Anna Roussillon nasceu no Líbano, foi criada no Egito e formada na França (em filosofia, linguística, linguagem, literatura e civilização árabe e cinema documentário). Seu primeiro filme, Je Suis le Peuple (Eu Sou o Povo), exibido agora na mostra competiva do 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, mescla um pouco de todo esse background, ao abordar a agitação política sentida no entorno (efetiva e simbolicamente) da Praça Tahrir, que teve consequências históricas não só para o país, mas para toda a região ao redor.
Inserido no contexto da Primavera Árabe (onda de protestos que, desde o fim de 2010, visam a mudar as condições de exploração de países do Oriente Médio e no Norte da África), o evento, embora recente, já foi explorado algumas vezes no cinema, incluindo aí A Praça Tahrir (The Square), que concorreu ao Oscar 2014 de melhor documentário.
A primeira grande sacada de Anna está no ângulo. Ela levou à máxima o preceito atribuído ao escritor russo Liev Tolstoi de que "se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia", para falar da "revolução" a partir de uma aldeia de camponeses. Para isso, acompanhou a reação de uma família pobre - num lugar onde a massa do pão descansa na cama, enquanto para as crianças sobra o chão duro - ao noticiário da TV, distante geograficamente do epicentro dos confrontos, ao longo de dois anos.
O longo período vai de janeiro de 2011, quando os rebeldes tomaram a praça, à ascensão e queda do governo Mohamed Morsi (o primeiro presidente civil do Egito eleito democraticamente que, em princípio, parecia ser a solução da lavoura, mas que se mostrou tão ditatorial quanto seu antecessor Hosni Mubarak, há 30 anos no poder). Tempo o suficiente para registrar a história acontecer.
Mas o "pulo do gato" de Je Suis le Peuple se dá mesmo nos embates entre Anna (estrangeira bem intencionada) e seus entrevistados, sobretudo o chefe da família, com quem tem uma calorosa discussão sobre "colonização". Se era intenção da diretora se fazer presente (ela não aparece, a não ser pelo áudio) desde o início do projeto, ela não esteve em Curitiba para explicar, mas não deixa de ser uma opção corajosa, sobretudo quando é confrontada. Pode ser que as opiniões libertárias de Anna tenham contaminado a avaliação do homem sobre seu próprio país; mas também pode ser que ele seja bem menos influenciável do que se imaginaria inicialmente.
Ao mesmo tempo, a D-Rex de Jurassic World - O Mundo dos Dinossauros, ameaçava feroz os humanos que compareceram à reabertura do parque na sala ao lado, no Cinesystem Shopping Curitiba. O som vazado não combinou.