Na noite de 24 de junho, a 25ª edição do Cine Ceará chegou ao fim após apresentar uma das melhores seleções de longas-metragens de toda a história do festival. Raros festivais nacionais conseguem reunir filmes tão aguardados quanto O Clube, Cavalo Dinheiro e Jauja na mesma edição. Não se espanta que estas produções (premiadas respectivamente em Berlim, Locarno e Cannes) tenham levado os principais troféus.
Apesar do favoritismo destes três títulos, os pequenos filmes ibero-americanos em competição não fizeram feio. Loreak, A Obra do Século, Crumbs e NN tiveram seus adoradores e detratores, despertando boas discussões nos corredores do cinema e nos debates com a imprensa. Percebe-se na curadoria um esforço louvável de apresentar filmes capazes de buscar tanto a pesquisa estética quanto a comunicação com o público mais amplo. As projeções no belo Cine Teatro São Luiz, aliás, foram marcadas pelas salas cheias e pela ótima qualidade de projeção.
A decepção ficou por conta dos representantes nacionais. Que Horas Ela Volta?, selecionado inicialmente pelo festival, seria sem dúvida o destaque nacional da competição, mas foi desprogramado in extremis e sem uma justificativa oficial por parte da produção. Real Beleza, de Jorge Furtado, decepcionou: o filme é simpático, mas fica aquém da profundidade e da inteligência encontrados normalmente nos roteiros do cineasta. Cordilheiras no Mar: A Fúria do Fogo Bárbaro chamou a atenção pelo tema (a política nacional vista por Glauber Rocha), mas não pela execução, de estética limitada e cansativa.
“Filme selfie”
Apesar da boa qualidade dos longas-metragens, os curtas-metragens não atingiram o mesmo nível. Poucos filmes se destacaram, apresentando variedade limitada de temas e formas. Predominou o que os jornalistas locais chamaram de “filme selfie”: obras de baixo orçamento, feitas por diretores jovens, que colocam a si próprios e/ou sua família em tela, expondo suas fraquezas e desejos (sexuais, particularmente).
Virgindade, Feio, Velho e Ruim, Choclo, O Lugar Mais Frio do Rio, Cenário, Miragem e, em certa medida, Quintal foram alguns dos filmes seguindo esta estética. Bons ou ruins, eles tornam o conjunto coeso, mas empobrecedor: afinal, existem diversas formas cinematográficas (principalmente entre os curtas) que poderiam e deveriam fazer parte de um festival plural como o Cine Ceará. Muitos críticos acusaram a seleção de valorizar uma espécie de cinema egocêntrico, que não investiga a linguagem cinematográfica para além da impressão de realismo e imediatismo obtida da pelas novas tecnologias (celulares, webcams e afins).
Entre os raros títulos de fato experimentais, Action Painting nº 1 e nº 2 é particularmente bem explorado e bem resolvido, ao contrário de pequenos exercícios de estilo como Micro-Macro. É uma pena que a premiação tenha atribuído o prêmio principal a um dos filmes mais fracos de toda a seleção: Kyoto, história de final abrupto, partindo de um preconceito inexplicável sobre a impossibilidade de uma criança ter feito uma viagem ao Japão. Mas júris são sempre imprevisíveis...
O melhor do cinema espanhol
Enquanto as atenções se voltavam ao grande cinema São Luiz e à mostra competitiva de longas-metragens, o impecável cinema Dragão do Mar apresentou uma mostra paralela, de qualidade igual ou superior à competitiva: a mostra Novo Cinema Espanhol. O curador Pablo Arellano fez um recorte amplo, que permitiu a inclusão de dois clássicos pouco revisitados pela cinefilia contemporânea (O Espírito da Colmeia, de Victor Erice, e Simão do Deserto, de Luis Buñuel). Infelizmente, a projeção não foi em película, mas é importante reconhecer a rara oportunidade de assistir aos dois filmes na tela do cinema.
Os longas-metragens espanhóis recentes foram de ótima qualidade. Costa da Morte traz uma investigação interessantíssima da dissociação entre o som direto e a imagem no documentário, enquanto Estrela Cadente fez um retrato histórico corrosivo e divertidíssimo da História espanhola. A competição teve espaço ao deboche, ao catártico, ao grotesco, ao punk e ao cinema de gênero, fugindo do “cinema de arte elegante” com frescor e criatividade.
Paralelamente, os curtas-metragens espanhóis foram os melhores de todo o Cine Ceará. Os três títulos cômico-fantásticos de Chema García Ibárria (O Ataque dos Robôs de Nebulosa 5, Protopartículas e Mistério) são excelentes, sem falar nos belíssimos Ser e Voltar e Névoa. Pablo Arellano explica o seu recorte curatorial: "Eu tive muita liberdade. Na mostra espanhola, pude incluir dois médias-metragens, documentários, ficções, curtas, filmes galegos, bascos... Existe um diálogo muito claro entre os filmes, um mistério nas histórias que não se explica totalmente ao espectador".
Ele completa: "Agora, na Espanha, quem faz cinema é quem tem muita vontade de fazer. Para mim, a situação lembra o cinema latino-americano dos anos 1990, quando era muito difícil fazer cinema, mas as pessoas arriscavam como podiam. Os filmes da mostram são um bom exemplo de como fazer um filme autoral, poético e inteligente com poucos recursos. O Estado espanhol está cortando os meios de financiamento, especialmente para as grandes produções. Assim, acabam crescendo os filmes independentes".
O Cine Ceará termina sua edição comemorativa com filmes de alto nível e uma premiação digna dos longas-metragens selecionados. Além das exibições, os debates promovidos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) permitiram compreender o estado de fragilidade crônica em que se encontra a crítica de cinema em toda a América do Sul e na península Ibérica, enquanto as homenagens a Leandra Leal e Cacá Diegues tiveram o mérito de destacar tanto os novos nomes quando as personalidades já consagradas na cinematografia nacional.
Resta torcer para que as próximas edições consigam manter – e superar, quem sabe – a qualidade do ano de 2015. Vai ser um prazer, para o público cearense e para os críticos e jornalistas, acompanhar as próximas edições.