Aberturas de festivais são momentos complexos, tanto para os produtores quanto para os jornalistas e espectadores. São normais os atrasos, porque algum convidado ainda não chegou, assim como são comuns os longos discursos de patrocinadores e políticos locais. Com a 19ª Mostra de Tiradentes, não foi diferente.
A cerimônia de abertura teve um pouco de tudo: alguns discursos pomposos e amplos, do tipo que inclui termos como "ações sócio-político-culturais", outros inesperados e criativos - alguém tentou incluir numa espécie de jogral os títulos de todos os longas-metragens de maneira natural, então boa sorte para imaginar como Tropykaos e Taego Ãwa entraram no texto.
Da mesma maneira, já eram esperadas as falas de prefeitos, secretários e governadores aproveitando para elogiar a gestão de Fernando Pimentel (PT), aproveitando para disparar algumas farpas ao governo anterior. O início foi tão diversificado que, logo após uma colagem imagética defendendo o cinema subversivo e "de sonho", houve uma evocação solene ao hino nacional.
Mas a melhor parte, é claro, veio com a explicação do tema desta edição, os espaços em conflito, e a homenagem a Andrea Tonacci. Poucos festivais se dão ao trabalho de esclarecer seu recorte curatorial, e Tiradentes exibiu um pequeno vídeo, sucinto e bem editado, sobre o cinema brasileiro desde os anos 1950, explicando porque a questão espacial é de suma importância para discutir cinema e política.
As imagens funcionaram como bela introdução ao trabalho de Andrea Tonacci, "mestre e inventor do cinema brasileiro", e cineasta em diálogo constante com questões políticas e espaciais. Após um vídeo relembrando a sua carreira, proposto pelo Canal Brasil, Tonacci subiu ao palco, recebendo os aplausos de pé de mais de 600 pessoas dentro do Cine-Tenda. Seu discurso foi humilde, evocando a responsabilidade diante de um prêmio: "A homenagem é uma forma de refletir sobre o que venho fazendo", concluiu.
A noite se encerrou com a projeção de Serras da Desordem, longa-metragem do diretor, de 2006. O documentário de observação da vida indígena possui um ritmo exigente, sem narrações nem depoimentos. Na verdade, ele é tão exigente quanto programar um filme de observação, de 135 minutos, para começar às 22h30 da noite de abertura - prova da ousadia de uma curadoria sem concessões. Foi louvável ver cerca de 600 pessoas assistindo à obra tão inovadora, considerando a dificuldade que documentários do tipo sofrem para atrair o público em circuito comercial.
A Mostra de Tiradentes começou bem, tentando equilibrar vontades e discursos, liberdades e obrigações. O segundo dia de programação continua na veia dos autores consagrados, com as novas produções de Julio Bressane (Garoto) e Walter Lima Jr. (Através da Sombra).