Já está em cartaz nos cinemas brasileiros o ótimo documentário Os Últimos Cangaceiros, retrato do casal Durvinha e Moreno, antigos cangaceiros do grupo de Lampião que esconderam o passado para fugir da polícia. Com vasto material de arquivo e bons depoimentos, o filme traça um retrato curioso e inédito destes bandidos, hoje reconhecidos por muitas pessoas como heróis. Confira a nossa crítica.
O AdoroCinema conversou em exclusividade com o diretor Wolney Oliveira, que explicou como este projeto se difere de tantos outros feitos sobre o cangaço, e porque a obra de 2011 só está chegando aos cinemas quatro anos mais tarde:
Origem do projeto
"Eu tinha feito em 1999 o meu primeiro longa, que se chama Milagre em Juazeiro. É um docudrama sobre a história do Padre Cícero Romão Batista e a Santa Maria de Araújo, com o milagre da hóstia. No filme, tive o primeiro contato com a figura de Lampião, que conheci mais profundamente. Ele passou em 1926 em Juazeiro do Norte, e fiquei com vontade de fazer um filme sobre Lampião. O projeto foi amadurecendo, até que resolvi fazer um longa, chamado inicialmente Lampião, o Governador do Sertão.
Esse nome tem a ver com a carta que o Lampião escreveu para o governador de Pernambuco nos anos 1930, propondo dividir o Estado em dois limites, um sob controle do governador, e outro governado por Lampião. Comecei a pesquisar com ex-cangaceiros, com os “macacos”, que eram os policiais... Durante as filmagens, através do pesquisador João de Souza Lima, cheguei a Durvinha e Moreno, que formavam o último casal pertencente ao grupo de Lampião. Decidi mudar o foco, fazendo um filme sobre eles dois".
Conhecendo Durvinha e Moreno
"Eles fugiram em 1940 do interior do Pernambuco até o interior de Minas. Foram três meses de caminhada, e na época eles deixaram um filho com três meses de idade. Quando eu encontrei o casal, este filho, Inácio, já tinha 69 anos. Ele impôs muitas dificuldades ao projeto. Afinal, tinha acabado de reencontrar a família, e achava que a gente queria explorar os pais dele. Depois, ele pediu perdão, viu a importância e deu entrevista ao filme. Mas nós não filmamos o encontro dele com os pais, porque ele não permitiu.
No final, nós nos tornamos grandes amigos ao ponto que dona Durvinha me colocou um apelido. Ela me chamava de Português, que era um cangaceiro alto, de cor branca. Ela deu nomes de cangaceiros a todos na equipe. Hoje os dois faleceram, mas nós filmamos o casal entre 2006 e 2010, aproximadamente. Foi uma boa relação".
Pronto em 2011, lançado em 2015
"A pré-estreia foi em 2011, no Cine Ceará, o festival que eu dirijo. Depois, o filme passou dois anos no circuito de festivais, incluindo Toulouse, na França, Hamburgo, na Alemanha... Mas existem muitas dificuldades para lançar um filme no Brasil, é preciso ter recursos. A gente passou todo esse tempo tentando viabilizar o patrocínio. Finalmente, no ano passado, conseguimos com o governo do Ceará os meios para lançar o filme, através da distribuidora Imovision. Na realidade, o grande nó do cinema brasileiro é a distribuição. Passei quatro anos para distribuir o filme, mas muitos nem conseguem ser distribuídos. Eles estão nas prateleiras, e nunca chegarão às salas. Isso é reflexo do próprio desenho institucional do cinema brasileiro".
Bandidos ou heróis?
"Apesar de a gente estar fazendo um filme sobre bandidos – Moreno foi um dos cangaceiros mais temidos do grupo de Lampião – as pessoas se emocionam no cinema, existe um perdão. Nós tomamos muito cuidado na edição para que cada pessoa tivesse seu julgamento no final. Mas logicamente, os cangaceiros eram bandidos na concepção do “bandido social”, e de certa forma, parecem o herói grego, com uma parte de vilão.
Não podemos deixar de considerar a época em que eles viviam. Hoje, nós já temos a impressão de estarmos em um país sem lei, onde as pessoas matam e não são presas, ou são presas, e depois soltas. Imagina então nos anos 1920 ou 1930... A teoria do “bandido social” do Eric Hobsbawm tem um pouco disso. Ele estudou muito o cangaço, porque o Lampião é uma figura conhecida no mundo todo. Quando ele foi assassinado, a notícia repercutiu no New York Times, as pessoas estudam a história dele na Sorbonne. Existem mais de 200 livros sobre o cangaço".
Material de arquivo inédito
"O cinema brasileiro tem dois grandes temas: a comédia, que sempre constituiu as maiores bilheterias, e o cangaço, que é o segundo tema mais explorado. Nós temos mais de 50 longas de ficção sobre o cangaço, mas Os Últimos Cangaceiros é o primeiro longa-metragem documentário sobre o assunto. Eu decidi que precisava apresentar coisas novas, se possível, imagens inéditas filmadas por Benjamin Abrahão. No final, conseguimos esse material com a Cinemateca Brasileira. O Antônio Venâncio, um dos grandes pesquisadores do cinema brasileiro, foi fundamental nesse processo.
Mas nós não nos contentamos com imagens inéditas: pegamos as Memórias do Cangaço e colorimos as imagens quadro a quadro, conforme as cores das roupas dos cangaceiros na época. Isso demorou seis meses. Conseguimos um vídeo de Dadá e Corisco, que acreditavam ser inexistente, e fizemos a leitura labial de uma cena de Lampião com o punhal. Além disso, usamos trechos de filmes fundamentais, como O Cangaceiro e Baile Perfumado. Não queríamos ficar só nas entrevistas, e sim oferecer um material iconográfico rico".
182 horas de gravação
"No final, tínhamos 182 horas filmadas, fora o material de arquivo. Passei um ano editando, até chegar em 79 minutos, que é um tempo legal para um documentário. Mas agora, depois de Os Últimos Cangaceiros, vou retomar o projeto anterior, Lampião, o Governador do Sertão, porque todas essas pessoas que filmamos já faleceram, incluindo vários cangaceiros que não entraram no corte final. Queremos explorar a influência de Lampião na música, na dança, na culinária, no artesanato... Além de explorar a própria personalidade do Lampião".