Nos últimos tempos, o AdoroCinema tem feito questão de debater temas importantes do mundo do audiovisual, principalmente aqueles ligados à representatividade. Além de cobrirmos todo o debate sobre o #OscarsSoWhite, escrevemos uma coluna sobre o preconceito contra minorias em séries de TV e questionamos: Qual é o problema de um James Bond negro?
Pois bem, na última semana o debate da representatividade voltou a ganhar força em Hollywood com a divulgação da primeira foto oficial de Scarlett Johansson como a Major de Ghost in the Shell. Fãs do mangá, atrizes asiáticas e até o escritor dos quadrinhos originais criticaram a escolha. "Ghost in the Shell, enquanto apenas um filme, é um pilar na mídia asiática. Não é simplesmente um thriller sci-fi. Não para mim, não para muitos outros. (...) Ghost in the Shell é por herança uma história japonesa, não universal. Esta escalação não somente apaga os rostos asiáticos mas remove a história de seu tema principal", reclamou o autor Jon Tsuei.
Foram muitas reclamações, mas, ao mesmo tempo, uma breve lida nos comentários do site ou do Facebook, apresenta vários leitores com aquelas já tradicionais respostas de redes sociais: "É muito mimimi", "o mundo tá ficando muito chato", "esse politicamente correto é uma merda", "o que importa é o talento" etc.
Seguem algumas reações de leitores no post sobre Ghost in the Shell no Facebook:
"Essa patrulha do bom senso está ficando mais preconceituosa que qualquer racista, machista etc... Respeitem os atores e atrizes bando de retardados.";
"Pqp.. geração de retardados mimizentos, coloquem uma coisa na cabeça: o filme vai ser uma ADAPTAÇÃO. AMERICANA.";
"Ai gente q povo chato.. vê preconceito/racismo em tudo. Parem de mimimi, parem de distorcer as coisas. Talvez esses termos sejam assuntos tão revoltantes ainda, pq algumas pessoas criam na cabeça q certas coisas ou situações são racismo/preconceito. Sejam menos literais ao extremo. Sejam mais leves. E parem de ser levianos. Parem de ser chatos. O mundo agradece!!!";
"O rosto japonês é pouco expressivo e é até por esse motivo que os personagens de anime tem olhos grandes, para que as emoções possam ser melhor expressadas pelos desenhistas. A escolha da atriz não tem nada a ver com raça. O pessoal hoje olha o céu diz que ele é vermelho e se alguém vier dizer a mais pura verdade, de que o céu é azul, fica terrivelmente ofendida. Tá chato, tá chato mesmo a cada dia que passa."
E por aí vai...
Outra produção recente que entrou na polêmica foi Doutor Estranho, com Tilda Swinton assumindo o papel do Ancião, personagem originalmente asiático. Por outro lado, o longa escalou Chiwetel Ejiofor como Barão Mordo, originalmente branco. No final do ano passado, o produtor Kevin Feige já havia defendido as escolhas da Marvel: "Nós nunca temos medo de mudar. Nos quadrinhos Jarvis é um mordomo idoso. Nos filmes ele é um sistema de inteligência artificial que se torna o Visão de Paul Bettany. Nós sempre procuramos maneiras de mudar as coisas. Eu acho que se você olhar para algumas versões do Ancião nos quadrinhos verá que elas são o que nós consideraríamos, hoje em dia, estereotipadas. Essas versões antigas não se sustentam no que funcionaria hoje. Além disso, nos quadrinhos e em nosso filme, 'Ancião' é um título que várias pessoas já tiveram."
Os comentários no site seguiram o espírito do FB:
"É muito mimimi pro meu gosto... Começaram de novo essas discussões intermináveis...";
"Enquanto derem ibope pra esse tipo de retardados, isso nunca vai acabar, o mesmo vale para as feministas.";
"Daqui a pouco não vai poder ter mais pessoas brancas no filme, porque é racismo."
Etc, etc, etc.
É curioso notar que a grande maioria das pessoas não vê problema em um ator branco assumindo o personagem não-branco. Mas será que isso vale para um ator negro assumindo um papel pensado para um branco? Basta visitar o artigo sobre a possibilidade de um Bond negro para saber que não é bem assim...
