Chama-se Lucifer (Lúcifer) o terceiro filme do cineasta belga Gust Van Den Berghe (Pássaro Azul), para o qual o diretor de fotografia do longa-metragem, uma coprodução com o México, Hans Bruch Jr., inventou uma técnica de captação/ projeção da imagem chamada "Tondoscope", que resulta em um formato de tela circular, semelhante à íris do olho (sabe a bandeira do Japão?) Por essa Xavier Dolan e seu filme-Instagram Mommy não esperavam.
O efeito é bem próximo desse da imagem ao lado. E, apesar de, em princípio, a técnica parecer muito-loka-mano, o pior é que funciona. Passado em três atos (Paraíso, Pecado e Milagre), o longa em competitiva no 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba mostra basicamente a passagem de Lúcifer, o anjo expulso do paraíso, por uma comunidade rural do México, onde o belzebu encontra e modifica a vida de uma família bem simples da região.
É como se observássemos toda a narrativa com uma luneta (o Tondoscope), o que cria um distanciamento, como se ao espectador coubesse assistir aos olhos de Deus - ou do diabo. Mesmo com tão pouco espaço de tela para explorar (cerca de 1/3 do total), Van Den Berghe consegue dar conta de contar a história direitinho, através de um enquadramento bem preciso.
O casting é outro ponto alto do filme. O experiente ator Gabino Rodriguez (A Tiro de Pedra) incorpora o dito-cujo, sombrio e, ao mesmo tempo, sedutor (sem contar que ele tem todo o physique du role). E a tal família é vivida pela neta Maria (Norma Pablo) e os velhos irmãos Emanuel (Jerónimo Soto) e Lupita (María Toral). Apenas os dois primeiros são atores profissionais.
O jeito afetado da fala e mecânico do gestual dos não-atores (incluindo praticamente todo elenco de apoio), em princípio, poderia representar um problema. Mas é bastante significativo na medida em que o amadorismo dá a impressão de que o elenco é um joguete nas mãos do diretor, tal qual a família o é sob influência do anjo mau. Impossível não rir com o humor involuntário que brota da inocência e da espontaneidade do velhinho Jerónimo Soto/ Emanuel.
Uma pena que o roteiro perca força na segunda metade do filme. Longa (são quase duas horas), a produção deixa pontas soltas, e se perde rumo ao desfecho. No final da sessão, um burburinho tomou conta da sala.
Divertido, porém inofensivo.
O último dos dez filmes da mostra competitiva de longas-metragens avaliado pelo AdoroCinema (em breve você confere nossa entrevista com os realizadores do único brasileiro na disputa, A Misteriosa Morte de Pérola), é uma produção alemã.
Ein Proletarisches Wintermärchen (Um Conto de Inverno Proletariado) cumpre o que o título promete: um filme curto (um conto), de pouco mais de uma hora, que traz um grupo de três jovens um tanto quanto encostados, contratados para limpar uma mansão em Berlim, onde o proprietário magnata está prestes a dar uma festa. Non gratos na recepção, a luta de classes enfrentada pelo proletariado se estabelece no desejo de roubar um pedaço de bolo da festividade. Ao longo da noite, eles contam histórias nonsense que eles mesmos interpretam.
Dividido em três atos, como Lucifer, apoiado em um forte tom cômico surreal, como Réalité, o filme também arrancou boas risadas da plateia. Mas é mais convencional do que o primeiro; e menos inventivo do que o segundo. Apesar de divertido, Ein Proletarisches Wintermärchen, dirigido por Julian Radlmaier, resulta em uma produção inofensiva para a competição, cujo resultado será conhecido na noite da próxima quinta-feira.