Um dos destaques do festival É Tudo Verdade 2016 é o documentário nacional Jonas e o Circo Sem Lona. A diretora Paula Gomes decidiu filmar a rotina de um pequeno garoto baiano que sonha em viver de circo, apesar de a família preferir que ele siga um caminho mais estável. O filme é uma comovente homenagem às pessoas que pensam em viver de arte, apesar das dificuldades. Leia a nossa crítica.
O AdoroCinema conversou em exclusividade com a diretora Paula Gomes:
Como você encontrou o Jonas?
Paula Gomes: Foi muito tempo atrás, em 2006. Eu viajei com meu coletivo para pesquisar um circo, porque na época a gente estava fazendo um curta de ficção, e o circo era o cenário desse filme. Saímos no fim de semana para visitar três circos. No primeiro circo, ficamos amigos do pessoal, que nos mostrou outro circo a 50 km dali, então fomos. Esse final de semana, que era pra ser sobre três circos, se tornou quase três meses e 35 circos visitados. As histórias eram fascinantes. A gente já tinha encontrado a locação, mas continuamos pesquisando.
Foram circos de todos os tamanhos...
Paula Gomes: Sim, de todos os tamanhos no interior da Bahia e no interior de Sergipe. Foi uma pesquisa forte, escrevi muito sobre o que tinha visto. Quando mudou a gestão política na Bahia, ganhou o PT, que assumiu, e com isso começou a ter uma Secretaria de Cultura. Então o Secretário de Cultura, que sabia da minha pesquisa, me chamou para criar uma diretoria de circo. Acabei virando diretora de circo por um tempo! Depois voltei para o cinema.
Foi nessa viagem que conheci a família de Jonas. Eles ainda estavam no circo, e fiquei muito amiga da mãe dele. Desde essa época a gente manteve contato. Jonas era pequenininho, e a gente foi vendo o crescimento dele. Um dia ele me ligou e disse que era dono de um circo no quintal de casa, e me convidou pra ir conhecer. Logo que cheguei, quando vi aquela coisa armada no quintal, senti que tinha um filme, mas não sabia qual era. Primeiro pensei que seria um filme sobre circo, e depois, muito tempo depois, amadurecendo a história, entendi que não. Na verdade, através do circo eu poderia falar do fim da infância, do lugar onde a gente coloca nossos sonhos quando vai crescendo.
Existe uma identificação sua com Jonas, pelo fato de também fazer arte com poucos recursos.
Paula Gomes: Quando escrevi o primeiro argumento do filme, mandamos para o edital da Bahia e não entramos. Ficamos angustiados porque ele estava crescendo e a gente não tinha mais tempo de captar. Então encaramos filmar sem grana mesmo, levando nossos equipamentos. Tivemos muita ajuda da família dele, a gente ficou morando com eles nessas etapas de filmagem. Só mais tarde, com o primeiro corte, conseguimos o edital da prefeitura de Salvador, e então ganhamos o prêmio de Tribeca, que foi super importante para a pós-produção. Depois o Bertha Foundation, que é um fundo da Inglaterra, também deu um aporte para a pós-produção.
É visível a sua intimidade com Jonas e a família. Você tinha limites autoimpostos, ou impostos por eles, sobre o que poderia filmar?
Paula Gomes: Não existiu essa limitação, porque tudo era muito fluido. Eles foram muito receptivos com o filme. Tivemos muitas jornadas de trabalho em que a gente nem ligou a câmera, só conversou. Mas foi sofrido, porque eu via que ele não ia conseguir mais fazer o circo.
Vendo o material bruto depois, os momentos em que ele faz o espetáculo são os momentos com menos opção de planos. Era o que a gente mais queria filmar, mas a gente ficou tão nervoso junto com eles ali que não conseguiu filmar tanto como queria. Depois, a montadora disse: “Paula, você não pode terminar o filme assim, vamos gravar um pós-filme, gravar no circo hoje”. Mas quando aquela cena aconteceu, com ele deitando no meu colo, pensei: “Esse é o fim do filme, acaba aqui”.
Você decide incluir no filme a sua intervenção. No começo, o documentário parece que se limitar à observação, mas rumo ao final você inclusive pede à mãe de Jonas para deixá-lo partir com o circo.
Paula Gomes: É uma coisa que mudou no processo, sabe? São essas coisas maravilhosas que o documentário tem que dá um giro, não só no personagem, mas um giro em você também. Quando comecei a escrever o projeto, achava que a gente não ia conversar nunca, eu e Jonas. Enquanto o circo dele durou, de fato, ele não precisou conversar comigo. Ele estava com os amigos, montando o circo... O pacto sempre foi, com os meninos, de que eles poderiam falar para a câmera, poderiam olhar, e surpreendentemente eles não olham. Eu disse “Vocês podem dar tchau, podem falar comigo”, mas eles me ignoraram! Quando o circo começou a terminar, ele começou a querer falar comigo. Os amigos não apareciam e ele vinha me dizer: “Meus amigos não vieram, o que faço?”. Acabei incorporando isso, mesmo assim ainda relutando.
O filme foi premiado em Tribeca, passou no IDFA. Que reações você teve fora do Brasil?
Paula Gomes: Fiquei morrendo de medo quando entrou no IDFA. Foram seis sessões, todas cheias, com debate depois. Fiquei pensando: “Será que um filme feito nesse lugar vai chegar neles?”. O resultado foi ótimo, surpreendente. Uma pessoa do público deu um relato incrível, porque na sessão em que a gente estava todos os filmes eram de conflito. Acho que pela própria situação da Europa hoje, da imigração, esse o tema principal. A gente estava ali no meio com a história de Jonas, então uma pessoa falou que eram filmes urgentes, mas o mais urgente era o de Jonas. Porque, para ele, quando o mundo está em guerra, o certo era falar de sonhos.