Embora alguns argumentassem que a cor não fazia diferença e o que importava era o talento, a grande maioria afirmava:
"Pelo amor de Deus né, só porque os fãs, críticos e outros que se preocupam com o rumo que o cinema está tomando, é racismo? Digo rumo, no sentido que já basta não pararem de fazer releituras e remakes, agora querem mudar algo que já está difundido na cultura popular? Não tem o porque mudar o James Bond, porque o James Bond é o que é! Faz mil anos que ele é assim, e já garantiu um personalidade própria apesar de não ser real. Besteira! E o Adoro Cinema podia ter mais personalidade e deixar de lado a demagogia do politicamente correto."
"Qual a dificuldade? James Bond é branco, não negro. Coloca a droga de um ator branco e pronto. Todo mundo assiste, feliz. Estúdios lucram, felizes."
"Idris Elba nem ninguém que seja negro pode ser James Bond, não importa se ele é o melhor ator do mundo, foda-se. Se fizerem um filme do Super Shock ou Blade com um ator branco todo mundo iria reclamar porque não faz sentido, a mesma coisa é com 007. Cada personagem tem sua característica e deve ser preservada. Os próprios negros se discriminam por acharem que isso é racismo, até o ator Yaphet Kotto teve o bom senso de concordar com isso. Seria melhor procurar outros personagens, ele deveria interpretar o Pantera Negra. Deixe o 007 em paz e parem de usar o termo racismo como desculpa, cada um no seu lugar."
"Essas matérias estão ficando cada vez mais tendenciosas e com a nítida intenção de causar discórdia. Já é a terceira ou quarta matéria trazendo o mesmo assunto. Ae estagiários, estão sem ideias ?! Volta pra faculdade seus bostas ! O que ta acontecendo com o site ?! Nem vou me posicionar à respeito desse assunto, pois é algo muito sugestivo, que pode causar várias impressões e distorcer opiniões. Colocar um personagem negro no papel de Bond é ILÓGICO apenas por haver uma tradição, e não por racismo como esse jornalistazinho do Adorocinema acusou. Isso seria coitadismo, é como colocar um negro no papel apenas por dó. Porque não fazem mais heróis negros ?! Ou qualquer outro personagem que seja. Idris é um EXCELENTE ator, não precisa de "restos". Quer colocar ele na franquia James Bond ? Que ele vire 006, 008 ou sei lá, como bem citaram em um dos comentários. É como eu venho dizendo nestas matérias tendenciosas que servem apenas para gerar polêmica: Imaginem o contrário, um papel TRADICIONALMENTE feito por um negro, agora experimentem substitui-lo por um branco para ver o que acontece, observem a reação desses falsos moralistas. PADRÕES gente, não é preconceito, não é racismo. Muito mimimi por algo que nem aconteceu, e segundo o Elba, NUNCA vai acontecer, então chega desse assunto. Vamos melhorar os escritores ai."
É bem mais fácil usar o discurso do mimimi ao invés de refletir sobre o tipo de representatividade que gostaríamos de ver em cena. Não é questão de ser politicamente correto. A questão é que estamos no século XXI, que o cinema já tem 120 anos, e até hoje Hollywood usa de maquiagem para escurecer a pele de um ator para um personagem, como no caso de Zoe Saldana em Nina. Simone Kelly, filha de Nina Simone, criticou a opção, destacando que a atriz não era "a melhor escolha em termos de aparência". Kelly preferia Viola Davis ou Kimberly Elise, que são "mulheres de cor, mulheres com lábios belos e grossos, narizes largos e que sabem atuar".
Em fevereiro, uma semana antes do Oscar, o programa Last Week Tonight, de John Oliver, preparou um ótimo clipe questionando como o whitewashing (embranquecimento) ainda era uma realidade na indústria americana. O vídeo, que você confere abaixo, questiona o argumento - que também encontramos nos comentários no AdoroCinema e nas redes sociais - de que simplesmente não existem bons papéis para atores de outras etnias. Na verdade, o problema está no fato de que mesmo quando surgem personagens não-brancos, eles muitas vezes são interpretados por atores brancos, como Jake Gyllenhaal em Príncipe da Pérsia - As Areias do Tempo, Emma Stone em Sob o Mesmo Céu, Christian Bale e Joel Edgerton em Êxodo: Deuses e Reis, dentre muitos outros exemplos.
Como diz o vídeo: Embranquecimento em Hollywood, como isso ainda existe?