A segunda noite do Cine PE 2015 trouxe ao cinema São Luiz mais um longa-metragem em competição, três curtas-metragens e duas homenagens controversas.
Três visões sobre o homem pobre
Os curtas-metragens mostraram, de modos muito distintos, as relações das classes populares com a religião, o folclore e as imagens contemporâneas. O belo Xirê, de Marcelo Pinheiro, combina as coreografias de Robson Lima Duarte com a paisagem local, mesclando o humano e o natural, o presente e o passado. As belas imagens e a fotografia fazem do curta uma boa escolha para os prêmios do festival.
O filme infantil Salu e o Cavalo Marinho, de Cecília da Fonte, narra a trajetória do garoto Salu, que sonha em participar das atividades de música e dança conhecidas como Cavalo Marinho. A narração é ingênua e simples, enquanto os traços da animação remetem ao estilo funcional de Maurício de Souza. O resultado é agradável, e despertou aplausos eufóricos da plateia, mas decepciona por pressupor que as crianças não sejam capazes de compreender uma narrativa um pouco mais complexa.
O pior curta-metragem da noite, e o mais questionável do festival até agora, é Alegria, do cineasta Hsu Chien Hsin. Sob pretexto de homenagear Mazzaroppi e a ingenuidade dos homens simples, o filme fornece uma visão grotesca da pobreza, ridicularizando seus personagens sem recuo crítico. A família retratada não possui complexidade de pensamento ou de vontades, funcionando como uma espécie de Família Buscapé acerebrada. Enfim, um retrato desrespeitoso e reacionário das classes desfavorecidas.
Uma homenagem incomoda muita gente
O ponto mais controverso da noite foram as homenagens. Primeiro, um vídeo curto e bem produzido relembrou a obra de Ariano Suassuna e as adaptações de seus textos no cinema, como O Auto da Compadecida. Após esta sucinta homenagem, uma narração muito mais longa e lacrimosa evocou a figura do ex-governador de Pernambuco e candidato à presidência da república, Eduardo Campos, falecido em um acidente em 2014.
O discurso citou "uma pessoa que faz muita falta", um patrono das artes, "presente em cada centímetro quadrado do cinema São Luiz", além de homem culto, que teria "salvo" o cinema local com suas "qualidades de gestor" e "habilidades políticas". Em seguida, um longo vídeo repetiu as palavras do apresentador, adotando um tom muito semelhante ao das propagandas eleitorais, com uma narradora indicando dados e gráficos provando que o Estado teria melhorado sob gestão de Campos. Uma parte da plateia aplaudiu a homenagem de pé, enquanto outro grupo vaiou o retrato hagiográfico e desprovido de nuances.
Por um lado, é compreensível que um festival de cinema tenha relações próximas com personalidades políticas. Nenhum evento deste porte é feito sem apoio de governos locais e federais, e determinadas gestões são mais favoráveis às artes que outras. No caso da diretoria do Cine PE, os diretores consideraram justa a homenagem ao governador, e tinham todo o direito de fazê-la.
Por outro lado, o discurso incomodou pelo teor unilateral e excessivo. O vídeo sentimental, a estética eleitoreira, a presença de toda a família de Eduardo Campos e mesmo um presente (um boneco de Campos ostentando uma faixa que mais parecia presidencial do que governamental) foram alguns pontos questionáveis. Acima de tudo, esta homenagem grandiosa foi desrespeitosa a Ariano Suassuna, que ganhou uma citação mais contida.
Você acredita em tudo que te dizem?
O segundo longa-metragem apresentado em competição oficial, após Mães do Pina, foi O Vendedor de Passados, de Lula Buarque de Hollanda. Lázaro Ramos interpreta um homem cuja profissão consiste em fabricar passados falsos a pessoas frustradas e solitárias. Alinne Moraes interpreta uma cliente misteriosa por quem ele se apaixona.
Mistura de suspense, drama, romance e comédia, o filme nunca explora a fundo a curiosa atividade do protagonista, mas traz boas discussões sobre a História como elemento mais interpretativo do que fatual, ou seja, propenso a mentiras e releituras. "Você acredita em tudo que te dizem?", provoca o personagem de Lázaro Ramos, sintetizando a postura geral da história. Confira a nossa crítica.