É difícil explicar do que se trata Jauja, uma coprodução entre Argentina, Dinamarca, França, México, EUA, Alemanha, Holanda e (ufa!) até o Brasil, dirigida pelo hermano Lisandro Alonso, que chega nesta quinta-feira, 25 de junho aos cinemas brasileiros, depois de ser laureada com o Prêmio da Crítica da mostra Un Certain Regard no prestigiado Festival de Cannes.
"Quando me perguntam, do quê se trata o filme... é uma pergunta complicada ", confessa o cineasta, em entrevista ao AdoroCinema durante o 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, onde esteve presente com o filme na última semana, em caráter não-competitivo. Mas ele tenta: "digo, bom, é um pai que perde uma filha, mas isso não é suficiente". Tenta de novo: "começa em 1870, e a filha se apaixona por alguém e o pai vai à sua busca, entre os índios, e aí, encontra um cachorro e o segue até uma velha e eles falam da vida e depois o filme termina em um castelo na Dinamarca... quando eu digo castelo, as pessoas me olham... 'ok, boa sorte!'".
Parece complicado. E é mesmo. Mas Lisandro pouco se importa, afinal, se julga um homem de imagens, sem pretensão de ser “profundo”. "Eu concebo os filmes de modo mais visual do que narrativo. Pra mim, o prazer estético pode ser mais importante do que a narração", diz, placidamente. Com quase duas horas de duração, Jauja foi filmado a partir de um roteiro de apenas 20 páginas escrito por ele em parceria com o romancista conterrâneo Fabián Casas, ao longo de dois anos, entre "assados" e vinhos.
No hablo su lingua
O tal "pai" é vivido pelo famoso ator Viggo Mortensen (cuja ascendência dinamarquesa não é tão famosa quanto seu nome), que fez muito mais do que atuar na produção. "Ele não só não cobrou [cachê], como nos ajudou financeiramente com o filme. Pra mim, Ele supera a categoria de ator e se converte em produtor; chamou um amigo [o artista Buckethead] para fazer uma [a única] música para o filme, e ainda terminou corrigindo as legendas de todas as versões; não a brasileira, porque não sabe português, mas dinamarquesa, francesa, inglesa, tudo ele mesmo", se debulha em elogios.
Viggo era a escolha primeira (e única) do diretor por conta da ligação do ator com a Argentina, onde morou por um tempo. Mortensen chegou a criar diálogos durante as filmagens, já que Lisandro, que não fala dinamarquês, resolveu filmar em... dinamarquês. "[Funcionou] No sentido de dar ao filme um aspecto exótico, se assim preferir. O dinamarquês só é falado por cinco milhões de pessoas. Me pareceu que poderia ser um pouco mais poético", ele justifica, revelando também que o fato de um dinamarquês - e não um inglês, como era de se esperar - "colonizando" a Argentina livraria a produção da patrulha de época, apegada aos "fatos reais".
A história veio de um triste episódio ao qual o cineasta se refere como um "acidente": o assassinato brutal do casal de críticos de cinema Nika Bohinc e Alexis Tioseco, nas Filipinas, por ladrões, na casa do jornalista. "Comecei a pensar não só nela [de quem era muito amigo], mas no que eu poderia fazer pelos seus familiares. Isso foi o germe dessa história".
Já sobre as influências, ele brinca. "Há críticos que dizem que notam muito de [o escritor argentino Jorge Luis] Borges. Mas eu nunca li Borges! Não a ponto de ser identificado como um leitor dele. É que o trabalho de cinema é um trabalho em equipe".
Bien-venido ao Brasil
Aos 40 anos, Lisandro Alonso tem consciência de que Jauja não deve ser um hit na terra de Pedro Álvares Cabral. “Eu considero uma vitória estar aqui [no Brasil]. Que me abra mais portas para fazer mais filmes. Isso pra mim, é uma vitória. São propostas mais difíceis, não sou bobo, mas tampouco quero ter talento para fazer outro tipo de filme. São [filmes] mais próximos à minha honestidade, de alguém que gosta mais das imagens e dos sons”, fala, para arrematar: “não sinto como uma frustração de que talvez outros cineastas que tenham alcançado rapidamente um grande sucesso e seu filme seguinte não é tão... Quero continuar fazendo filmes até que tenha cem anos, como [o cineasta português] Manoel de Oliveira”, e ri.
Com a Europa financiando cada vez menos a produção de filmes - Jauja, o primeiro de Lisandro a chegar aqui, custou entre US$ 300 a 400 mil - o diretor mira no Brasil para o seu próximo projeto. Ele quer filmar na selva – só não sabe qual ainda, mas as negociações já estão em andamento. “A Natureza, para mim, é o maior dos protagonistas. Em Jauja, não havia muitas árvores, então, necessito estar em contato com o verde”. Em menor escala, o mesmo projeto envolve filmagens também nos Estados Unidos.
Com o Viggo Mortensen?, pergunto. “Já é uma sorte trabalhar um cinema tão minimalista e chegar a fazer um filme com um ator de O Senhor dos Anéis, não? Nada mau”. Nada mau.