Herbert José de Souza, ou simplesmente Betinho. De militante político a exilado, de ghostwriter de Salvador Allende a ícone eternizado na belíssima canção "O Bêbado e a Equilibrista. O criador da Campanha Contra a Fome é o tema do documentário Betinho - A Esperança Equilibrista, que chega ao circuito comercial na próxima quinta-feira, 29 de outubro, às vésperas do aniversário de 80 anos do homenageado.
O AdoroCinema assistiu ao filme (e aprovou!) durante o Festival do Rio, onde ganhou o Troféu Redentor de melhor documentário segundo o júri popular. Na época, conversamos com o diretor Victor Lopes e o produtor Daniel Souza, filho mais velho de Betinho. Ambos falaram sobre a importância do documentário no momento atual do país, das dificuldades encontradas na produção e ainda revelaram que pretendem, em breve, adaptar a vida de Betinho para a ficção, seja como longa-metragem ou série. Confira o resultado do bate-papo logo abaixo!
ADOROCINEMA: O documentário não é apenas sobre a história do Betinho, mas também sobre um Brasil que sonha. E este é um momento em que o povo como um todo está cansado. Como vocês vêem o lançamento deste filme, agora, no cenário político do Brasil atual?
VICTOR LOPES: Se o filme tivesse sido feito há três ou cinco anos atrás talvez fosse visto como uma homenagem a um brasileiro especial, mas o Betinho era tão danado que estrear neste momento da história do Brasil é essencial. Fico feliz que ele dê um sentimento de esperança, força e vitalidade da democracia brasileira, porque no fundo o que a gente está vivendo é isso, um desafio dentro da construção da democracia no país. O Betinho foi essencial por tomar posição, é um símbolo desta democracia e, com isso, o filme estreia de maneira muito oportuna.
DANIEL SOUZA: As pessoas sempre falam que o Betinho faz falta. Faz. Mas, para mim, o mais importante era que ele era uma pessoa que, em função de uma campanha, conseguia sentar e agregar todo mundo, para aí convergir para uma ação. Hoje é exatamente o oposto disto. Há uma total falta de diálogo e aquela sensação horrível de que, se você não é do meu partido, é meu inimigo. Se perdeu toda e qualquer noção da importância da diversidade. O que dá mais angústia e cansaço na situação atual é ver que os mínimos avanços serâo às custas de grandes brigas políticas. E não precisava ser assim. Então o filme chega em um momento em que diz que o importante é o país, vamos sentar aqui e tratar do que interessa. O Congresso atual é uma loucura, imagino a festa que faria o Henfil se ainda estivesse vivo.
VICTOR LOPES: A gente tem que buscar valores comuns, começar a estabelecer certos avanços que já são conquistas e partir para os próximos. Certas causas deveriam estar entre as prioridades do Brasil: a desmilitarização da polícia, a questão da maioridade penal, o respeito aos direitos humanos... É uma série de fatores que tínhamos que incorporar e deixar cristalizar, para dar os próximos passos. Acho que o filme aponta nesta direção.
AC: Victor, no debate realizado no Festival do Rio você disse que não acreditava em cinema ativista. Mas por tudo que vocês falaram e a história de vida do Betinho, como não ser ativista com este filme?
VICTOR: Vendo este filme fiquei pensando no quanto fico feliz de honrar minha geração, que ficou tanto tempo sem fazer cinema por causa do Collor. Eu faço cinema político, mas mesmo neste filme eu sempre quero evitar um tom didático ou muito direcionado ou afirmativo ou condicionante. Tanto que teve sessões em que pessoas reclamavam que tinha muito [José] Serra e gente que achava que tinha muito Lula. Ótimo, é isso que eu quero escutar, porque estas contradições interessam. Mas, assim como aconteceu no Língua - Vidas em Português e no Serra Pelada - A Lenda da Montanha de Ouro, este filme toca em fatores multiculturais religiosos, espirituais, poéticos, sociais e políticos que movem as pessoas. Isto é algo que não se tem muito controle. O filme motiva o ativismo, mas não fala diretamente sobre o ativismo. Ele fala da essência e da importância de você agir no mundo. Então a gente precisa muito deste filme porque ele não impõe, não é autoritário.
AC: A ideia original era fazer um filme para marcar os 80 anos do Betinho, que acontecerá em 3 de novembro. Havia a possibilidade de fazer uma ficção, mas acabou se optando pelo documentário. Por que esta decisão?
DANIEL: Tive a ideia de fazer um filme sobre o Betinho logo que ele morreu, em 1997 ou 1998. Foi quando conheci o Alberto Graça, que seria o diretor. Este projeto andou um pouco e parou. Aí, na proximidade dos 80 anos, a gente retomou esta história. Resolvemos fazer um documentário porque ele traria toda a pesquisa necessária para fazer uma ficção. Além de ser mais barato de se fazer, um documentário traria menos problemas que um longa de ficção. O importante era contar a história, depois a gente vê se vai virar uma série, uma ficção, ou não.
No fim das contas acabou sendo interessante porque o documentário tem uma pegada que, para o que a gente quer, a questão da conscientização, atende bem. Creio que os jovens estarão mais aptos a entender o Betinho através do que fizemos neste documentário do que em um longa de ficção, que teria um ator interpretando o Betinho.
VICTOR: É um grande personagem. Foi um desafio para mim, como diretor, me descolar da idolatria pessoal e espiritual que tenho com o Betinho, por compartilhar de muitos pontos de vida e tudo que ele representou. E, cinematograficamente, ele tem todas as características de um grande herói. Tem todo o sofrimento e as porradas que um grande herói precisa tomar. É um excelente material que rende um grande projeto de ficção. Eu ouso dizer que seria uma série. Se tem série sobre o Pablo Escobar, podemos fazer sobre um grande humanista latino-americano! E ainda seria um thriller, por ter sido perseguido nos anos 1960, ser hemofílico e clandestino por sete anos, onde você podia morrer com um soco. Há vários componentes que creio terem grande dimensão na ficção.