Enquanto os realizadores do pernambucano O Imperador da Pedra do Reino, documentário sobre o escritor Ariano Suassuna, conclamavam contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha; os conterrâneos responsáveis por Minha Geladeira Acha que É um Freezer (ambos da competitiva local de curtas-metragens) chamavam a atenção para o tratamento dado ao patrimônio público local – em especial o que chamaram de “descaso” com o Teatro do Parque e Teatro Apolo –; ao passo que, oportunamente, a sátira política O Prefeito, de Bruno Safadi (Rio de Janeiro), entrava para a disputa de melhor longa.
É inegável, o discurso político dominou a pauta da segunda noite do Cine PE, no Cinema São Luiz, na noite dessa terça-feira.
Protagonizado pelo ator Nizo Netto, filho do comediante Chico Anysio que ficou eternizado como o Seu Ptolomeu da “Escolinha do Professor Raimundo”, O Prefeito conta a história de um megalômano administrador da cidade do Rio de Janeiro que faz de tudo para entrar para a história – inclusive tentando emancipar o munícipio do restante do país. (Crítica aqui).
“Política se faz 95% no presente, 5% no passado, e foda-se o futuro”, diz o personagem em uma passagem do filme, que suspende a realidade e coloca o político despachando de um gabinete ao ar livre no meio dos escombros das obras na região portuária da cidade. “O filme pensa o Rio tanto como cartão postal, quanto pela falta de memória. É o clichê do político que, quando entra para o poder, destrói para
construir tudo de novo, sempre em nome de uma cidade que vai ficar melhor, e esse melhor nunca chega”, contextualiza o diretor.
Qualquer semelhança com o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, não é mera coincidência, Safadi assume. Além de citar, em cena, plataformas do governador da cidade, como o restauro de regiões de interesse histórico e o investimento na malha cicloviária, na entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira, ele também bebeu do estigma de que o político do PMDB é “um cara grosso e histérico com os funcionários”. Como consequência, o personagem de Nizo não hesita em atirar objetos nos subalternos.
“O Prefeito vai me dar a oportunidade de mostrar um lado [dramático] que as pessoas ainda não conhecem do meu trabalho”, acredita o ator protagonista, de 52 anos. “Mas a produção dialoga com as chanchadas, com o próprio Justo Veríssimo [personagem que é uma caricatura política] do meu pai”, completa.
Mais política.
Ainda pela competitiva de curtas, porém de âmbito nacional, o tom não foi diferente. Foram exibidos o musical (!) capixaba +1Brasileiro, que traz o veterano ator Charles Fricks na pele de um motorista de táxi que tem que rebolar (metaforicamente) para pagar as contas e realizar o sonho da filha; e This Is Not a Song of Hope, sobre três personagens que se encontram no Recife, na época atual: “uma arquiteta holandesa que estuda o passado colonial da cidade. Uma atriz ambiciosa que não suporta as restrições profissionais que a cidade impõe e um músico reconhecido que vive em constante melancolia e ódio pela
cidade”, contempla a sinopse divulgada pela organização do festival.
O realizador, Daniel Aragão (Boa Sorte, Meu Amor), atualmente radicado nos Estados Unidos, aparentemente por questões políticas, postou em seu perfil no Facebook: “Estou em exílio nos USA mas as obras continuam! Amanhã [03 de maio] no CINE-PE meu NOVO filme ‘This is not a song of hope’ (Esta não é uma canção de esperança) será exibido na competição de curtas do festival! (...) Quem quiser ver um filme ‘coxinha, fascista, machista, reaça e imperialista americanizado’, não perca essa oportunidade única na história do cinema pernambucano!!!”
Pernambucanas:
> Safadi revelou que fará um filme sobre o mito de Lilith, considerada a primeira mulher de Adão – bem antes de Eva –, vista por muitos como maldita, por outros, como um símbolo de empoderamento feminino. Com orçamento de R$ 2,7 milhões (o maior para um filme do realizador até agora), o longa-metragem terá a atriz portuguesa Maria de Medeiros na pele da protagonista. Dividida em duas partes, a produção começará na “Suméria, na parte judaica” da mitologia, e dará um salto no tempo para os dias atuais.
> Em tempo: o diretor também prepara uma continuação para Operação Sonia Silk e espera lançar, ainda em 2016, no circuito dos festivais, o experimental Histórias de um Vagalume que, baseado no livro “A Sobrevivência dos Vagalumes”, de Didi-Huberman, vai combinar ideias do pensador francês Guy Debord com o Carnaval do Rio de Janeiro (!)
> O Prefeito, para se ter uma ideia, custou “apenas” cerca de R$60 mil, sendo R$20 mil para rodar o filme, propriamente dito. “Os outros R$40 mil foram o meu salário”, brincou Nizo Neto na coletiva.
*O AdoroCinema viajou a convite do Cine PE