A mostra competitiva do festival de Brasília chegou ao fim na noite de 21 de setembro, com a exibição dos curtas-metragens O Sinaleiro e O Corpo, e com o longa-metragem Prova de Coragem, de Roberto Gervitz. A programação do evento parece ter deixado para a reta final os curtas-metragens mais ousados, para compensar a presença de longas um tanto convencionais.
Medo do escuro
Adaptado de um conto de Charles Dickens, O Sinaleiro apresenta um homem idoso, vivendo isolado à beira dos trilhos do trem. Ele mantém uma rotina repetitiva, fazendo relatórios sobre a passagem do veículo e cultivando pequenas manias. Um dia, algo estranho surge na floresta escura ao lado, e evento começa a deixar marcas em seu corpo.
O diretor Daniel Augusto trabalha bem a construção do ritmo através das repetições: a gota d'água no balde, os insetos nos potes de vidro, as esculturas de palito de fósforo. A tensão é crescente, e a atuação silenciosa prepara o espectador para um estrondo... que nunca acontece. O exercício de estilo é eficaz, mas a conclusão vaga impede que o filme torne-se realmente memorável.
A intrusa
O Corpo é provavelmente o curta-metragem mais perturbador do festival de Brasília esse ano. Em uma família de moral rígida, o pai agressivo força o filho pequeno a matar uma galinha, e logo depois o pequeno encontra um corpo pela estrada. Mas a jovem está viva, sendo incorporada de maneira muito perversa aquele ambiente familiar.
Lucas Cassales constrói boas imagens e multiplica símbolos (à exaustão, aliás) ligados ao corpo, ao sangue, equiparando o sexo ao abate dos bichos na fazenda. O suspense funciona muito bem, mas a representação da mulher nesta fábula não deixa de ser questionável em sua passividade. O inexpressivo ator mirim tampouco contribui ao sucesso do projeto, mas O Corpo é um curta misterioso, daqueles que permanecem com o espectador muito tempo após a sessão.
Casal em crise
Prova de Coragem trouxe um drama de ambições modestas ao festival. Mariana Ximenes e Armando Babaioff interpretam um casal em crise: ela não está segura no relacionamento, e decide mentir ao marido para engravidar. Ele guarda um trauma do passado, e pensa em abandoná-la para fazer uma escalada arriscada em uma montanha perigosa.
As brigas entre os dois avançam de modo truncado, graças aos diálogos artificiais e às explicações didáticas do roteiro. Ambos os atores estão comprometidos aos seus papéis, mas os rumos esquemáticos da trama eliminam a possibilidade de realismo, e minimizam o envolvimento do espectador com a obra. Junto de A Família Dionti, este é um dos únicos longas de Brasília de possível apelo comercial.
Este é o único filme da competição com data de lançamento definida nos cinemas: Prova de Coragem estreia dia 12 de novembro.
Após a exibição dos últimos filmes, a noite de 22 de setembro vai trazer a premiação dos melhores de festival. Dos seis longas-metragens apresentados, apenas três são realmente ousados em termos de narrativa ou linguagem cinematográfica: Para Minha Amada Morta, Big Jato e Fome. Espera-se que os três filmes repartam entre si os principais prêmios da noite.
A cerimônia de encerramento também traz a exibição do longa-metragem brasiliense Até que a Casa Caia, marcando o término do evento.