A noite foi polêmica no 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O diretor Cláudio Assis estava presente para a sessão de seu novo filme, Big Jato. Mas ele nem conseguiu apresentar o filme: fortes gritos de "machista" e "não passará" abafavam sua voz cada vez que tomava o microfone. Os protestos são relacionados ao incidente, de fato lamentável, durante um debate do drama Que Horas Ela Volta?. Na ocasião, Assis teve um péssimo comportamento, calando a diretora Anna Muylaert, insultando a atriz Regina Casé e o resto da equipe.
O cineasta já tentou se retratar, de maneira pouco convincente, e recebeu punições severas, tendo seu filme proibido em um dos principais cinemas de Pernambuco durante um ano. Ele chegou a Brasília com uma camiseta elogiando a diversidade sexual e de gênero, com as palavras "Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais"... Desculpa ou provocação? De qualquer modo, a presença do diretor não foi tolerada pelos ativistas na plateia. O ator Matheus Nachtergaele, com maestria, tomou as rédeas da situação e pediu para o público separar a obra do criador: "Nós podemos vaiar nossos horrores e aplaudir nossas maravilhas". Depois, juntou o elenco mirim em frente ao palco, acalmando os ânimos no Cine Brasília.
A reação a Cláudio Assis foi recebida de modos distintos. Parte dos jornalistas e espectadores apoiaram o protesto, como forma de reparação aos numerosos conflitos provocados pelo diretor ao longo dos anos. Outros consideraram o comportamento excessivo. Talvez o problema diga respeito à forma da manifestação. A vaia, simbólica, demonstra descontentamento e tem sua pertinência neste contexto. Mas as vaias sucessivas, impedindo que o diretor pronuncie uma palavra sequer, são questionáveis.
De que adianta impedir que o diretor fale? Como punição pela atitude grosseira, ele não tem mais o direito de se pronunciar? Até quando? O militantismo que decide calar a voz alheia possui uma parte de censura, e uma parte de infantilidade: este é o mesmo comportamento daqueles que batem panela quando um(a) político(a) indesejado(a) se pronuncia na televisão. Tapar os ouvidos, ou impedir o diálogo, para além do simbolismo do ato, não contribui em nada ao avanço da questão.
O verdadeiro comportamento militante foi da jornalista Carolina Almeida, que denunciou o caso com um texto contundente, e dos diretores da Fundação Joaquim Nabuco, que proibiram o filme de Assis e de Lírio Ferreira, também envolvido no debate de Que Horas Ela Volta?. Os militantes de ontem talvez pudessem ter placas, escrever textos, ou abordar Cláudio Assis e exigir desculpas públicas. Ou seja, ao invés de impedirem o debate, deveriam multiplicar a discussão.
Fede verdade e cheira sonho
Primeira ironia da noite: Big Jato saiu do festival muitíssimo bem recebido, com quase toda a plateia do Cine Brasília aplaudindo de pé. Segunda ironia: este é o filme mais doce e carinhoso de Cláudio Assis em toda a sua carreira. O diretor relata a passagem à fase adulta do jovem Francisco, dividido entre o respeito pelo pai autoritário (Matheus Nachtergaele) e a admiração pelo tio anarquista (também Matheus Nachtergaele). Enquanto reflete sobre o primeiro amor, descobre a vocação de poeta.
"Big Jato" faz referência ao caminhão dirigido por Chico pai e Chico filho: trata-se de um veículo destinado a limpar as fossas sépticas das casas. Existe uma extensa reflexão, com bom humor, sobre esta família que vive dos excrementos alheios. Assis combina sua abordagem frontal das palavras (fala-se de amor e de merda com a mesma poesia) com um retrato afetuoso das descobertas do pequeno Chico. Além disso, a produção está repleta de boas canções e de belas imagens, em fotografia saturada e acolhedora. Quem diria que um dia Cláudio Assis se abriria ao universo infantil...
Óleos e bundas
Dois curtas-metragens também foram apresentados ao público. O primeiro deles foi Quintal, de André Novais Oliveira. O diretor de Ela Volta na Quinta continua trabalhando com sua família, desta vez no registro do realismo fantástico, incluindo a presença de um portal para outra dimensão... O filme subverte o imaginário do casal tradicional: enquanto a mãe quer se tornar uma empresária e tem experiência como assessora política, o pai faz um mestrado sobre filmes pornográficos, intitulado "Óleos e bundas". Com total apoio da esposa, é claro.
Talvez o maior interesse do curta encontre-se em seu formato despretensioso, no realismo singelo com qual aborda situações absurdas. Quintal funciona como uma fábula de cunho social. Um interessante trabalho, que levou o público às gargalhadas do início ao fim da projeção.
Sangue com cola e café
Falando em risos, outro curta-metragem divertiu a plateia em Brasília: a produção local Afonso é uma Brazza retrata a carreira do diretor e ator Afonso Brazza. Conhecido pelos filmes de baixíssimo orçamento, o diretor fez filmes de ação voluntariamente toscos, com muitos tiros e perseguições, sempre resultando em sangue - um sangue bastante falso, aliás, obtido com a mistura de tinta, cola e café.
O curta-metragem é bastante eficaz ao captar o estilo libertário deste "cinema a qualquer preço", ilustrando os principais filmes do diretor. É uma pena que em nenhum momento se proponha um olhar mais aprofundado sobre a precariedade financeira desta forma de arte e destes artistas. Afonso é uma Brazza não quer estragar a diversão com assuntos sérios, mas talvez eles fossem tão importantes quando o registro engraçado, beirando o folclórico, do cinema nacional.
Neste domingo, 20 de setembro, serão apresentados na mostra competitiva os curtas-metragens A Outra Margem e História de Uma Pena, além do longa-metragem brasiliense Santoro - O Homem e Sua Música.
Leia as críticas já publicadas sobre os filmes do 48º Festival de Brasília: