Um festival de cinema não se faz só com filmes. Mas com aporte financeiro também. Por isso, não deixa de surpreender que a abertura da 20ª edição do Cine PE, na noite dessa segunda-feira, 2 de maio, no Cine São Luiz, tenha sido tão enxuta - ainda mais considerando a efeméride das duas décadas de existência. Assim, a noite foi iniciada com um breve videoclipe dos patrocinadores, e seguiu praticamente sem discursos – poupando o público do enfado característico do tipo de evento.
A emoção se deu quando o homenageado, o ator Jonas Bloch, com mais de quarenta longas-metragens no currículo – incluindo aí o ainda inédito Vidas Partidas, que terá sua primeira exibição, fora de competição, no festival –, recebeu o troféu das mãos da própria filha. A atriz Debora Bloch apareceu sem avisar e agradeceu a educação recebida do pai, sobretudo a noção de que “a liberdade é o maior valor, o que só é possível com democracia".
Dá-lhe curtas.
Pelas mostras competitivas de curtas-metragens (local e nacional), o que se viu foi um resgate de importantes – e não tão conhecidas – figuras do meio artístico. Primeiro, com uma produção pernambucana Não Tem Só Mandacaru, de Tauana Uchôa, um simpático documentário (cujo título é autoexplicativo) que tem como foco o destaque que a poesia mantem no pequeno munícipio de São José do Egito. O registro é um olhar jovem, que recupera o trabalho do poeta Lourival Batista, o Louro do Pajeú, um sujeito (semi)analfabeto, de tiradas tão sarcásticas quanto inteligentes, para quebrar paradigmas a respeito do sertão. O filme foi fortemente aplaudido.
Depois, foi a vez do polivalente Walter Carvalho prestar sua homenagem. Ele realizou um documentário poético, nada convencional, de 26 minutos, sobre o artista plástico Paulo Bruscky. “Paulo Bruscky “ é um segmento de uma série que se pretende levar à TV e cinema sobre artistas locais, comandados por Carvalho, Beto Brant e Claudio Assis (a cada um cabe o registro de um artista), sendo este último responsável pela direção geral.
“[O filme] Começa de maneira estranha, áspera, crespa. Não estranhem, que vai melhorando”, brincou Walter, que está na cidade para gravar Justiça, nova série de José Luiz Villamarim para a TV Globo, ao apresentar a produção. E ele tem razão. As primeiras imagens, justapostas, de Bruscky no mesmo plano, com o áudio fora de sincronia, incomodam. Mas evoluem para uma linguagem poética e tocante, que não tem a pretensão de se anunciar como tal.
Muito circo, pouco espetáculo.
A noite seguiu com a exibição do primeiro longa em competitiva, a ficção Por Trás do Céu, dirigida pelo artista plástico Caio Sóh, de São Paulo, com um elenco global que inclui Nathalia Dill, Emílio Orciollo (também produtor), Paula Burlamaqui e Renato Góes – todos presentes para a exibição.
De quebra, o que se viu foi a confirmação da tendência “lúdica” anunciada pela curadoria. Tendo um sertão fictício como cenário, a produção narra a tragédia de Aparecida (Dill), uma garota sonhadora (no limite da infantilização), que tem a sua vida alterada depois de uma tragédia, mas que, mesmo assim, não perde a capacidade de “sonhar”. Superestilizado na linguagem (misture muitos panos, sucatas, cumbucas e uma tartaruga alada com papel alumínio), o filme despertou a simpatia da plateia nos momentos mais cômicos, sobretudo as aparições capitaneadas por Micuim (Renato Góes), uma espécie de saltimbanco falastrão e carismático. Com um roteiro fraco e irregular, no entanto, o resultado final é muito circo, para pouco espetáculo.
Pernambucanas:
> O cineasta pernambucano Kleber Mendonça não estava presente, mas recebeu uma vigorosa salva de palmas pela vaga conquistada na mostra competitiva da próxima edição do Festival de Cannes, com Aquarius.
> Walter Carvalho pisou no palco do Cine São Luiz o chamando de “cinema catedral”. “Dá até vontade de rezar para os santos do cinema”, reverenciou o cineasta, que é natural da Paraíba.
> Carvalho, aliás, que, em momentos distintos na conversa com a imprensa e o público, fez questão de reafirmar sua admiração por Claudio Assis, chamou o diretor pernambucano de “boneco de Vitalino”. Mas ele não se referia à aparência de Claudio (não só, pelo menos), e sim à “onipresença” e comprometimento profissional de Cláudio, “que brota da terra”.
> Um trechinho da poesia de Louro do Pajeú, em Não Tem Só Mandacaru: “É muito triste ser pobre; / para mim é um mal perene…/ trocando o ‘p’ pelo ‘n’, / é muito alegre ser nobre;/ sendo ‘c’, é cobre / cobre, figurado, é ouro / botando o ‘t’, fica touro / como a carne e vendo a pele / o ‘t’, sem o traço, é ‘l’ / termino só sendo Louro!”
*O AdoroCinema viajou a convite do Cine PE