Ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2001, por O Quarto do Filho, o diretor italiano Nanni Moretti retornou à Croisette neste ano com sua nova produção, Mia Madre, que chega hoje aos cinemas brasileiros.
O AdoroCinema pôde conversar com o diretor durante a cobertura do Festival de Cannes, onde aprovou o longa-metragem. No bate-papo, ele falou sobre a escolha de uma mulher como protagonista, as dificuldades entre dirigir e atuar em um mesmo filme, a presença de John Turturro no elenco, o atual momento do cinema italiano e ainda rumores sobre uma possível aposentadoria. Confira!
ALTER EGO
"Sim, com certeza ela é meu alter ego", disse o diretor, se referindo à personagem interpretada por Margherita Buy. "No início, quando tive a ideia deste filme, não teria uma mulher como protagonista. Mas depois achei que o ponto de vista feminino combinaria com esta história."
Apesar de se ver nas telas através da personagem, Moretti descartou qualquer semelhança em relação ao relacionamento materno visto em cena. "A mãe vista no filme não tem relação com a minha, pois não pude conhecê-la. A atriz que a interpreta, Giulia Lazzarini, não é conhecida no meio do cinema, ela veio do teatro."
REALIDADE E FANTASIA
Em Mia Madre há várias referências ao próprio cinema, que por vezes surgem de forma lúdica. Moretti comentou sobre esta dualidade existente na narrativa. "Não queria apenas retratar a realidade de um cineasta, mas mesclá-la com sonhos e fantasias. Gosto da ideia do público não saber exatamente se o que está vendo é real ou não. Trabalhei bastante neste mix de realidades ao escrever o roteiro, durante as filmagens e também na edição. A presença do cinema é uma espécie de camada extra que muitas vezes está nos meus filmes, como acontece com o teatro em Habemus Papam."
"Como Margherita está atordoada com sua vida pessoal, há uma sensação de que o filme esteja de alguma forma relacionado com sua própria vida privada, como se fosse uma espécie de espelho. Mas diferente de sua vida real. Como ela está repleta de incertezas, queria que o filme fosse muito sólido e estruturado."
ANSIEDADE INEVITÁVEL
Em boa parte devido aos problemas de saúde enfrentados pela mãe, a cineasta interpretada por Margherita Buy demonstra bastante insegurança ao rodar seu filme. Questionado se ainda se sente daquela forma ao rodar um novo filme, o diretor respondeu: "Tive estas incertezas e ansiedade quando fiz meu primeiro filme. Sou muito crítico comigo mesmo quando estou escrevendo. Algumas pessoas conseguem ficar mais tranquilas com a experiência, mas isto não acontece comigo."
DIRIGIR E ATUAR
"É muito cansativo ser protagonista de seu próprio filme", disse o diretor ao responder porque reservou para si um papel coadjuvante em Mia Madre. "Tinha muito mais energia quando era jovem. Nos meus três últimos filmes o protagonista foi interpretado por atores excepcionais, mas em nenhum destes casos eu me vi sendo o personagem principal. Quando sou apenas diretor fico mais concentrado no filme, enquanto quando sou ator fico mais concentrado na minha atuação. Ser ambos em um filme é mais complicado."
O MITO KUBRICK
Uma das melhores piadas de Mia Madre tem a ver com a fama conquistada pelo diretor Stanley Kubrick, usado constantemente pelo personagem de John Turturro como um marco em sua carreira. Moretti explicou o porquê da escolha do diretor. "Achei que seria engraçada a ideia de ter um ator que sempre diz ter feito um filme com Kubrick, mas que obviamente não o fez. Escolhi Kubrick porque precisava ser um gigante do cinema para ser engraçado."
JOHN TURTURRO
Uma das surpresas de Mia Madre é a presença de um ator norte-americano bem conhecido, John Turturro, algo que ainda não havia acontecido na carreira do diretor. "Gosto do fato de Turturro não ter um estilo naturalista de atuação. Ele sempre soa como se estivesse meio louco, gosto disto. Talvez 30 anos atrás eu não chamasse um astro internacional para meu filme, hoje isto não é um problema para mim. É importante que eu conheça cada um do elenco e foi importante o fato dele conhecer um pouco da cultura italiana. Ele fez um belo documentário sobre canções napolitanas. Além disto, gosto de trabalhar com atores que são também diretores, facilita nosso entendimento."
Moretti descartou qualquer preconceito em relação a atores de outros países. "Não vejo diferenças entre atores americanos e europeus. Creio que haja diferença entre atores e não-atores, mas não em relação a nacionalidades."
O CINEMA NA ITÁLIA
Questionado sobre o momento do cinema italiano, que tinha três filmes na mostra competitiva do Festival de Cannes deste ano - O Conto dos Contos e Youth, além do próprio Mia Madre -, Nanni Moretti não demonstrou muito entusiasmo. "Se você analisar pelo lado da presença italiana na competição, sim. Mas esta presença é resultado dos esforços individuais de produtores e diretores, não de um sistema sério e sólido. O cinema na Itália é considerado algo marginal, de pouca importância, o que não acontece na França, onde é visto como indústria e um elemento da própria sociedade. Apesar da Itália ter um dos maiores festivais de cinema do planeta, realizado em Veneza, a atenção que os italianos dão ao cinema local não é tão intensa assim. Há muita distração, não apenas com o cinema mas com a cultura em geral."
APOSENTADORIA?
Antes do Festival de Cannes, surgiu um rumor de que Mia Madre seria o último filme dirigido por Nanni Moretti. Perguntamos isso ao diretor, que descartou a possibilidade. "Eu nunca disse isso, acho que jamais pensei nesta possibilidade."