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    Exclusivo: "O cinema independente se tornou um rótulo da moda", afirma o diretor Hal Hartley, de Ned Rifle

    O cineasta veio ao festival do Rio para apresentar Ned Rifle, que termina a trilogia sobre a família Grim.

    Ciadafoto

    Desde os anos 1980, o diretor Hal Hartley se tornou uma figura importante do cinema independente norte-americano. Seus filmes de baixo orçamento, como A Incrível Verdade (1989) e Confiança (1991), surpreenderam pela mistura de drama intimista e comédia absurda.

    O trabalho mais importante do cineasta foi uma trilogia formada por As Confissões de Henry Fool (1998), Fay Grim (2006) e o recente Ned Rifle (2014), presente no festival do Rio 2015. A trama gira em torno de uma família disfuncional com poetas frustrados, ninfomaníacas em busca de perseguição e um filho traumatizado pelas brigas dos pais.

    Em Ned Rifle, o jovem Ned (Liam Aiken) deseja matar o próprio pai, Henry (Thomas Jay Ryan), que acredita ser o verdadeiro responsável pela prisão de sua mãe (Parker Posey). No caminho, encontra uma garota obsessiva (Aubrey Plaza) que possui mais informações sobre a família Grim do que eles poderiam imaginar.

    O AdoroCinema aproveitou o festival do Rio para conversar em exclusividade com Hal Hartley, que falou sobre as dificuldades de construir a trilogia, e traçou um retrato interessante sobre o cinema independente americano:

    Você imaginava, quando escreveu As Confissões de Henry Fool, que faria uma trilogia com os personagens?

    Não, nem quando eu estava escrevendo, nem quando estava filmando. Bom, talvez só um pouquinho. Eu sempre brincava sobre essa possibilidade, e os atores me lembraram disso depois. Isso sempre acontece com um trabalho grande, e Henry Fool foi o meu maior roteiro. Eu e a equipe nos apaixonamos pelos personagens, e várias ideias surgiram para o futuro de cada um deles. Depois, acabei admitindo a vontade de continuar a história, porque eu queria muito fazer um filme com Parker Posey no papel principal, e quando fiz a segunda parte, pareceu certo preparar a parte três. Mas eu não sabia o que aconteceria com a minha carreira, eu nem sabia se ainda estaria fazendo filmes vinte anos mais tarde. Foi um milagre, na verdade.

    Por que as sequências demoraram tantos anos para acontecer? 

    Sempre existem problemas de produção, é claro. Depois de Henry Fool, acho que talvez em 2000, eu comecei seriamente a escrever Fay Grim. Isso levou quatro anos, e depois foram mais dois anos para conseguir o financiamento. Com Ned Rifle, eu precisei esperar que o Liam estivesse velho o suficiente para o papel. Antes disso, não tinha certeza. Quando ele completou 19 anos, em 2011 mais ou menos, percebi que ele tinha crescido, e realmente queria ser um ator.

    Com tanto conhecimento sobre os personagens, o elenco ajudou no processo criativo de Ned Rifle? 

    Todos estavam muito dedicados desde o começo, e se dedicaram muito ao projeto. Eles já me conheciam e tinham trabalhado comigo, então sabiam que, se encontrassem algo confuso, ou que não parecesse certo, poderiam conversar comigo. Eu sempre me deixo afetar por toda conversa que tenho. Depois de um bate-papo, às vezes voltava para casa e percebia, por exemplo, que todos estavam perturbados com alguma cena em particular, e tentava entender o que estava acontecendo. Parker Posey, Thomas Jay Ryan e James Urbaniak são leitores de roteiro muito inteligentes, então eu podia perceber quando forçava demais em alguma piada, ou em alguma explicação.

    Apesar de trabalhar principalmente com atores de Henry Fool e Fay Grim, você também precisou escalar uma novata na franquia para o papel de Susan. Como escolheu Aubrey Plaza para a personagem? 

