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    Festival de Brasília 2015: Fome faz retrato contundente dos moradores de rua

    O diretor Cristiano Burlan e o ator Jean-Claude Bernardet apresentaram o filme na segunda noite da mostra competitiva.

    Depois de uma primeira noite leve, a mostra competitiva do 48º Festival de Brasília adquiriu tons mais sombrios na segunda noite. Foram apresentados os curtas-metragens Tarântula e Rapsódia Para o Homem Negro, além do longa-metragem Fome.

    Todos os filmes lidam com questões sociais, como a miséria, a falta de moradia e a deficiência física. As obras questionam o modo de lidar com os problemas, seja pela via pessoal da vingança, seja na consciência de uma ação coletiva. 

    Chá de boneca

    Tarântula, de Aly Muritiba, traz a misteriosa história de uma família composta por três mulheres: a mãe solteira e as duas filhas pequenas. A menor delas, sem uma perna, cria um vínculo afetivo com o novo namorado da mãe, que não possui um dos braços. Mas a irmã mais velha, ameaçada por essa nova amizade, manipula a família para obter vingança.

    O diretor constrói imagens espetaculares (vide foto acima), fruto de uma fotografia delicada, que trabalha muito bem os tons escuros, e da precisão cirúrgica da montagem. Sugerindo várias ideias sem mostrá-las de fato na tela, o horror do curta-metragem se constrói de maneira eficaz na cabeça do espectador (incluindo sugestões assustadoras com bonecas, fios pendurados e água fervendo). Este foi, até agora, o melhor curta em competição.

    Desejo e reparação

    Rapsódia Para o Homem Negro surpreende: apesar de ser produzida pelo talentoso grupo do Filmes de Plástico, acostumado às crônicas cotidianas, o filme possui um escopo muito maior, tornando-se mitológico, épico, e de um militantismo agressivo, que não faria feio ao polêmico Sérgio Bianchi

    A obra do diretor Gabriel Martins gira em torno de um jovem rapaz negro, de personalidade pacífica, que decide vingar o assassinato do irmão. Assumindo a força dos orixás, ele torna-se guerreiro e mata friamente um grupo de empresários (brancos, ricos, arrogantes) como forma de vingança histórica pela dominação branca.

    Por mais que a ideia de uma reparação história seja justa e necessária, o curta-metragem incomoda pela representação maniqueísta e estereotipada dos personagens, além dos diálogos explicativos (vide a cena dos irmãos dentro do carro) e os planos frontais, explícitos, que eliminam a complexidade do discurso. 

    Dormindo na cidade

    Fome, de Cristiano Burlan, é uma produção no mínimo ousada. Ela se transforma diversas vezes ao longo da projeção, adquirindo novos caminhos e novas formas. O drama se inicia com a observação não intervencionista de um morador de rua (Jean-Claude Bernardet), até entrarem em cena moradores de rua reais, em registro documental. Depois, uma pesquisadora fictícia torna-se uma personagem tão relevante quanto o morador de rua nesta trama.

    O caminho pode ser um tanto bagunçado, evitando aprofundar seus questionamentos. Mesmo assim, Fome discute a violência inerente à luta de classes, o incômodo da cidade pela presença de mendigos, e as maneiras de ajudar pessoas em dificuldade. O filme é beneficiado pela atuação comprometida de Jean-Claude Bernardet, que tem se tornado um dos atores mais interessantes do cinema experimental brasileiro.

    A terceira noite da mostra competitiva apresenta os curtas-metragens Cidade Nova e Copyleft, além do longa-metragem Para Minha Amada Morta.

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