Sacramento: "Não pode ser o montador que está dirigindo o filme, senão não dá certo. Mas é claro que existem elementos que nem preciso pensar racionalmente, porque já sei que dão certo depois na montagem, ou que serão necessários depois. Na hora de dirigir, não posso pensar de onde estou cortando e para onde. Desta vez, trabalho com storyboard do início ao fim, mas no set de filmagem, as coisas sempre mudam um pouco. Não posso filmar só o que vou precisar, é necessário ter material de sobra, e versões diferentes da mesma cena. Longa-metragem é uma receita complicada, não é à toa que alguns diretores fazem grandes filmes e depois erram. Às vezes toda a preparação não basta".
Rodrigo Lombardi: "O Paulo é muito inteligente, capaz de falar para você sobre Nietzsche enquanto toma chope, tranquilamente. A gente se apoia muito um no outro. Entrei nesse processo confiando muito nele, no que ele está vendo na lente. Nós não medimos palavras para falar um com o outro. Se ele me diz algo que é pura estética, eu tento oferecer o conteúdo. Se ele me fala apenas de conteúdo, eu puxo para o lado estético".
O título "O Olho e a Faca"
Paulo Sacramento: "É um título forte, violento. Se a pessoa for cinéfila, pode pensar em Um Cão Andaluz. Mas a interpretação é aberta. A intenção é lançar não apenas no circuito de arte, mas também no circuito comercial, então funciona como um título provocador. A porta de entrada já é diferente. Mas também é um filme sobre o olhar. Apesar da história sobre o petroleiro, existe a questão poética sobre o aprendizado do olhar. O personagem começa a história com a vista perfeita, mas a visão se degrada ao longo do filme. Isso ocorre de maneira metafórica também: ele não enxerga mais o que acontece, está sempre atrasado. Gosto do título que remete ao olhar".