Em 2011, Gustavo Taretto surpreendeu o circuito de arte com a comédia agridoce Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Virtual, adaptado de seu próprio curta-metragem. Agora, para o segundo longa, o cineasta expande mais um curta de sua autoria: Las Insoladas, história sobre seis amigas que tomam sol no terraço de um prédio, enquanto falam sobre as transformações em suas vidas e sobre os sonhos de viajar para outros países.
O AdoroCinema conversou em exclusividade com o diretor, que comparou estes dois retratos de Buenos Aires, além de comentar as transformações culturais dos anos 1990 e a presença das mulheres no cinema. Confira este bate-papo, e assista ao trailer de Las Insoladas, que estreia nesta quinta-feira:
Depois de Medianeras, você volta a falar sobre Buenos Aires de modo crítico. É uma relação de amor e ódio com a cidade.
Faço filmes para tentar entender a minha própria cidade e as pessoas que vivem nela. Eu me interesso não apenas pela arquitetura e pelo espaço, mas pelas pessoas. O terraço é um elemento que me agrada, porque funciona como uma ilha de concreto, com vista para toda a cidade. Você está na cidade, mas é como se não estivesse, é um lugar isolado. Muitos filmes mostram Buenos Aires como um lugar frenético, perigoso. Prefiro trocar a imagem clássica e endinheirada de Buenos Aires pelo retrato das mudanças, dos prédios antigos ao lado de outros muito novos.
Por que escolheu falar da época anterior à tecnologia digital, antes dos celulares e computadores portáteis?
Escolhi os anos 1990 para falar de um passado recente, que não foi muito retratado no cinema argentino. Nós tivemos um presidente que estabeleceu a paridade entre o dólar e o peso. Conseguíamos facilmente obter dólares, e acreditamos na mentira de que tínhamos uma moeda forte. Era mais fácil viajar para outros países, e o Caribe sempre foi valorizado pela classe média, por causa das praias de areia branca, das águas transparentes e das palmeiras. Esta foi uma época de mudanças profundas, com a chegada da Internet, a popularização dos telefones celulares, a mudança na maneira de escutar música... Houve uma transformação nos hábitos culturais da classe média.
Você considera Las Insoladas um filme político?
É um filme político por falar sobre o neoliberalismo nos anos 1990, quando se ganhou muito dinheiro com negócios rápidos, com especulação, e não com sacrifício. Também existe a presença de Cuba porque, para os argentinos, sempre foi um país que despertou curiosidade. A classe média sempre olhou com muita inocência para o comunismo, sem relações com a realidade desse regime. Che Guevara, que é a referência internacional mais conhecida, nasceu na Argentina, e por isso temos uma relação carinhosa com os cubanos, mesmo sem conhecer o comunismo.
É interessante ver uma produção estrelada apenas por mulheres, na qual as personagens não falam apenas sobre homens e sobre amor. O que pensa da representação das mulheres no cinema atual?
Na Argentina, muitas mulheres fazem filmes, e nosso cinema está cheio de fortes personagens femininas. A reunião de mulheres sempre me chamou a atenção. Na pintura, existe o tema clássico de mulheres reunidas à beira do rio, ou embaixo de uma árvore. O que me agradava, mais do que a representação das mulheres, eram as pessoas que tomam sol fora de contexto. Entendo quem toma sol na praia, mas quem faz isso em um parque, ou no terraço, é algo desconcertante. Assim, quis fazer um filme sobre pessoas tomando sol. Quem mais faz isso são as mulheres, que possuem maior resistência ao sol, e aproveitam mais.
Você já tinha trabalhado com Carla Peterson em Medianeras, e repetiu a dose em Las Insoladas. Como escolheu o seu elenco?
Eu queria preparar um coquetel interessante – talvez não para o público brasileiro, que não conhece essas atrizes, mas para o público argentino. É curioso porque elas são muito famosas, principalmente Carla Peterson e Luisana Lopilato, que costumam ser protagonistas, além de terem muita experiência. Violeta Urtizberea e Marina Bellati fazem televisão, mas não são tão conhecidas como as outras. Já Elisa Carricajo e Maricel Álvarez são atrizes de teatro underground, e fazem apenas cinema independente. O elenco é heterogêneo, para forçar um novo encontro entre atrizes diferentes, acostumadas a trabalhos tão distintos.
Foi difícil fazer um filme inteiro em um único espaço, no caso, em um terraço?
A dificuldade não foi essa. Eu queria fazer um filme original, singular, e essa ideia me deixava mais motivado do que assustado. Eu precisava encontrar um terraço que se parecesse com qualquer outro terraço, mas que tivesse vários níveis e espaços, para o público não se cansar, e para ter sempre uma nova informação. Gradualmente, a imagem tinha que mudar. Por outro lado, é cômodo fazer o filme todo em uma mesma locação, porque conhecemos as possibilidades daquele cenário em profundidade. O desafio era gerar a claustrofobia a céu aberto.
Por que acha que Medianeras funcionou tão bem com o público brasileiro? Não se trata de uma realidade tipicamente argentina?
O contexto é universal, com sua solidão, suas grandes cidades, seu encanto pela tecnologia, e as mudanças que isso traz aos relacionamentos. É um tema moderno, que afeta cidades de todos os tamanhos. No Brasil, em particular, acho que o filme foi muito bem recebido porque, apesar da rivalidade no futebol, existe grande admiração recíproca. Os brasileiros gostam muito de Buenos Aires, e nós costumamos chamar Bariloche de “Brasiloche”, porque só tem brasileiros. Os argentinos também olham com carinho para muitas cidades brasileiras. O “portunhol” é nossa língua! Em todas as vezes que estive no Brasil, tanto para apresentar Medianeras quanto Las Insoladas, os jornalistas conversam comigo em português, eu respondo em espanhol, e todos se entendem.
Leia a nossa crítica de Las Insoladas.