Quando o agente de Mark Osborne (Kung Fu Panda) o procurou há dois anos, sondando o diretor sobre o interesse de realizar uma adaptação cinematográfica de “O Pequeno Príncipe”, o clássico mundial do autor francês Antoine de Saint-Exupéry, o cineasta não titubeou: “é claro que não!”
No Rio de Janeiro, para apresentar o filme (que, sim, foi feito) no Anima Mundi, no último fim de semana – a segunda exibição pública depois do Festival de Cannes, em sala lotada – ele contou a história e explicou o motivo - com direito a slideshow e tudo.
Resumindo, quando ainda estava na faculdade, Osborne conheceu – e se interessou – por uma rapariga, de quem teve que se afastar para estudar (animação) do outro lado dos Estados Unidos. Foi quando ela o presenteou com um livro (precisa dizer qual?) que os manteve unidos apesar da distância. “O essencial é invisível aos olhos. Só se vê bem com o coração”, ela (re)escrevia em um bilhete – que ele mostrou – recuperado anos depois. Vinte e cinco primaveras, exatamente, se passaram, e hoje eles estão casados e têm um casal de filhos (a voz do Pequeno Príncipe na versão em inglês é a do menino).
Foi o suficiente para cativar a plateia. E entender a recusa, afinal, tratava-se de uma história pessoal demais para o diretor. Por outro lado, ele não queria perder a oportunidade de se envolver em um projeto tão afetivo.
Assim, resolveu inventar uma história “maior”, no entorno, para “proteger” o clássico. O Pequeno Príncipe, que esteia no Brasil em 20 de agosto, não é exatamente sobre o pequeno príncipe, mas focado na relação de uma garotinha (inspirada na filha do diretor) e um senhor (declaradamente baseado no mestre da animação Hayao Miyazaki), que apresenta a ela a história do encontro do aviador com o menino. Esse foi o pulo da raposa para que o diretor levasse o projeto adiante, como contou ao AdoroCinema. Confira:
AdoroCinema: Quantas vezes você já leu “O Pequeno Príncipe”?
Mark Osborne: Como um ser humano normal, já tinha lido várias vezes. Quando comecei a fazer o filme, passei a estudar o livro e relê-lo de novo e de novo e de novo, então, eu não tenho como dizer quantas vezes isso aconteceu. Mas sempre que tínhamos problemas com a história, nos momentos em que precisávamos de ideias, a gente voltava ao livro.
O Pequeno Príncipe é uma produção francesa, com a maior parte da equipe e elenco de origem do país europeu. Como você, que é americano, entrou para o projeto do filme?
Eu fui sondado, pelo que entendo, porque os produtores queriam fazer um filme que fosse global, e não um “filme francês”. E, além do mais, há uma história por trás, o Saint-Exupéry o escreveu quando morava em Nova York e o livro foi publicado primeiro nos Estados Unidos, antes mesmo do que na França.
Inicialmente, eu perguntei a mesma coisa: “por que vocês estão oferecendo [o projeto] a mim?” E o que eu percebi é que, ao mesmo tempo em que eu tinha suficiente afeto pelo livro, também era capaz de manter uma certa distância. Os produtores não conseguiam se decidir, entre muitas, muitas pessoas [para comandá-lo], e eu fui o primeiro a chegar com uma ideia que ia além do livro. Porque assim eu achava que deveria ser feito, no intuito de prestar um tributo.
Falando nisso, a história do filme não é exatamente a história do livro. Mesmo assim, o filme se chama "O Pequeno Príncipe". Você acha que as pessoas que leram o livro – que não são poucas – podem se sentir enganadas, de alguma maneira, por causa do título?
Eu espero que não. Eu acho que o importante é que a equipe de divulgação explique que o filme é uma homenagem ao livro. Eu não quero que as pessoas cheguem para ver como se fosse [só a história do] o livro, porque vão sair desapontadas. Os trailers são muito claros nesse sentido. O que eu espero é que aqueles que amam o livro vejam o filme de mente aberta, até porque cada um tem uma interpretação diferente de “O Pequeno Príncipe”. Essa, aliás, era a única maneira de proteger e honrar o livro: mostrar outros personagens interpretando aquela história. A gente poderia ter chamado de “As Aventuras de uma Garotinha Lendo ‘O Pequeno Príncipe’”. Em diferentes territórios, o filme tem ganhado títulos diferentes. No Japão, por exemplo, é “O Pequeno Príncipe e Eu”. O que eu gostaria mesmo é que as pessoas associassem organicamente a relação entre os personagens do livro com o encontro entre os novos personagens do filme.
Como as crianças, que ainda não leram o livro, têm reagido ao filme?
Eu fiquei preocupado se os meus filhos não ficariam entediados, mas o que tenho notado é que as crianças vibram com o filme. Só porque as crianças amam filmes que são simplesmente lixo, não quer dizer que elas não possam amar um filme que possa ser encorajador. Eu espero que a mensagem seja captada. E que as pessoas se sintam seguras. Essa é a principal coisa que eu digo: se você ama o livro, a sala de cinema é um lugar seguro para ir. Todo mundo envolvido na realização do filme ama o livro. Ninguém queria participar de um projeto que ferisse a história do livro.
O que você acha do filme [O Pequeno Príncipe] live-action de 1974?
O filme tem elementos estranhos, gera uma certa curiosidade. Mas eu não acho que seja bem-sucedido nem como filme, nem como adaptação. Tem elementos que eu acho que não são muito verdadeiros em relação ao espírito do livro. E, por isso, a família não queria que fosse feito um filme de novo. Eu não sei se isso é de conhecimento público, mas eles seguraram os direitos e não queriam que ninguém fizesse outro filme. Nós tivemos total apoio da família. Eles nos abraçaram como tributo e nós o fizemos como uma parceria com os herdeiros. O que provavelmente não aconteceu no anterior... [O lendário coreógrafo] Bob Fosse como a cobra? Eu fico feliz que isso exista, mas é tão bizarro...