Foi dada a largada ao Cine PE 2015! O festival pernambucano teve as suas primeiras sessões dia 2 de maio, apresentando dois curtas-metragens e dois longas-metragens a uma plateia lotada e animada. O belíssimo cinema São Luiz foi palco de algumas dificuldades iniciais de produção (homenagens adiadas, atrasos nas exibições) e projeção (imagens fora de foco, som mal calibrado), mas o público não pareceu se importar e aproveitou as sessões que se estenderam até mais de meia-noite.
A curadoria adotou a curiosa escolha de selecionar quatro filmes que buscam fazer retratos culturais de algum grupo específico: os indianos (em O Exótico Hotel Marigold 2), as mulheres religiosas do bairro do Pina, em Recife (Mãe do Pina), os grupos de forró (Fim de Semana) e a música tradicional representada pela cantora Lia de Itamaracá (Encantada).
O Exótico Hotel Marigold 2 foi o longa-metragem de abertura do Cine PE 2015, que trouxe o diretor britânico John Madden no evento. Bastante diplomático e arriscando algumas palavras em português, ele apresentou o filme, torcendo modestamente para a obra não "fazer feio perto da tradição cinematográfica brasileira".
A sequência da comédia dramática de sucesso pareceu conquistar a plateia recifense. A trama abandona os principais conflitos do primeiro Exótico Hotel Marigold, de 2011 (o choque de culturas, a autonomia dos idosos) para se aprofundar nas histórias de amor entre os tradicionais moradores do hotel. Judi Dench, Maggie Smith e Celia Imrie estão ótimas como sempre, já o jovem Dev Patel faz uma versão ainda mais histriônica e desagradável de seu atrapalhado personagem.
Percebe-se sobretudo uma visão fetichista da cultura hindu, mostrada como algo distante, especial, visto por um olhar europeu. Os personagens estão no hotel há anos, mas não nada da língua local, e nem pretendem aprender. Eles vivem em permanente estado de férias, tendo os indianos como assistentes (faxineiros, motoristas, mecânicos) e eventuais romances passageiros. A ideia de "nós contra eles" é mantida intacta neste romance doce e inofensivo. Pelo menos, é digno de elogios ver personagens de 80 anos de idade em cenas românticas.
Já Mães de Pina, o primeiro longa-metragem em competição, possui uma produção muito menor do que o filme britânico, mas também demonstra dificuldades em honrar a cultura alheia. O diretor Leo Falcão apresentou o filme ressaltando a importância de retratar mulheres negras e de baixa renda no cinema brasileiro. Ele tem toda a razão de sublinhar essa importância, e pode-se compreender que o documentário possua as melhores intenções possíveis.
Entretanto, o resultado não deixa de ser um tanto frágil. O diretor seleciona cinco "mães do Pina" (mulheres conhecidas pela transmissão da música e da religião no bairro do Recife) e pede que falem um pouco de suas vidas. O cineasta não apreende o dia a dia dessas mulheres, preferindo combinar os tradicionais depoimentos com momentos encenados para a câmera.
Assim, traz um olhar certamente afetuoso às entrevistadas, mas faz um estudo desprovido de complexidade. Restringe-se o discurso às mães do Pina e às jovens que as adoram. O resultado é um documentário bem comportado, partidário demais, como uma homenagem institucional. O folclore é visto como algo belo, mas desconectado de implicações socioprofissionais, políticas e econômicas.
Sem dúvida, os melhores filmes foram os dois curtas-metragens apresentados. Encantada, de Lia Letícia, faz um retrato poético de Lia de Itamaracá, artista já retratada nos filmes Recife Frio e Sangue Azul. O ensaio se concentra em partes do corpo da artista, enquanto ela navega ao redor de Itamaracá. É um filme pequeno, de aspectos técnicos deficientes, mas munido de um conceito coerente, aplicado do início ao fim.
Um grau de profissionalismo e refinamento estético mais apurado pode ser encontrado em Fim de Semana, de Pedro Diógenes e Ivo Lopes Araújo, e produzido pelo grupo Alumbramento. Sem depoimentos ou narrações, o documentário segue a banda Forró Sacode em turnê pelas regiões Norte e Nordeste. Os diretores seguem os caminhos na estrada, os palcos sendo montados e desmontados, o assédio dos fãs.
Além de uma montagem excelente e um trabalho instigante de som (às vezes trocando as canções do forró por equivalentes americanas, de teor popular e sentimental), o filme consegue encontrar uma equação ideal para retratar a banda em seu contexto, em seu dia a dia, de modo natural, atento e respeitoso. Em um dia de representações tão contestáveis da alteridade, Fim de Semana conseguiu provar que é possível sobrepor o rigor estético e discursivo à simples homenagem.