No 48º Festival de Brasília, o diretor Roberto Gervitz apresentou seu filme mais recente, o drama Prova de Coragem. Adaptada do livro "Mãos de Cavalo", de Daniel Galera, a história apresenta um casal em crise: Adri (Mariana Ximenes) engravida, mas o marido (Armando Babaioff) não quer ter filhos. Enquanto ela mantém a gestação, ele decide fazer uma escalada perigosa, para acertar as contas com um trauma do passado.
O AdoroCinema conversou em exclusividade com o cineasta, que falou abertamente sobre a escolha do elenco, a influência da Globo Filmes no projeto e os motivos que o afastaram do cinema desde sua última produção, Jogo Subterrâneo, de 2005. Prova de Coragem chega aos cinemas em abril de 2016.
Você não estava envolvido no projeto desde o começo, certo?
Eu li o livro Mãos de Cavalo em 2008, e fiquei com vontade de adaptar, porque gosto muito dos personagens do Daniel Galera. Eles têm uma trajetória randômica: todos estão perdidos, mas no fundo estão fazendo uma busca da qual não têm consciência. Essa desorientação me atraía, porque no fundo era ordenada pelo subconsciente. Além disso, o livro lida de cara com a questão da coragem.
Liguei para o Daniel Galera em 2008, que me disse que já tinha vendido os direitos do livro. Então desencanei. Tempos depois, reencontrei minha amiga Mônica Schmiedt, e ela disse que estava com os direitos do Mãos de Cavalo. Ela estava trabalhando com duas pessoas na adaptação. Eu disse: “Se tiver algum problema, e se precisar de alguém no futuro, eu tenho vontade de fazer esse filme”. Dois anos depois, ela me ligou, entre o fim de 2010 e o começo de 2011, para saber se eu ainda estava interessado. Eu disse que sim, mas não queria trabalhar em cima do que já tinha sido feito, queria começar do zero. Abandonei todo o trabalho de antes e fui dando a minha leitura do livro. Demorei três anos para escrever, foram sete tratamentos. Foi um processo de depuração e aprofundamento, para chegar na essência do que eu queria contar. Filmamos em abril de 2014, editamos e o filme só ficou pronto agora.
É curioso que os personagens estejam sempre sabotando suas próprias iniciativas. Adri enfrenta uma gravidez de risco, mas carrega objetos pesados de propósito. Hermano tem vertigens, mas decide escalar mesmo assim.
É uma leitura possível. Tem uma dimensão de autossabotagem, mas também existe o fato de que eles querem tudo. Os personagens de Prova de Coragem não querem escolher, como a Adri diz: “Eu quero tudo e muito mais”. Só que isso nem sempre é possível na vida. No fundo, são personagens que não cresceram, afundados nos seus próprios projetos, sem a capacidade de compartilhar nada. Eles não possuem projetos comuns. Em certa cena, ele pergunta: “Você quer terminar o casamento depois de tudo que a gente viveu?”, e ela responde: “Mas o que foi que a gente viveu?”.
Essencialmente, isso reflete algo que acontece nos dias de hoje. É o extremo individualismo, o narcisismo que domina nossa sociedade. Existe uma incapacidade de construir sonhos coletivos para compartilhar, pensar no outro.
Como você escolheu os atores principais?
A Mariana foi a única atriz que eu não escolhi através de testes. Eu já gostava do trabalho dela, mandei o roteiro e ela aceitou. Todos os outros atores foram escolhidos depois de testes exaustivos. A Mariana também entrou como produtora, mas isso era uma complementação do cachê que a gente não poderia pagar. Foi o mesmo caso do Lauro Escorel, o diretor de fotografia. São pessoas que estão envolvidas no projeto, querem receber por seu trabalho, o que é justo, e combinam formas de pagamento.
De que maneira a entrada da Globo Filmes influenciou o projeto?
Não mudou nada, só deu o oxigênio para a gente respirar. A gente foi totalmente respeitado, não teve nenhuma ingerência da Globo Filmes. Isso se deu através do Cacá Diegues, que está dando mais oxigênio à Globo Filmes com a escolha de filmes mais autorais, depois do desgaste do Kleber Mendonça com o Cadu Rodrigues. Depois disso, a Globo Filmes mudou, e tem mudado muito, com a entrada do Fernando Meirelles. Já existem muitos filmes autorais sendo produzidos por eles.
O livro foi uma base importante para construir os personagens?
O livro, você esquece. Se quiser ler, leia, mas vários atores não leram o livro. A base do trabalho é o roteiro. Ali estão todas as respostas e todas as questões. Se não está no roteiro, é porque não interessa no filme. O filme é muito diferente do livro. Acho muito bem escrito, mas não é uma obra tão madura quanto os últimos livros dele, porque tem uma estrutura mecânica. No livro, é a história de uma segunda chance, algo muito usado no cinema americano: o cara vive a situação e depois volta à mesma situação para reverter alguma coisa. Eu não quis fazer isso, adotei outro caminho. Criei outros personagens, principalmente personagens femininos, que quase inexistem no livro. Em todos os meus filmes, as mulheres são muito importantes.
Como foi o trabalho em set?
O filme foi muito planejado. Quando você tem pouco dinheiro, se não tiver planejamento, você está ferrado. Prova de Coragem não teve uma hora extra, um dia a mais, nada disso. Não queria causar problemas à Mônica, eu me sentia responsável nesse sentido. Todas as cenas de escalada foram desenhadas: aquilo é muito difícil, tinha uma equipe de segurança com alpinistas. Foram cenas complexas, que levam tempo para fazer. Demora muito para se deslocar até o lugar onde a câmera precisa ir: o equipamento sobe por cordas... Mas estas foram as únicas cenas com storyboard. O resto, eu decupava no papel, no meu apartamento, e depois quando visitava os locais. Mas na hora, se o Lauro sugerisse algo diferente, ou se os atores não se acomodassem naquela movimentação, a gente fazia mudanças. O cinema é a arte de lidar com o imponderável.
Você já tem novos projetos em vista?
Sempre penso em novos projetos, mas é difícil levantar dinheiro. Depois do Jogo Subterrâneo, eu tive questões familiares, de saúde, e realmente me dediquei a isso. Tenho alguns projetos que acalento há muitos anos. Mas fazer filmes, às vezes, depende da oportunidade de estes projetos existirem. Às vezes tem um chamado que vem de fora de você, e é preciso ouvir isso. Quero muito fazer séries para a televisão. Fiz o Carandiru, e gostei bastante da experiência. É algo que, se surgir a oportunidade, ficaria feliz em fazer. Mas quero continuar a fazer cinema.