    Ela tem os mesmos agentes de Parker Posey. Eu estava montando o elenco de Ned Rifle, e nós tínhamos pouquíssimo dinheiro. Eu tinha certeza que a personagem Susan seria interpretada por uma desconhecida. Vi centenas de atrizes, durante meses de testes, mas não estava empolgado com ninguém. Enquanto negociava o contrato de Parker, eu disse aos agentes dela que estava com dificuldade de encontrar uma atriz perfeita para Susan. Eles me mandaram uma lista de atrizes relativamente famosas, representadas por eles, e com idade certa para o papel. Era uma lista de atrizes que procuravam um papel desafiador. Aubrey estava nessa lista, então comecei a assistir aos filmes anteriores dela.

    A maioria desses trabalhos não me convenceu que ela era a atriz que procurava. Ela certamente era engraçada, charmosa e esquisita – principalmente esquisita – mas eu precisava de mais do que essas esquisitices. Então cheguei ao filme Sem Segurança Nenhuma, e neste caso eu vi uma atuação de verdade, com recursos. Eu liguei para ela, enquanto assistia ao filme no meu computador. Então disse aos agentes que se quisesse, o papel era dela. Eles me responderam: “Ela vai ficar felicíssima!”. Achei estranho que ela soubesse quem eu era. Aí lembrei que Mark Duplass, que interpreta o irmão dela em Sem Segurança Nenhuma, é grande fã do meu trabalho. Ele inclusive contribuiu ao financiamento coletivo de Ned Rifle pela Internet. Acredito que ele tenha falado a Aubrey sobre mim. Dois dias depois, ela estava no projeto. Você ficaria surpreso como a nova geração me desconhece. Talvez Aubrey tenha lido sobre mim em algum livro, ou tenha ouvido falar em alguma hora da faculdade. Mas ela estava muito comprometida: 72 horas mais tarde, ela já conhecia muito bem três filmes meus.

    Você continua compondo a trilha sonora de todos os seus filmes. Como foi a experiência em Ned Rifle? 

    Parte da música de Ned Rifle começou durante a campanha de financiamento pela Internet. Este é um processo estranho, com o Kickstarter, e você sempre precisa oferecer aos colaboradores algo novo. Eu queria algo mais próximo do rock, e pensei muito na estrutura do faroeste, algo que às vezes marca meus filmes, mas nesse, foi uma referência mais óbvia. Afinal, esta é a jornada de vingança para matar alguém, o que constitui a jornada clássica do faroeste. A trilha sonora de abertura é um rearranjo do tema de Henry Fool.

    Tendo participado do cinema independente americano há décadas, como você avalia a situação atual desta produção?

    Eu não avalio! Sempre suspeitei um pouco desse grupo. Eu apenas queria fazer filmes, à minha maneira. Aí surgiu o termo “independente”, que aplicaram ao meu trabalho, mas para mim, tanto faz. Eram apenas negócios. Foi um ótimo negócio durante seis ou sete filmes, quando existia a intenção de fazer filmes de arte para distribuir pelo mundo inteiro. Isso era subvencionado pelo governo, ou pelos países europeus. Agora, a situação mudou, porque as pessoas assistem aos filmes em seus dispositivos móveis, e não existe mais espaço para o homem médio ganhar dinheiro no ramo. Alguns cineastas, como eu, aprenderam a se adaptar às novas tecnologias, algo que me agrada muito. Sempre tento me cercar de pessoas que entendem mais sobre tecnologia do que eu.

    Hoje, as produções independentes mudaram: filmes como Whiplash - Em Busca da Perfeição e Fruitvale Station disputam prêmios no Oscar... Onde está o verdadeiro cinema independente? 

    Acho que está nos porões das pessoas, ou talvez nos pequenos clubes. Isso mudou rápido: entre 1993 e 1994 apareceram estes “filmes independentes” que custavam 20 milhões de dólares e tinham grandes estrelas no elenco. "Independente" virou apenas um rótulo da moda. Mas não deveria ser, porque significa muito mais do que isso. Eu pessoalmente prefiro a noção de “alternativo”, que peguei emprestado da música. Isso realmente diz algo, porque a música alternativa representava uma clara distinção em relação ao pop comercial. Eu acredito que existem muitos filmes alternativos por aí, mas a maneira como assistimos aos filmes hoje é muito mais íntima. Algo interessante está acontecendo em Nova York, com filmes sendo projetados em pequenos bares, na parede, em boas condições de projeção. Você pode assistir ao filme enquanto toma uma cerveja. Existe uma verdadeira curadoria, em uma projeção para apenas 30 ou 40 pessoas.

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